Revista Exame

O milagre peruano nos Andes

A economia peruana — quem diria — atrai investidores estrangeiros, aumenta as exportações para a Ásia e se consolida como a que mais cresce na América Latina

No Peru, frio extremo a três mil metros acima do nível do mar (Creative Commons)

No Peru, frio extremo a três mil metros acima do nível do mar (Creative Commons)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

O desempenho da economia peruana na última década é perceptível logo na entrada do país. O Aeroporto Internacional Jorge Chávez, em Lima, a 11 quilômetros do centro histórico da cidade, é um retrato fiel de como os investimentos estrangeiros modernizaram o Peru. Desde quando foi privatizado, em 2001, o aeroporto recebeu aporte de 400 milhões de dólares de acionistas alemães e americanos — o dobro do que o governo investiu nos 36 anos em que esteve à frente da gestão. Nos últimos nove anos, o terminal aéreo dobrou de tamanho, passando de 40 000 para 85 000 metros quadrados, com 66 lojas, 28 salas de espera e uma passarela que liga o prédio a um hotel quatro estrelas. A coroação do aeroporto veio em 2008, quando foi considerado pela primeira vez o melhor da América Latina pelo ranking da publicação britânica World Travel Awards, o Oscar da indústria do turismo. Para não deixar dúvidas, ganhou de novo no ano passado.

O que antes era apenas uma porta de saída para os jovens peruanos desiludidos com o país agora se tornou um portão de entrada para executivos espanhóis, britânicos, chineses e brasileiros interessados em novos negócios na pujante economia peruana. Na última década, o estoque de investimento direto estrangeiro triplicou, chegando a 37 bilhões de dólares. Nesse mesmo período, o Peru foi o país que registrou a maior média anual de crescimento econômico na América Latina, de 5,1%. A estimativa do FMI é que neste ano a expansão do PIB atinja 8,2%, portanto, acima dos cerca de 7,5% previstos para o Brasil — embora seja necessário observar a diferença de tamanho das duas economias. “Em 2009, ano mais duro da crise financeira mundial, fomos um dos dez países que conseguiram crescer no mundo”, afirma Eduardo Ferreyros, ministro do Comércio Exterior e Turismo do Peru.


O pano de fundo dessa transformação é o grande boom de commodities promovido pela insaciável demanda asiática, uma história familiar para o leitor brasileiro. A China continua sedenta por minérios, e o Peru tem grandes reservas de cobre, ouro e zinco. Para retirar as riquezas da terra, o governo promoveu um agressivo plano de concessões e parcerias com o setor privado. Atraídos pelas oportunidades, grupos estrangeiros, como o britânico Anglo American, o anglo-australiano BHP Billiton, o chinês Chinalco, o suíço Xstrata e o japonês Mitsubishi, correram para o país ou aumentaram drasticamente sua presença. Nesse contexto, até a histórica rivalidade com o Chile ajudou. Com a finalidade de ultrapassar o vizinho e se tornar o maior produtor de cobre do mundo, o Peru deu início ao processo de expansão de Antamina, sua principal reserva de cobre e zinco. O Chile ainda está muito à frente, mas a capacidade de produção peruana deverá aumentar em 70% nos próximos cinco anos.

A recente história de sucesso peruana tem uma pitada brasileira. As construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht e Queiroz Galvão estão envolvidas na construção da Rodovia Interoceânica, uma megaobra com 2 586 quilômetros de extensão que ligará os portos de Ilo e Matarani, no sul do Peru, à cidade de Assis Brasil, no Acre. A previsão é que o projeto seja inaugurado em dezembro. “A estrada vai criar uma ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico”, diz Jorge Barata, presidente da Odebrecht no Peru. Pelas estimativas da embaixada do Brasil em Lima, as 15 maiores companhias brasileiras presentes no Peru, como Petrobras e Vale, pretendem investir, nos próximos cinco anos, cerca de 20 bilhões de dólares, quase o triplo do que foi injetado desde 2005.


Não deixa de ser irônico que quem esteja à frente do país neste momento de investimentos estrangeiros bilionários seja o presidente Alan García. É o mesmo personagem que quase afundou a economia peruana na hiperinflação e tentou nacionalizar o sistema financeiro na primeira vez em que ocupou o Palácio do Governo, entre 1985 e 1990. Em sua reencarnação política, García tem sido um ferrenho defensor da estabilidade e da economia de mercado. O que continua igual é sua popularidade, uma das mais baixas do continente. Apesar de imerso em acusações de corrupção, o governo de García tem uma lista de realizações das quais se vangloriar. Foi em sua gestão que o país recebeu o grau de investimento das agências de classificação de risco e que, acima de tudo, intensificou o ataque à pobreza. A parcela de peruanos que vivem com menos de 4 dólares por dia caiu de 49%, há dez anos, para 30%. Depois dos investimentos, o consumo interno é o principal vetor do crescimento. O número de shopping centers no país passou de 30 para 55 desde o ano 2000. No momento, há mais 15 em construção, principalmente na periferia das grandes cidades. “O fenômeno da ascensão da nova classe média peruana tem muitas semelhanças com o que estamos vendo no Brasil”, diz o peruano Tomás Málaga, economista para a América Latina do Itaú Unibanco.

Embora tenha registrado avanços significativos nos últimos anos, a taxa de desemprego orbita em 9%. A economia informal equivale a 25% do PIB, número alto até mesmo para os padrões latino-americanos (no Brasil, representa 18,3%). “A alta informalidade revela a incapacidade do governo de oferecer oportunidades a quem está na base da pirâmide social e de integrar essas pessoas à economia”, diz Hernando de Soto, o mais célebre economista peruano e um crítico da dependência do país em relação às commodities. Soto engrossa o coro dos que comemoram os avanços recentes, mas sem perder de vista os imensos desafios de um país ainda subdesenvolvido. Vale a pena lembrar uma frase famosa do Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, o homem que buscou levar racionalidade ao Peru em sua fracassada campanha eleitoral à Presidência, em 1990. Num momento em que uma parcela considerável dos peruanos parece exageradamente confiante — uma pesquisa recente revelou que 50% deles acham que o país entrará para o clube dos desenvolvidos já em 2025 —, lembra o notável autor de Guerra do Fim do Mundo e Conversas na Catedral: “No campo da política e da economia, é preciso sempre manter a lucidez”.

Acompanhe tudo sobre:América LatinaCrescimento econômicoDesenvolvimento econômicoEdição 0980Peru

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil