Revista Exame

Como a WEG se tornou a empresa do ano de Melhores e Maiores

A catarinense WEG nasceu como uma oficina para se tornar uma das maiores fabricantes de equipamentos elétricos do mundo


	Décio da Silva e Harry Schmelzer Junior, da WEG: o valor de mercado da companhia aumentou 50% desde o início de 2014
 (Germano Luders/Exame)

Décio da Silva e Harry Schmelzer Junior, da WEG: o valor de mercado da companhia aumentou 50% desde o início de 2014 (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2015 às 11h34.

São Paulo — Duas vezes por ano, os membros das três famílias controladoras da catarinense WEG, uma das maiores fabricantes de motores elétricos do mundo, escolhem um destino para um encontro. O mais recente aconteceu ao longo de dois dias em dezembro, num hotel no litoral de Santa Catarina. O propósito nada tinha a ver com descanso.

Os 25 netos dos três fundadores fizeram um curso de 140 horas elaborado por professores da escola de negócios Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais. Nesse período, participaram de atividades como aulas sobre estratégia, liderança e competitividade. Até os bisnetos — o mais velho com 10 anos e o mais novo com apenas 1 — estiveram presentes. Na próxima reunião, prevista para julho, as crianças serão apresentadas a um motor, principal produto da empresa da família.

A atividade será acompanhada por psicólogos, responsáveis por transformar o aprendizado numa brincadeira. O compromisso, mantido de maneira informal desde 1976, ganhou rotinas mais elaboradas com o tempo. Mas serve ao mesmo objetivo: aproximar os acionistas entre si e da empresa. “Os fundadores sempre acreditaram que todos precisavam entender do negócio, independentemente da idade”, diz Décio da Silva, filho de um dos fundadores e presidente do conselho de administração da WEG.

Parte da agenda nesses encontros sempre é reservada para olhar os resultados da empresa. Em dezembro, as famílias viram números recorde. Em 2014, a WEG anunciou um faturamento de 2,7 bilhões de dólares, 42% maior em relação a 2010. A WEG Equipamentos Elétricos, que responde por mais da metade das receitas do grupo, obteve um lucro líquido de 242 milhões de dólares, 52% acima do valor registrado em 2010.

É curioso notar que, em certos aspectos, a WEG, fundada em 1961 pelo eletricista Werner Voigt, o administrador Eggon da Silva e o mecânico Geraldo Werninghaus, mantém traços de uma pequena companhia familiar. Os funda­dores afastaram-se do dia a dia da companhia em 1989. Mas ainda existem episódios folclóricos típicos de uma empresa de dono.

Aos 84 anos, o funda­dor Voigt vira e mexe sai de casa com seu pequeno carro elétrico, com tamanho similar ao de uma empilhadeira, atravessa a cidade e dá um passeio pelos corredores da linha de produção. Também costuma tocar Parabéns pra Você numa gaita na cerimônia de comemora­ção de 25 anos de casa de funcionários. No fim de 2014, apresentou-se diante de 200 veteranos homenageados. Como a sede sempre se manteve em Jaraguá do Sul, cidade de pouco mais de 140 000 habitantes no interior de Santa Catarina, não é raro que parte dos funcionários consiga almoçar em casa.

O executivo Harry Schmelzer Junior, presidente da companhia desde 2007, é um deles. A vista de sua janela, em vez do típico vaivém de carros de uma metrópole, é um amplo e bucólico jardim. A poucos metros dali, em contraste, saem algumas das peças mais inovadoras que a companhia produz em suas 35 fábricas espalhadas em 11 países. Na linha de produção original, atualmente com mais de 360 000 metros quadrados de área construída, são finalizados milhares de motores de alta tecnologia que serão o coração de geradores de energia eólica, lavadoras de roupa e máquinas industriais em 100 países.

A WEG é uma das maiores fabricantes de motores elétricos do mundo — atualmente, detém 14% desse segmento no mercado americano. As principais concorrentes globais são a alemã Siemens, a suíça ABB e a francesa Schneider Electric. O futuro da WEG depende cada vez menos de suas raízes. As operações estrangeiras, presentes em 80 países, respondem por 51% do faturamento.

Há cinco anos representavam 38%. O avanço deve-se a uma série de aquisições no exterior em­preendidas com disciplina financeira. Tem se tornado cada vez mais raro encontrar Schmelzer Junior em seu escritório na sede. Só no primeiro semestre deste ano, ele passou dois meses fora do ­país. “A empresa mostra, ano a ano, a capacidade de crescer e manter a operação enxuta”, diz Mário Bernardes Júnior, analista do mercado de bens de capital do Banco do Brasil.

Até 2020, a meta é faturar 20 bilhões de reais, sendo 60% vindos de fora do Brasil. Com esses resultados, as ações seguiram na contramão de um ano ruim para a bolsa. Com valor de mercado em torno de 30 bilhões de reais, a empresa viu seus papéis valorizar 31% em 2014 — enquanto o Ibovespa caiu 3%. O conjunto desse desempenho levou a WEG a ser a Empresa do Ano de MELHORES E MAIORES 2015.
À primeira vista, muitos aspectos da origem da WEG poderiam fazer tamanha ascensão parecer improvável.

Os três fundadores, que cresceram em Jaraguá do Sul, conheceram-se quase por acaso. Nenhum deles tinha formação acadêmica. Eggon não completou nem o equivalente à 6a série do ensino fundamental. Começou a trabalhar aos 13 anos num cartório da cidade. No fim dos anos 50, ergueu uma pequena firma de canos de escape para veículos.

Certa vez, levou seu carro para consertar na oficina mecânica que Geraldo Werninghaus mantinha na cidade. Dessa interação, surgiram uma amizade e a ideia de produzir motores para máquinas industriais. Werner Ricardo Voigt, que começara muito jovem como autodidata em instalações elétricas, entrou para a sociedade. Cada sócio investiu no negócio o valor suficiente para adquirir um Fusca. Desde o início, os três definiram suas atribuições na empresa.

Enquanto Eggon se manteve à frente da operação e construiu sua imagem da porta para fora, os outros dois mantiveram o olhar para a área técnica e para a linha de produção. Havia espaço para crescer na esteira de uma indústria que ganhava corpo no país ao fornecer motores para máquinas a preços competitivos localmente.

Os três fundadores, porém, logo concluí­ram que teriam de ampliar os horizontes para sobreviver. Numa visita à Alemanha em 1970, perceberam que só existiam dois tipos de empresa nesse segmento: as grandes e dominantes; e as nanicas, fadadas a desaparecer. Para ampliar a chance de fazer parte do primeiro grupo, decidiram que seria preciso exportar. Não só para incrementar a receita mas para forçar o desenvolvimento de produtos competitivos globalmente. O primeiro embarque de motores, para o Uruguai, ocorreu no mesmo ano, quando a empresa tinha menos de uma década de existência.

Governança

Ao mesmo tempo que empreendiam a expansão geográfica, os sócios pensaram em outro fator crítico para a perenidade da empresa — a harmonia entre os sócios. O controle compartilhado, dividido em partes iguais entre três famílias distintas, poderia ser um prato cheio para a confusão. Sobretudo com a chegada das novas gerações.

Em 1976, redigiram uma carta de princípios. O documento, um dos primeiros do gênero no país, norteia a gestão da WEG até hoje. Com 14 tópicos, tem regras como a que prescreve que o acionista disposto a trabalhar na empresa deve começar como os demais funcionários: na base. Atualmente, apenas dois familiares trabalham na empresa.

Ambos netos dos fundadores, eles são gerentes e começaram a carreira como trainees. “Para uma empresa familiar dar certo, é preciso preparar os herdeiros desde cedo e ter clareza quanto às regras de entrada de qualquer familiar no negócio”, diz Christian Orglmeister, sócio da consultoria Boston Consulting Group no Brasil.

Nem mesmo Décio da Silva, único homem entre os cinco filhos de Eggon, fugiu à norma. Ainda garoto, formou-se na primeira turma do centro de treinamento da empresa. Estudou mecânica com especialização em ferramentaria. Depois graduou-se em engenharia e administração. Enquanto isso, foi sucessivamente assistente, chefe de seção, gerente de departamento e diretor de produção.

Promovido a diretor de vendas, morou durante nove anos em São Paulo. O passo seguinte foi realizar estágios em grandes empresas na Alemanha e na Itália. No final dos anos 80, quando Eggon decidiu passar o bastão, Décio teve de passar por um teste de fogo. Diretores e acionistas foram entrevistados por uma consultoria externa para saber quem acreditavam ser o melhor candidato para assumir a empresa.

Eggon, então presidente, votou contra o nome do filho. Mas, com votos a favor dos outros dois fundadores, Werner e Geraldo, Décio foi nomeado em março de 1989, aos 35 anos. Na época, Eggon tinha 60 anos. “Meu pai sempre acreditou que um presidente não pode ficar para sempre, senão a empresa não muda”, diz Décio.

Numa medida calculada, os fundadores passaram os 30 dias seguintes à nomeação de Décio numa viagem internacional, sem nenhuma comunicação. A ideia era justamente dar liberdade para Décio comandar a empresa como julgasse melhor. Não faltaram imprevistos. Mais da metade do tempo os funcionários ficaram em greve.

Três anos depois, a empresa entrou no vermelho. Em 1991, a WEG registrou seu primeiro, e até hoje único, prejuízo anual. Na reunião das três famílias daquele ano, nenhum dos acionistas culpou o novo executivo. “Todos sabiam que a culpa não era só da empresa, mas de todo o contexto”, afirma Décio. Nos anos seguintes, os fundadores mantiveram a intenção de se distanciar da operação.

Cada um seguiu um caminho. Geraldo enveredou para a política. Foi vereador, deputado estadual e prefeito de Jaraguá do Sul — e morreu em 1999. Eggon passou a fazer parte de vários conselhos, entre eles o da antiga Perdigão, hoje BRF. De 1994 a 1995, foi presidente da Perdigão, onde iniciou uma reestruturação financeira. Atualmente, Eggon está aposentado. Werner foi o único que continuou a trabalhar na empresa como consultor por mais alguns anos, mas hoje só aparece para supervisionar a linha de produção.

O código de conduta assinado nos anos 70 foi colocado à prova mais uma vez há cerca de uma década, quando chegou a hora de Décio demonstrar o mesmo desprendimento do pai e tirar o time de campo. Ao decidir que sairia da presidência da companhia aos 53 anos, também buscou outras atribuições.

Criou uma holding dedicada a organizar os investimentos das três famílias, a WPA. Atualmente, a WPA tem participações de 5,3% na Iochpe-Maxion, que produz rodas e chassis para veículos comerciais, vagões de carga e peças ferroviárias, e de 3,5% na fabricante de bens de consumo BRF. Décio ocupa um assento no conselho da Iochpe-Maxion e deixou outro na BRF há dois anos. No momento da segunda transição de poder da WEG, novamente valeu a regra do mérito em vez do simples vínculo familiar.

Em 2007, na escolha do atual presidente, Schmelzer Junior, sem vínculos de sangue com os acionistas, dois familiares compunham a diretoria. “Escolheram o profissional que era o mais bem preparado”, diz Sérgio Schwartz, genro do fundador Werner e que até março ocupou a diretoria financeira da empresa. Aos 53 anos, Schwartz passou a fazer parte do conselho. “Isso mostra a postura da companhia, que privilegia o desempenho, independentemente de o profissional ser da família ou não.”

A transição planejada mantém a WEG uma exceção num cenário de alta rotatividade de presidentes nas empresas em todo o mundo. No Brasil, a permanência média de um executivo nessa posição é de menos de três anos. Na WEG, que ao longo de 53 anos teve apenas três presidentes, a média é quase seis vezes maior.

Essa característica ajudou a sustentar a estratégia de expansão sem solavancos. Em sua gestão, Décio conseguiu dar seguimento à estratégia iniciada pelo pai e colocou de vez os pés fora do Brasil. Três anos depois de assumir o comando, abriu o primeiro escritório no exterior, em Miami, nos Estados Unidos, para atender mais de perto os clientes americanos. Nos anos seguintes, dirigiu pes­soal­mente a implantação das primeiras fábricas no México, em Portugal, na Argentina e na China. Em 18 anos à frente da empresa, Décio multiplicou por 20 o faturamento da WEG.

Sucessão

Nos últimos anos, Schmelzer Junior — que entrou na companhia como estagiário em 1981 e passou por diversas áreas antes de chegar à presidência — intensificou esse movimento. Hoje, a WEG vive o período de expansão internacional mais intenso de sua história. Foram 20 aquisições no exterior desde 2010.

A lógica por trás das compras tem sido ampliar o portfólio, entrar em novos mercados e adquirir tecnologia. “A melhor saída para fazer isso de maneira rápida é incorporar quem já tem isso pronto”, diz Schmelzer. Por exemplo, ao comprar a fabricante alemã de motores Katt no ano passado, a WEG estava interessada muito mais nos 17 engenheiros alemães que têm um histórico de desenvolvimento em motores de alta rotação, usados em testes na indústria automotiva, do que na estrutura e no faturamento anual de 14,4 milhões de euros da empresa.

A compra da fábrica chinesa Sinya, em maio de 2014, deu-se com o intuito de ingressar na área de produtos da linha branca no exterior. A Sinya fabrica motores elétricos para lavadoras e secadoras de roupa e desenvolve tecnologia avançada para os principais fabricantes mundiais. Em 2015, a WEG adquiriu a fabricante de transformadores colombiana Suntec.

Com a compra, passa a atender o mercado de transmissão e distribuição de energia na Colômbia e aumentou a oferta desses produtos na América Latina. Segundo Schmelzer Junior, ainda há pelo menos mais quatro companhias no radar da WEG. A diversificação ajuda a proteger a companhia de crises.

A queda nas vendas para as fabricantes de eletrodomésticos tem sido compensada pela expansão dos negócios rela­cionados à geração de energia. Atualmente, apenas pouco mais de 10% do faturamento corresponde às vendas para fabricantes de produtos como lavadoras de roupa e aparelhos de ar condicionado.

Por outro lado, equipamentos como transformadores para geração de energia eólica ga­nharam relevância. Hoje já correspondem a uma parcela de quase 20% do faturamento. Em 2010 representavam metade disso. O próximo passo é avançar nos motores para carros elétricos. Nos últimos anos, Schmelzer tem conversado com presidentes de montadoras, como a Fiat e a Marcopolo, para convencê-los a investir em carros elétricos.

O produto está patenteado e pronto para começar a ser produzido. Essa é, aliás, uma das 104 patentes que a companhia obteve na última década. Até agora, essa ­corrida permitiu que metade dos ­produtos vendidos tenha sido lançada nos últimos cinco anos. Não perder o fôlego daqui para a frente será fundamental para que as próximas ge­rações tenham bons motivos para se encontrar no futuro.

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