Revista Exame

“O mercado financeiro faz mal à saúde”, afirma Alexandra Michel

A professora da Universidade da Carolina do Sul diz que a carga horária nos bancos de investimento provoca doenças, mata a criatividade e afeta a qualidade

Alexandra Michel, professora da Universidade da Carolina do Sul: “Para os bancos, a saída tem sido contratar gente mais jovem — um paliativo” (Chris Waters/EXAME.com)

Alexandra Michel, professora da Universidade da Carolina do Sul: “Para os bancos, a saída tem sido contratar gente mais jovem — um paliativo” (Chris Waters/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 30 de março de 2012 às 14h06.

São Paulo - A alemã Alexandra Michel começou a carreira no Goldman Sachs, em Nova York, em 1992. Quatro anos depois, optou pela vida acadêmica. Como professora de negócios da Universidade da Carolina do Sul, usou seus contatos no setor financeiro para fazer uma pesquisa de dez anos sobre a saúde de funcionários de bancos de investimento.

Alexandra descobriu que, devido ao volume de trabalho, muitos banqueiros adoecem e, com o passar dos anos, são demitidos. Com a saída dos mais velhos, quem mais perde são os clientes, obrigados a lidar com profissionais pouco experientes.

1) EXAME - O mercado financeiro faz mal à saúde?

Sim. Selecionei um grupo de executivos de dois bancos de investimento e mantive contato constante com eles por dez anos. A partir do quarto ano, todos tinham problemas de saúde decorrentes do estresse, como insônia e alcoolismo. E diziam que eram questões graves o suficiente para afetar o desempenho. A causa é a pesada carga horária. 

2) EXAME - De que forma o desempenho era afetado?

Em várias áreas dos bancos de investimento, nos Estados Unidos, no Brasil e em outros países, os profissionais precisam usar a criatividade para encontrar soluções que satisfaçam clientes com diferentes demandas.

Pessoas que não estejam saudáveis dificilmente serão criativas. Qualquer um que trabalhe 100 horas por semana sabe que é muito difícil formular, rapidamente, um projeto complexo. 

3) EXAME - Parte dos bancos já percebeu isso?

Percebeu, sim. Nos Estados Unidos, alguns adotaram medidas para que seus executivos tenham mais tempo livre. Passaram a oferecer refeições no local de trabalho e serviços de transporte.

O curioso é que, em vários casos, o resultado atingido foi justamente o contrário do que se pretendia. Esses profissionais acabaram trabalhando ainda mais na hora do almoço e no percurso da casa para o trabalho. 

4) EXAME - Por que isso acontece?

Principalmente porque nos bancos há uma cultura que valoriza o trabalho em excesso. É quase impossível alguém chegar ao trabalho e dizer: “Dormi 8 horas esta noite”. Ou sair mais cedo para praticar um esporte.

Por que é assim? É comum os bancos manterem equipes pequenas. Argumentam que, num setor cheio de altos e baixos, é a maneira mais eficiente de gerenciar o negócio. Dessa forma, evitam ficar com equipes inchadas nas épocas de baixa.  

5) EXAME - Como lidam com a falta de criatividade?

Os bancos contratam gente jovem, sangue novo para revitalizar o ambiente. Por isso, a idade média em várias instituições não passa de 35 anos. 

6) EXAME - Ou seja, o mercado já encontrou uma saída?

Em parte. Os bancos podem até manter a criatividade em alta, mas jogam fora profissionais experientes, o que afeta  a qualidade final do trabalho. Quem já contratou um banco de investimento sabe do que estou falando. Se os bancos permitissem a redução da carga horária, teriam as duas coisas: banqueiros criativos e experientes.

7) EXAME - A senhora acha que um dia esse será o padrão?

Espero que sim. A atual crise mundial criou uma ótima oportunidade para todos reverem práticas que estavam automatizadas. A lógica de funcionamento dos bancos de investimento é uma das que precisam ser melhoradas.

Acompanhe tudo sobre:BancosEdição 1011EntrevistasFinançasgestao-de-negocios

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda