Revista Exame

O mundo de ponta-cabeça

Dá para acreditar que os Estados Unidos são hoje uma das fontes de insegurança mundial por sua incapacidade de gerir as contas públicas? E que o real brasileiro virou sinônimo de fortaleza?

Impressão de dólares em Washington: a moeda americana, quem diria, está afugentando os investidores (Mark Wilson/Getty Images/AFP)

Impressão de dólares em Washington: a moeda americana, quem diria, está afugentando os investidores (Mark Wilson/Getty Images/AFP)

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Da Redação

Publicado em 7 de outubro de 2011 às 16h14.

São Paulo - O ambiente de aflição que envolve neste momento a economia mundial, com a maior potência do planeta arrastada para a beira da insolvência, oferece uma boa oportunidade para lembrar a todos a sabedoria da advertência utilizada pelos fundos de investimento na comunicação com o público em geral — resultados do passado, aponta-se ali, não são garantia de desempenho futuro.

O que aconteceu antes não vai se repetir obrigatoriamente depois. A situação existente até agora pode não existir mais daqui para diante. Ninguém tem condições de assegurar que a vida econômica de hoje será a mesma amanhã.

Tudo isso deixou de ser, já há bom tempo, apenas uma manifestação de prudência por parte dos operadores de mercado ou uma precaução de ordem legal contra possíveis queixas na Justiça de investidores decepcionados. A relevância cada vez menor do passado para ajudar no entendimento do presente tornou-se a regra na economia mundial de hoje.

O que se torna cada vez mais comprovado é a precariedade da ideia de que algo é “impossível” apenas porque nunca aconteceu antes. Tudo bem: nunca aconteceu antes. E daí? É uma constatação que não serve para nada. Isso ou aquilo só não podem acontecer até o momento em que acontecem; nessa hora, o impossível vira possível.

A crise atual é uma demonstração viva dessa marcha, cada vez mais rápida, rumo ao desconhecido. Quem poderia imaginar, por exemplo, que um dia possuidores de moeda americana, produto da mais possante economia do mundo, quisessem trocar seus dólares por reais?

Isso mesmo; reais, impressos pela Casa da Moeda do Brasil, no Rio de Janeiro, e instrumento monetário de uma economia que até 17 anos atrás tinha menos seriedade que um circo de periferia.

Mais: como prever que essas trocas viessem a ser feitas não só por investidores interessados em faturar com os juros brasileiros, os mais altos do mundo, ou para aproveitar vantagens de câmbio, condições que podem ser transitórias, mas como reserva de valor?

Isso mesmo, de novo: vendem-se dólares para comprar reais, neste momento, para sair de uma moeda “fraca” e refugiar-se numa moeda “forte”.


Nenhuma religião econômica conhecida do ser humano permite que se acredite numa coisa dessas — a moeda brasileira fazendo o papel de “divisa”, procurada por oferecer estabilidade, e a moeda americana fazendo o papel de dinheiro vagabundo de Terceiro Mundo. Mas aí está: aconteceu.

Ninguém que possa ser descrito como alguém que “entende de economia” foi capaz de perceber, cinco ou dez anos atrás, que o mundo no qual então se vivia poderia se transformar em algo parecido com o que existe hoje.

A China, que até os anos 70 era uma das economias mais primitivas do planeta, caminha para tornar-se a maior potência econômica de nossa época.

Os países mais ricos da Europa, que pareciam, com o euro, estar dando à humanidade uma das contribuições mais notáveis da história, hoje se desesperam para salvar sua preciosa moeda única do naufrágio.

As contas públicas de boa parte dos membros de sua comunidade econômica tornaram-se um caso de irresponsabilidade comparável ao que existe de pior no Terceiro Mundo.

Os Estados Unidos, que passaram décadas deplorando a incapacidade que países como Brasil teriam para governar suas economias, veem o Estado americano numa situação de pré-falência.

E quanto ao Brasil? Ninguém, a começar pelos próprios brasileiros, poderia supor que o país é governado há quase 20 anos sem a edição de um único e escasso “plano econômico”.

Qualquer analista que julgasse possível haver prosperidade, dinamismo e sofisticação numa economia puxada a produtos agrícolas e minerais seria considerado charlatão.

Haveria gargalhadas se alguém previsse, para um dia qualquer do futuro, reservas próximas aos 350 bilhões de dólares — ou que o Brasil, de 1995 até hoje, fosse ter apenas três ministros da Fazenda.

É uma excelente oportunidade para recordar que não há nenhuma garantia de que tudo continue sempre assim.

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