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O mercado de commodities virou inferno para uns, céu para outros

O mercado de commodities vive um paradoxo. Está ótimo para a economia brasileira, mas péssimo para os gestores de fundos que investem nesse setor

Lavoura de soja 
em Mato Grosso: 
as incertezas mudaram 
o mercado (JC Patricio/Getty Images)

Lavoura de soja em Mato Grosso: as incertezas mudaram o mercado (JC Patricio/Getty Images)

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Patrícia Valle

Publicado em 24 de agosto de 2017 às 05h31.

Última atualização em 24 de agosto de 2017 às 09h17.

São Paulo – O ciclo de alta nos preços das commodities na década passada produziu milionários, ditadores e um deus. Depois de anos acertando o comportamento dos preços do petróleo — e de ter ganhado 100 milhões de dólares em bônus apenas em 2008, em plena crise financeira mundial, ao apostar corretamente na alta da cotação —, o gestor britânico Andy Hall passou a ser chamado por seus colegas de “deus do mercado”. Mas esse deus não era tão onisciente assim: quando o barril caiu para 40 dólares em 2015, Hall achou que estava baixo demais e que voltaria a subir.

O petróleo, de fato, valorizou, mas muito menos do que ele imaginava. O barril custa cerca de 50 dólares hoje, e nenhum analista acredita que voltará tão cedo ao recorde de quase 150 dólares atingido em 2008. Hall passou a perder muito dinheiro. Neste ano, depois de seu fundo acumular um prejuízo de quase 30%, ele resolveu fechá-lo e sair do mercado. Sua gestora, a Astenbeck Capital, tinha um patrimônio de 1,4 bilhão de dólares.

Na carta de despedida aos clientes, Hall disse que, pela primeira vez desde que começou a operar no mercado de petróleo, na década de 80, achava que os preços parariam de subir e que seria impossível ganhar dinheiro. “Devemos basear nossas decisões em análises racionais, e essas análises me levam a concluir que, pelo menos por ora, está difícil arriscar recursos com tanta convicção como no passado”, escreveu o gestor.

Não está difícil apenas para ele. Muitos fundos especializados em investir em commodities têm contabilizado prejuízos. Em média, esses fundos perderam 32% nos últimos cinco anos, segundo dados da empresa de informações financeiras Morningstar. Os fundos de hedge que investem em commodities perderam 2% nos últimos 12 meses, de acordo com a consultoria Preqin. Em 2014, a rentabilidade ficou em 11%.

O que está complicando a vida dos gestores não é apenas a queda dos preços — afinal, eles podem montar estratégias nos mercados futuros para tentar lucrar também com a baixa dos preços. Os gestores estão sentindo os efeitos de uma mudança estrutural no mercado de commodities que, se é ruim para quem investe nesse segmento, é positiva para a economia mundial — e para os países produtores desses bens, como o Brasil.

A principal mudança é o fato de o mercado estar menos volátil. Segundo um levantamento do banco JP Morgan, nos últimos dez anos a volatilidade média desse setor foi de 16% — o que significa que a diferença entre os preços máximos e os mínimos ficou em torno desse percentual.  Em 2017, ficou em 10%. Nesse cenário é difícil os gestores de fundos, que se acostumaram a ganhar dinheiro com os altos e baixos do mercado, terem bons resultados e recuperarem perdas do passado.

Já para os países produtores de commodities a menor oscilação de preços é uma vantagem, porque permite que empresas e governos se planejem com mais consistência. “Uma das razões que têm levado os investidores estrangeiros a voltar a investir em países como o Brasil, com perspectiva de longo prazo, é o preço das commodities estarem mais previsíveis”, diz Gabriela Santos, estrategista-chefe do JP Morgan.

Uma explicação para a queda da volatilidade é o comportamento da economia da China. O país importa 77% da produção mundial de minério de ferro, além de boa parte da produção agrícola (70% de toda a soja destinada à exportação no mundo vai para lá, por exemplo). O crescimento do PIB chinês ficou em 6,7% no ano passado, bem menos do que os 14% de 2007. Isso provocou uma forte desvalorização das commodities, mas, como a desaceleração chinesa está ocorrendo de forma controlada (pelo menos até agora), os preços se estabilizaram, e os analistas não esperam grandes sobressaltos no curto prazo.

- (Adaptação: Rodrigo Sanches/Exame)

No caso do mercado de petróleo, a redução da volatilidade se deve ao crescimento da produção de gás e de petróleo de xisto nos Estados Unidos. A capacidade de geração de energia é gigantesca, cerca de 4,4 milhões de barris por dia, ou quase metade da produção total de petróleo dos Estados Unidos. Quando o preço do petróleo sobe, as empresas americanas de xisto produzem mais, o que derruba novamente os preços.

Isso tirou da Opep, organização dos principais países produtores de petróleo, boa parte da capacidade de controlar os preços do barril, como fazia no passado. Com essas duas forças atuando, a volatilidade diminuiu. “Esse cenário colocou um teto nos preços do petróleo”, diz Sandy Fielden, diretor de análise de commodities e energia da Morningstar. Preços mais baixos e estáveis também favorecem a recuperação da economia mundial, já que o petróleo serve de insumo para indústrias.

Um risco para o mercado de commodities é o futuro da economia da China. “O país não tem dados transparentes e não informa com clareza sua estratégia”, afirma Tereza Fernandes, sócia da consultoria MB Associados. “Não parece que a China precise manter grandes estoques de minério de ferro, porque está fazendo menos obras, mas continua importando esse produto. É possível que a lógica não seja econômica, e isso gera uma grande incerteza.”

Para as empresas produtoras de commodities, o desafio é obter lucro num cenário de preços mais baixos. A maioria dos analistas acredita que os preços das commodities já bateram no fundo do poço e voltarão a subir, mas de forma gradual, e dificilmente chegarão aos patamares recorde do início da década. Os motivos são a recuperação ainda lenta da economia mundial e o desenvolvimento tecnológico.

Nesse cenário, as companhias precisam se tornar mais eficientes para continuar lucrativas. A mineradora brasileira Vale leva vantagem por ter o menor custo de produção de minério de ferro do mundo, segundo os especialistas. A Petrobras, sob o comando de Pedro Parente, está fazendo mudanças para se tornar mais competitiva. O agronegócio brasileiro é um dos mais produtivos do mundo — o problema é a falta de infraestrutura para armazenar e escoar a produção.

“Se o Brasil não modernizar sua infraestrutura, poderá perder relevância como um dos principais exportadores agrícolas do mundo”, diz Paula Yamaguti, economista do banco Itaú. Segundo ela, o custo de transporte faz com que, em estados do Norte e do Nordeste do país, seja mais barato importar etanol dos Estados Unidos do que trazê-lo das regiões Sul e Sudeste. Não dá para contar com “deus”, que já desistiu desse mercado. Para ganhar dinheiro com commodities agora, é preciso esforço.

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