Revista Exame

O mercado já escolheu o próximo presidente

Por que Dilma Rousseff é tão rejeitada pelos investidores e Aécio Neves foi abraçado como o candidato que pode colocar a economia em ordem

Dilma Rousseff e Aécio Neves: o Brasil entre dois caminhos (Divulgação)

Dilma Rousseff e Aécio Neves: o Brasil entre dois caminhos (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 6 de novembro de 2014 às 16h00.

São Paulo - O economista gaúcho Alessandro Teixeira é o coordenador do programa de governo da campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff e um dos cotados para exercer função de destaque na equipe econô­mica caso ela seja consagrada nas urnas. Mas, hoje, o que Teixeira mais faz é servir de interlocutor da campanha com setores da iniciativa privada.

No dia 30 de setembro, em São Paulo, ele se reuniu com investidores convidados pelo Bank of America Merrill Lynch. Encontro semelhante havia sido feito com a equipe econômica da então candidata Marina Silva três semanas antes. De largada, uma diferença marcou os dois eventos: o tamanho da plateia.

Mais de 500 investidores foram assistir à turma de Marina, que incluía o eco­nomista André Lara Resende e o candidato à Vice-Presidência, Beto Albu­querque. Apenas 200 se interessaram pela apresentação de Teixeira. Quem se dispôs a ir ouviu uma defesa veemente da política econômica atual.

De acordo com três gestores que participaram do evento, ouvidos por ­EXAME sob a condição de não ser identificados, Teixeira reforçou a perspectiva de que, se Dilma vencer, manterá uma política baseada em consumo. Teixeira também argumentou que, se houve alguma falha na condução da política econômica de 2011 para cá, foi de comunicação.

“Mas ele deixou claro que o problema é de quem ouve, não de quem fala”, diz um dos gestores, responsá­vel por 3 bilhões de reais em investimentos. “Além de não assistir a um mea-culpa sobre a exaustão da política econômica atual, saímos com a certeza de que não haverá mudança relevante num próximo mandato”, diz outro executivo, gestor de 4  bilhões de reais.

Procurado por ­EXAME, Teixeira disse que há um pessimismo exacerbado no mercado e atribuiu os problemas da economia inteiramente à crise econômica global. De acordo com ele, Dilma, no máximo, “fará correções de rota” em um segundo mandato, sem indicar o que isso seja.

Exatamente por comungar da impressão de que pouco mudará com Dilma, os investidores vêm se posicionando contra a reeleição de forma explíci­ta. A surpreendente votação que Aécio Neves recebeu no primeiro tur­no, ficando apenas 8 pontos atrás de Dilma, fez com que o Ibovespa fechasse com alta de quase 6% nos dois primeiros dias após o pleito.

A tendência de subida da bolsa quando Dilma ia mal nas pesquisas e de queda quando ela ia bem foi uma tônica do primeiro turno. Mas o pessimismo não está circunscrito ao mercado financeiro. Executivos do setor produtivo, que o governo chama de “economia ­real”, estão assumindo posições igualmente claras.

Grandes empresas brasileiras e estrangeiras consideram o resultado da eleição de 26 de outubro um fator determinante para decidir os passos seguintes nos negócios. “Se Dilma ganhar a eleição, eu vou imediatamente reduzir meu plano de investimentos para os próximos quatro anos”, diz o presidente de uma das 500 maiores empresas do Brasil. “Se a oposição vencer, eu volto a investir no dia seguinte.”

A empresa em questão cortou o investimento para um quarto do planejado em 2014 e demitiu centenas de funcionários. “No momento, nossa prioridade é fazer caixa para proteger a empresa da volatilidade no câmbio.” Já o presidente da filial de uma multinacional diz que a frea­da da economia brasileira pôr em xeque um investimento de 200 milhões de reais que seria feito em uma nova fábrica.

“A matriz resolveu fazer conta e hoje há 50% de chance de investirmos para aumentar a produção em outro país e importar de lá”, afirma o executivo. Esses dois casos são ilustrativos de por que executivos dos mais diversos setores têm voltado sua torcida para a oposição.

A consultora de gestão empresarial Betania Tanure fez um levantamento especial para EXAME sobre a opinião dos executivos em relação ao segundo turno da eleição presidencial. Mais de 800 presidentes e conselheiros de empresas responderam e 92% deles declararam preferir que Aécio seja eleito presidente.

O resultado do primeiro turno foi tão inesperado que levou 78% dos pesquisados a dizer que Aécio é, hoje, o favorito a vencer. Pode parecer exagero, mas uma conclusão é inequívoca: a iniciativa privada pede mudança.

Falta de confiança

O principal atributo que falta ao governo Dilma é credibilidade. Betania também perguntou quais foram os determinantes da escolha  do candidato. O primeiro item, com 20% de adesão, é a maior chance de empreender reformas — bandeira de Aécio. Na reportagem de capa da última edição, EXAME trouxe um manifesto dos empresários em prol de reformas estruturais.

A qualidade da equipe econômica e a capacidade de implementar políticas fiscal e monetária adequadas são os dois determinantes seguintes, com 17% e 14%, respectivamente. Ou seja, os líderes das companhias brasileiras não confiam mais na política econômica do governo e embarcam no pessimismo com uma reeleição de Dilma.

Mas por que a impressão geral é que um segundo mandato dela seria ruim? Investidores explicam que Dilma tem dois aspectos negativos iniciais. No caso de reeleição, ela precisará fazer um ajuste fiscal mais profundo que a oposição para recuperar a credibilidade.

E as chances de Dilma se render a uma política de forte corte de gastos para pôr as contas públicas em ordem é baixa porque isso representaria jogar fora as convicções que marcaram o primeiro mandato, num improvável reconhecimento de que errou. Por outro lado, Aécio encontraria mais boa vontade dos investidores se chegasse ao poder.

Começando do zero, seu governo teria a confiança dos gestores do dinheiro. Ao mesmo tempo, o ajuste fiscal seria mais fácil de fazer, sob o argumento de que é preciso arrumar o que o antecessor deixou.

“Os mercados estão apenas avaliando a probabilidade de o próximo presidente fazer ajustes que sejam críveis o suficiente para ancorar as expectativas sobre a política econômica dos próximos anos”, diz Michael Gomez, líder de mercados emergentes da gestora de recursos Pimco, uma das maiores do mundo.

Em caso de vitória, Dilma terá chance de começar a reconstruir as pontes com o mundo dos negócios na divulgação da nova equipe econômica. Os analistas ­veem dois caminhos. O primeiro é a escolha de um nome técnico que cresceu nas fileiras do governo.

Candidatos à Fazenda que entram nessa descrição são o ministro licenciado da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa, o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.

Esses, porém, teriam pouca liberdade para mandar nos rumos da economia. Outro caminho seria colocar na Fazenda um nome que por si só inspire a confiança dos agentes econômicos. Nesse caso, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles é o nome mais citado. Mas Dilma nunca deu indicações de que o convidaria, embora essa pareça ser a preferência do ex-presidente Lula.

Enquanto isso, Guido Mantega virou uma alma penada depois que sua demissão da Fazenda foi anunciada, mas não efetivada. A piadinha da oposição é que Dilma é presidente, mas não tem ministro da Fazenda, e Aécio, que ainda é candidato, já tem — ele anunciou o nome de Armínio Fraga, sócio da gestora Gávea Investimentos.

O mais intrigante é que, em uma reunião que durou 4 horas com entidades do varejo, no dia 2 de outubro, em São Paulo, Mantega deixou os presentes com uma pulga atrás da orelha ao se despedir dizendo que participará do próximo encontro, a ser realizado em 2015.

“Todos ficaram se perguntando se haveria alguma chance de ele ficar no cargo ou ir para outra função na equipe econômica”, diz um empresário que estava no evento. A hipótese, porém, parece improvável.

“Mantega, hoje, é parte do problema”, diz o mexicano Aldo Musacchio, professor da Universidade Harvard e um dos autores do livro Reinventando o Capitalismo de Estado, sobre o intervencionismo do governo brasileiro. “O mercado está penalizando o Brasil. Estive com investidores em Londres e eles dizem que estão vendendo suas ações de empresas públicas brasileiras por medo de uma reeleição de Dilma.” 

Quem está na campanha sabe que Dilma precisa resgatar o elo com o setor privado. E até tenta fazer sinalizações do que acontecerá no ano que vem. “Vai haver realinhamento dos preços administrados e a capacidade de investimento público vai diminuir devido ao ajuste fiscal”, diz um dos principais colaboradores da campanha de Dilma.

“Vamos apostar na política de concessões para atrair o capital privado e evitar uma queda do investimento na economia.” Mas a campanha ganhou uma dinâmica infeliz: para sufocar a candidatura de Marina Silva, Dilma combateu publicamente a tese de independência do Banco Central com um discurso que desafia a liberdade da autoridade monetária para cumprir a meta de inflação.

Sabemos que a inflação pune os mais pobres. Mas, na retórica de Dilma — ou seria do marqueteiro João Santana? —, dar liberdade ao BC “reduz o emprego e os salários”. Cabe a pergunta: depois de tanta paixão apregoada sobre o controle do BC, qual pode ser a expectativa em relação ao combate à inflação?

Sabe-se que as expectativas de inflação futura elevam os preços no presente. É como uma profecia que se autorrealiza. “Um Banco Central sem autonomia passa uma mensagem ao mercado de que a inflação será mais alta”, diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. Ou seja, Dilma acabou criando uma “herança maldita” para si mesma em caso de reeleição.

O posicionamento dos investidores em favor de um ou outro candidato tem sido uma tendência nos mercados emergentes nos últimos anos. Dois casos ajudam a entender como o investidor internacional prevê o que pode ocorrer no Brasil após a eleição. Na Turquia, Recep Erdogan ocupou o cargo de primeiro-ministro por 12 anos. Ele tinha inicialmente uma política pró-mercado e promoveu avanços na economia turca.

O PIB per capita triplicou em dez anos. Recentemente, porém, Erdogan começou a pressionar o Banco Central a reduzir os juros quando os próprios diretores achavam que isso seria um risco — qualquer semelhança com o Brasil é mera coincidência... Ele também evita cortar gastos que parecem crescer descontroladamente, como os dedicados à saúde.

A agenda reformista de que a Turquia precisa está engavetada. Atualmente, a inflação no país anda acima de 10% e em viés de alta. Erdogan tornou-se presidente do país em agosto, na primeira eleição direta para o cargo. Mas o país já sente o baque dos desvios em relação à racionalidade econômica.

Já a Índia enfrentava desgaste parecido com o ex-primeiro-ministro Manmohan Singh, que ficou 11 anos no cargo. Auxiliares próximos a Singh foram envolvidos em escândalos de corrupção, e a desaceleração do crescimento minou a credibilidade de seu time econômico. A perda do grau de investimento era um risco iminente.

Os indianos reconheceram a necessidade de renovação e elegeram Narendra Modi para o lugar de ­Singh em maio deste ano. Modi chegou ao poder com apoio total de investidores porque prometia reformas que abrissem mais a economia indiana ao capital privado.

“A Índia está vendo uma volta ao crescimento robusto apesar de controlar mais as contas, mostrando que ajustes bem-feitos não afetam negativamente o crescimento”, diz Tony Volpon, chefe de pesquisas para mercados emergentes da Nomura Securities, em Nova York. 

Um novo congresso

Por aqui, a empolgação da iniciativa privada com a oposição cresceu com o fato de ser Aécio, e não Marina, o candidato a disputar o segundo turno com Dilma. Havia uma grande preocupação de que a candidata do PSB não conseguisse construir uma base de sustentação coesa no Congresso e que isso imobilizasse seu eventual governo. Ninguém teme tal cenário com uma vitória tucana.

“Nem Aécio nem Dilma terão dificuldade em formar maioria no Congresso”, afirma o deputado reeleito Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara e pré-candidato à presidência da Casa no ano que vem. “A fragmentação das bancadas pelo surgimento de novos partidos só vai dar mais trabalho para que o próximo presidente negocie seus projetos.”

O ideal, portanto, seria alguém com boa capacidade de articulação. Além disso, o ­PSDB e o PSB, que podem vir a governar juntos numa vitória de Aécio, foram os únicos grandes partidos que não perderam assentos na Câmara dos Deputados. PT, PMDB e PSD diminuíram de tamanho. Mas, em um e outro caso, haverá plenas condições de aprovar medidas no Parlamento.

No caso de Aécio, sua base de apoio contaria com mais de 200 deputados, mas a ela podem se somar outros 200. Ou seja, há margem até para projetos que alterem a Constituição (o que exige 308 votos). No caso de Dilma, sua base inicial é de cerca de 250 deputados, mas ela pode chegar a 350. 

Embora o resultado final seja imprevisível, as eleições presidenciais de 2014 serão apertadas — mesmo que vença, Dilma deverá ser menos votada neste segundo turno do que foi em 2010. Isso mostra a força da democracia brasileira. Muitos eleitores contestam o projeto de hegemonia do PT e dão o recado da insatisfação com o rumo da economia.

O risco de repetir a radicalização de vizinhos como a Venezuela e a Argentina é cada vez menor. Manter-se no poder apenas com o apoio em programas assistencialistas não será possível. E a oposição, se eleita, terá de mostrar que está atenta também às reivindicações sociais.

Resumo da ópera: nos próximos anos, teremos um governo com apoio no Congresso e uma oposição atuante, como exigem as democracias fortes. Em poucos dias saberemos quem es­tará em qual papel.

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