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O mini-crash nas bolsas de valores foi só um susto?

A sensação de que há algo de errado com as bolsas no mundo ganhou força com a queda generalizada das ações no começo de fevereiro.

Bolsa de Nova York:  
a maior queda em pontos da história (Michael Nagle/Bloomberg//Getty Images)

Bolsa de Nova York: a maior queda em pontos da história (Michael Nagle/Bloomberg//Getty Images)

GN

Giuliana Napolitano

Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 08h19.

A sensação de que há algo errado com a euforia que tomou conta das principais bolsas de valores do mundo nos últimos anos ronda os investidores há algum tempo. Quanto mais as ações subiam, mais analistas e gestores ficavam com o pé atrás. Para os céticos, era questão de tempo até que alguma coisa desse errado e pusesse fim à festa. No começo de fevereiro, parecia que o momento havia chegado. Na segunda-feira dia 5, o índice Dow Jones, da bolsa de Nova York, fechou em baixa de 4,6% — em pontos, foi a maior queda diária já registrada pelo índice desde que ele foi criado, em 1896. A partir daí, uma onda de medo se espalhou pelos mercados — num único pregão, a bolsa do Japão caiu quase 5%, a da China perdeu 3%, a do Brasil, 2,6%. Depois disso, os mercados viveram dois dias mais tranquilos, mas voltaram a cair e ficaram muito mais instáveis. O índice que mede quanto os preços das ações oscilam a cada pregão, que mostrava uma volatilidade baixíssima até o comecinho do ano, disparou. Com isso,  a dúvida que já existia na cabeça dos investidores ganhou força: a queda recente foi um evento isolado ou pode ser o começo tortuoso de um período prolongado de baixa nas bolsas?

Os investidores estão olhando para os mesmos indicadores, mas chegando a conclusões diferentes. A explicação racional para o que provocou o mini-crash do mercado é que os investidores passaram a temer um aumento maior de juros nos Estados Unidos, o que costuma prejudicar a bolsa. O gatilho que levou a essa percepção foi um dado divulgado no dia 2 de fevereiro mostrando que os salários tiveram, em janeiro, a maior expansão desde 2009. Em situações normais, um índice considerado secundário pelos analistas teria uma influência marginal no comportamento das ações. “O problema é que há um excesso de especulação”, diz André Jakurski, sócio da gestora JGP e um dos fundadores do banco Pactual. “Quando os fundamentos são bons, os investidores se sentem confortáveis para arriscar, o que pode potencializar as perdas se algo não sai como esperado.” Hoje, muitos fundos são geridos de forma automática, por robôs programados para comprar e vender ativos de acordo com parâmetros estabelecidos pelos gestores. Um gestor pode determinar que um ativo deve ser vendido se seu preço cair abaixo de certo patamar — caso isso aconteça, a venda é automática, o que pode acionar os limites de outros fundos e gerar uma reação em cadeia que acaba aprofundando a desvalorização. Para a maioria dos analistas, foi o que aconteceu em fevereiro. “Nesse mercado robotizado, é provável que movimentos agudos sejam mais frequentes. Mas isso não quer dizer que investir em ações seja um mau negócio agora”, diz José Alberto Tovar, sócio da gestora Truxt.

- (Divulgação/Exame)

O argumento de quem acredita que a queda recente foi um evento isolado é justamente este: houve um desequilíbrio nas bolsas inflado por motivos técnicos, mas existem razões para acreditar em uma nova alta das ações. Pela primeira vez em uma década, as grandes economias do mundo estão crescendo ao mesmo tempo. As preocupações com a China diminuíram, os resultados das empresas estão melhorando. Nos Estados Unidos — cuja economia, segundo o Fundo Monetário Internacional, deve crescer 2,7% neste ano e 2,5% em 2019 —, a aprovação da reforma tributária deve aumentar o lucro das empresas. “A queda da bolsa americana está totalmente desconectada dos fundamentos”, afirmam os analistas do banco JP Morgan num relatório publicado no último dia 6. “Vemos a baixa como uma oportunidade de comprar as ações que caíram demais.”

Na outra ponta, está quem acredita que  a queda brusca das ações mostra que os investidores, finalmente, estão caindo na real. Para esse grupo de analistas e gestores, a manutenção de juros baixíssimos por vários anos nos países riscos provocou uma distorção nos mercados. Para conseguir rendimentos maiores — ou simplesmente alguma coisa acima da inflação —, os investidores passaram a aplicar muito mais em ações e em outros ativos de risco, o que elevou seus preços artificialmente. Com a alta dos juros, o incentivo acaba e o valor das ações tende a diminuir. “Quando as condições são favoráveis, muitos investidores fazem suas projeções considerando que elas continuarão desse jeito indefinidamente, mas, claro, não é assim que o mercado funciona”, diz Jim Rogers, investidor americano que foi sócio do gestor George Soros. “Não sei se este é o começo de uma queda prolongada das bolsas, mas, pelo tempo que os mercados vêm subindo e pela quantidade de risco que os investidores correram, quando a direção mudar, não será uma desvalorização qualquer. Acredito que será o maior crash que já vivemos”, completa. É cedo para dizer quem tem razão, já que o comportamento das bolsas continua errático. A certeza é que a calmaria dos últimos anos ficou para trás.

Com o nervosismo no exterior, a bolsa brasileira chegou a perder quase 4% em uma semana. Mas a maioria dos analistas e gestores — pelo menos por enquanto — continua recomendando investir em ações aqui. A análise predominante é que os altos e baixos devem ser mais acentuados nos próximos meses (até por causa da incerteza típica de um ano de eleição presidencial),  mas, no longo prazo, investir em bolsa vai compensar. Os motivos principais são o fato de a inflação estar controlada, os juros estarem baixos e a economia começar a se recuperar. Além disso, os fundos de pensão estão começando a comprar mais ações para conseguir rentabilidades maiores e cumprir suas metas de resultado, o que beneficia a bolsa. “É normal que ocorram correções nas bolsas, especialmente depois de terem subido tanto”, afirma Carlos Sequeira, sócio do banco BTG Pactual responsável pela área de análise de ações. O problema é se não forem apenas correções pontuais, e sim um ajuste de rota. Caso a alta dos juros nos Estados Unidos leve os grandes investidores internacionais a reduzir o risco de suas carteiras, os mercados emergentes, que receberam bilhões e bilhões de dólares de fundos estrangeiros nos últimos anos, devem sofrer tão ou mais do que os desenvolvidos. O urso é o animal usado lá fora para representar um mercado financeiro em queda. Ele ainda não está à solta nas bolsas, mas definitivamente saiu da toca.

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