Revista Exame

O minoritário vai virar dono na Gafisa?

Os ex-donos da empresa de loteamentos Alphaville, que tinham só 1% da Gafisa, estão prestes a virar os maiores acionistas da incorporadora — não sem antes enfrentar uma boa briga

Empreendimento da Alphaville em São Paulo: a operação é a mais rentável do setor (Germano Lüders/EXAME.com)

Empreendimento da Alphaville em São Paulo: a operação é a mais rentável do setor (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 25 de outubro de 2012 às 09h59.

São Paulo - No disputado mercado de construção civil, nenhuma empresa sentiu na pele os efeitos que uma aquisição equivocada pode ter nos rumos de seu negócio como a Gafisa, quarta maior incorporadora do país.

Em setembro de 2008, a companhia, que já teve entre seus acionistas o bilionário americano Sam Zell e fatura quase 3 bilhões de reais, comprou por estimados 400 milhões de reais a construtora Tenda, especializada no então efervescente segmento de baixa renda.

A operação provou-se um péssimo investimento — com obras que se revelaram até 50% mais caras do que o previsto e com menos de 20% dos clientes em condição de arcar com os financiamentos, a Tenda foi a principal responsável pelos maus resultados apresentados pela Gafisa em 2011. A má fase se refletiu na bolsa. Nos últimos 12 meses, as ações da empresa desvalorizaram 30%, ante uma alta de 10% do Ibovespa. 

Com o valor dos papéis em níveis tão baixos, a Gafisa viu-se recentemente diante de outro fato capaz de alterar seu destino. No primeiro semestre deste ano, a incorporadora deveria comprar os 20% que faltavam da Alpha­ville, empresa de loteamentos de alto padrão adquirida em outubro de 2006 e espécie de joia da coroa dos negócios do grupo.

Na compra, a Gafisa pagou 320 milhões de reais por 80% da Alphaville — e se comprometeu a pagar em ações os 20% restantes em 2012. Só que essa pequena fatia a ser paga foi avaliada por bancos de investimento em cerca de 360 milhões de reais — montante que pode valer até 19% das ações da Gafisa.

Se concretizada nos termos acordados, a operação terá um desfecho surreal. Os empresários Renato Albuquerque e Nuno Lopes Alves, ex-donos da Alphaville, atualmente com cerca de 1% das ações da Gafisa, da noite para o dia passarão a maiores acionistas da empresa, com quase 20% de participação.

Vale lembrar que hoje nenhum acionista da Gafisa possui mais que 5% do capital da incorporadora. E ver suas participações diluídas é tudo o que os atuais acionistas não querem. A Gafisa é uma das poucas empresas no Brasil de capital pulverizado. Na ausência de um controlador, quem manda na companhia é o conselho de administração — e, quanto mais ações um sócio tem, mais membros ele elege.

O conselho atual briga para pagar uma fatia menor de ações, o que fez os ex-donos da Alphaville a levar a disputa para uma câmara de arbitragem. “Se a operação for concluída, a Gafisa passará a ter uma figura bem próxima à de um dono”, diz o gestor de um fundo de investimento. Procurados, nem a Gafisa, nem a Alphaville deram entrevista.


A possibilidade de a Gafisa voltar a ter um acionista relevante deixou analistas e investidores com um misto de apreensão e otimismo. A apreensão vem do fato de os ex-donos da Alphaville não serem tão conhecidos no mercado. Albuquerque, de 84 anos, e Alves, de 57, estavam afastados da operação há pelo menos quatro anos — Alves deixou a presidência da Alphaville em 2008 e Albuquerque saiu do conselho de administração da Gafisa em julho do ano passado.

Para os mais otimistas, a criação de um bloco de controle daria mais agilidade à tomada de decisões — sobretudo àquelas ligadas ao futuro da Alphaville, a divisão mais rentável da Gafisa. Com 20% das ações da Gafisa, os ex-donos da Alphaville poderiam indicar até três dos nove membros do conselho de administração, que é quem efetivamente manda na Gafisa.

No dia 10 de setembro, a incorporadora anunciou que havia contratado o banco de investimento Rothschild e a consultoria Bain&­Company para estudar o que fazer com a empresa de loteamentos — vender, abrir o capital ou deixar tudo exatamente como está.

O mais provável, segundo executivos ligados à operação, é que os 80% da Alphaville nas mãos da Gafisa sejam vendidos; e o dinheiro, utilizado para aliviar a dívida de 3 bilhões de reais da incorporadora. Desde a aquisição, o valor da Alphaville saltou de 330 milhões de reais para 1,9 bilhão (o valor de mercado da Gafisa caiu de 2,9 bilhões de reais para 1,7 bilhão no mesmo período).

Embora menor que as demais, a Alphaville é a divisão que mais dá dinheiro dentro da incorporadora: lucrou 47 milhões de reais no primeiro semestre deste ano, ante um prejuízo de 77 milhões de Gafisa e Tenda.

A notícia de uma possível venda fez com que as ações da incorporadora valorizassem 13% em um único dia. “Mas uma dúvida ainda permanece: como a Gafisa vai seguir adiante sem sua operação mais rentável e que parece ser uma das mais promissoras?”, afirma Marcello Silva, analista da gestora de fundos Constellation. 

Criada em 1973 por Albuquerque e seu então sócio, Yojiro Takaoka, para vender lotes empresariais e residenciais de alto padrão, a Alphaville desenvolveu ao longo dos anos um modelo de negócios inovador para o setor.

Em vez de disputar a tapa terrenos caríssimos com as grandes construtoras nas capitais, a dupla negociava áreas enormes em regiões mais afastadas em um sistema de permuta — o dono do terreno ficava com cerca de 30% do valor do empreendimento.

À Alphaville cabia a instalação da in­fraestrutura para moradia, como rede de saneamento, eletricidade e calçamento. Com custos mais baixos e menos exposta a problemas como escassez de mão de obra (por não construir as casas), a empresa tornou-se rapi­damente a mais rentável do setor, com uma margem bruta de 55% (na Gafisa, esse número não passa de 30%).


Em 1994, com a morte de Takao­ka, Albuquerque procurou um novo sócio — acabou fechando com o empresário português Nuno Alves, que havia conhecido durante a criação de um lo­teamento em Portugal. A dupla dividiu-se, então, por tarefas. Albuquerque negociava terrenos, visitava as obras e dava instruções que iam da terraplenagem à instalação da rede elétrica.

Alves, por sua vez, ficou incumbido de cuidar de áreas como vendas e marketing. Mas foi a partir da união com a Gafisa que o negócio deslanchou. Com mais acesso a crédito, a Alphaville estendeu sua atua­ção de 13 para 21 estados e quadruplicou o valor dos lançamentos para 970 milhões de reais no ano passado.

O preço do controle

A julgar pelo andamento das negociações, é pouco provável que Albuquerque e Alves sejam recebidos de braços abertos na Gafisa. Segundo executivos próximos, os ex-donos da Alphaville só souberam da possível venda ou abertura de capital pelo fato relevante em que a Gafisa comunicou ao mercado sua intenção. “Eles ainda estão esperando um comunicado formal por parte da Gafisa”, diz um executivo que participa das negociações. 

Apesar de desgastada, a relação entre os dois sócios nem sempre foi ruim — muito embora Albuquerque, engenheiro de formação, discordasse publicamente do estilo “financista” dos administradores da Gafisa. A discussão em torno da Alphaville foi a responsável por azedar de vez o clima.

Para a Gafisa, o montante a ser pago pela Alphaville não deve ultrapassar 14% do total de suas ações. Albuquerque e Alves insistem em 19%. Em ambos os casos, os dois tornam-se os maiores acionistas da empresa. Sem chegar a um consenso, as duas partes não se falam desde junho. Para os sócios da Gafisa, uma coisa é certa: quando a fase é ruim, até negócio bom vira dor de cabeça.

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