Revista Exame

O McDonald’s das estradas e seus misteriosos donos

Os irmãos portugueses que fundaram a Rede Graal trouxeram para o Brasil o conceito de postos de serviços e, discretamente, construíram um império


	Negócios: os irmãos Alves têm participação em diversos restaurantes. Estima-se que o grupo fature 1,6 bilhão de reais
 (Leandro Fonseca/Exame)

Negócios: os irmãos Alves têm participação em diversos restaurantes. Estima-se que o grupo fature 1,6 bilhão de reais (Leandro Fonseca/Exame)

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Da Redação

Publicado em 29 de fevereiro de 2016 às 05h56.

São Paulo — Depois de dirigir por algumas horas em uma estrada pelo Brasil, a maioria dos motoristas vai ansiar por pelo menos uma das seguintes coisas: um posto para abastecer o carro sem receio da procedência do combustível, um banheiro de onde saia vivo e um restaurante onde possa comer sem muito medo de precisar parar em outro banheiro alguns quilômetros adiante.

Em muitos rincões do país, não é fácil encontrar estabelecimentos que ofereçam essas comodidades. Nas principais regiões, porém, aos poucos foi se tornando possível pegar uma estrada sem suar frio na hora da parada. Não há quem rode pelo Sudeste do Brasil sem que conheça a quase onipresente rede de postos Graal, a primeira a se estabelecer como uma espécie de “McDonald’s das estradas”.

Mas pouca gente sabe quem são os empresários por trás da marca. Ainda menos gente sabe que o Graal é apenas um dos negócios de um dos maiores impérios gastronômicos do Brasil. A rede Graal foi fundada pelos irmãos Antônio e Manuel Alves, imigrantes portugueses que se instalaram em São Paulo na década de 40 e, assim como muitos conterrâneos, começaram no ramo de padarias.

Nos anos 70, em uma viagem à Europa, eles conheceram o conceito de grandes postos de serviços nas autoestradas, algo inexistente no Brasil da época. Trouxeram a ideia para cá e inauguraram em 1974, no quilômetro 461 da rodovia Régis Bittencourt, o primeiro posto, batizado de Graal. Numa raríssima aparição pública, Manuel disse que o nome era uma referência à lenda do Santo Graal.

Mas a história não colou e, como ninguém conhece os irmãos Alves, surgiu uma série de lendas a respeito da origem do grupo. A mais famosa delas é a de que o apresentador Gugu Liberato é o dono da coisa toda — e Graal seria o acrônimo de Grupo Antônio Augusto Liberato (Gugu é, de fato, sócio de um dos postos, mas é só).

Atualmente, a Rede Graal é a líder de mercado, com 46 postos-restaurantes espalhados por São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Com o dinheiro que vem das estradas, os irmãos Alves diversificaram os negócios, investindo também em restaurantes urbanos. Estima-se que, juntos, esses negócios gerem uma receita de 1,6 bilhão de reais por ano — 800 milhões só com o Graal.

A expansão

Pouco se conhece sobre o que pensam os irmãos Antônio e Manuel sobre os negócios (avessos a publicidade, eles recusaram os pedidos de entrevista para esta reportagem). O que se sabe é que a dupla conseguiu expandir a rede de postos-restaurantes à medida que foi crescendo o movimento nas estradas brasileiras. A rede de relacionamentos foi fundamental.

Os irmãos fizeram parcerias com empresas de ônibus para que seus postos se tornassem pontos de parada do itinerário, garantindo um fluxo contínuo de clientes. “Em todos os itinerários onde há um posto da Rede Graal, esse é nosso ponto de parada”, diz Marcelo Antunes, sócio-diretor da JCA, empresa de ônibus dona das marcas 1001, Cometa, Catarinense e Expresso do Sul.

“Nossa relação foi construída na época do meu avô, fundador da empresa, e permanece até hoje.” Além de atrair empresas de ônibus e seus passageiros, os irmãos Alves miraram o público de maior renda. Para chamar a atenção, construíram postos temáticos, como o Graal Kafé, no município paulista de Santa Cruz do Rio Pardo, cuja decoração remete ao período áureo da lavoura de café em São Paulo.

Depois criaram outros postos temáticos, como o Graal Holandês e o Graal Alemão. “Com esses postos, eles conseguiram evoluir da ideia de posto de beira de estrada para uma parada mais sofisticada e de lazer”, diz o consultor Enzo Donna, da ECD Food Service. Para expandir a rede, os irmãos Alves, desde o início, apostaram em parcerias.

Cada posto tem pelo menos um sócio minoritário, que toca a operação seguindo um padrão estipulado por eles. Muitos sócios são da família ou ex-funcionários, mas há também investidores. Ao todo, estima-se que Antônio e Manuel tenham mais de 100 sócios nos diferentes negócios.

Para garantir um padrão mínimo de atendimento, os empresários acompanham de perto o dia a dia dos negócios, principalmente Antônio, o irmão mais velho. Segundo um dos sócios, Antônio é o responsável por fiscalizar os postos e os restaurantes, enquanto Manuel fica na retaguarda, cuidando da área administrativa.

Ser líder do mercado de postos-restaurantes rodoviários já daria trabalho e dinheiro suficiente para a família, mas os irmãos não quiseram ficar apenas no Graal. Em 1984, Antônio e Manuel, com outros sócios, compraram a Choperia Pinguim, uma das mais tradicionais do país, fundada nos anos 30 em Ribeirão Preto, no interior paulista.

Os sócios expandiram a choperia para Brasília e Belo Horizonte, mas, no início deste ano, fecharam uma das três unidades de Ribeirão Preto por causa do baixo movimento. Mas as investidas de Antônio e Manuel na área de restaurantes, em geral, têm dado bons resultados. Em 1990, decidiram montar em São Paulo uma churrascaria de alto padrão, o Barbacoa.

A iniciativa logo se expandiu com a abertura de uma churrascaria em Tóquio em 1994. Hoje, a rede Barbacoa tem seis restaurantes no Brasil, oito no Japão e um na Itália. Os irmãos ainda tiveram fôlego para criar o Badaró, restaurante de culinária paulista, o Rancho 53 e o Rancho Português, especializados na culinária portuguesa.

Antônio e Manuel têm também participação na rede de hamburguerias América, no sofisticado restaurante de comida italiana Due Cuochi e no tradicional Gato que Ri, também de comida italiana. Com um modelo de negócios tão diversificado e com tantos sócios, ninguém sabe o que acontecerá quando Antônio e Manuel, ambos beirando os 80 anos, não puderem mais tocar pessoalmente o dia a dia dos negócios.

Nos últimos anos, a Rede Graal foi buscar executivos no mercado para profissionalizar sua gestão, mas tudo continua muito concentrado nas mãos dos dois irmãos. Essa incipiente transição para uma administração profissional ocorre num momento de aumento da concorrência.

Até agora a Rede Graal tinha apenas um grande competidor, o Frango Assado, rede que tem 29 postos e é administrada desde 2008 pela International Meal Company (IMC), dona também dos restaurantes Viena e controlada pelo fundo americano Advent. Mas há outros interessados em disputar esse mercado.

A Raízen, gigante de energia criada pela anglo-holandesa Shell e pela brasileira Cosan, fez uma parceria com a empresa brasileira de alimentação Sapore para lançar uma rede de postos de gasolina e conve­niência com restaurante. O grupo abriu a primeira unidade em 2015, na rodovia Régis Bittencourt, e tem planos de chegar a cerca de 100 pontos até 2019.

A distribuidora Ipiranga também inaugurou uma unidade com esse conceito na rodovia Presidente Dutra. “As empresas de combustíveis querem diversificar seus produtos e serviços”, diz Claudio Tomanini, professor da Fundação Getulio Vargas.

“E, com certeza, serão fortes competidores.” É aquela velha regra do capitalismo, que vale para qualquer pioneiro que faz sucesso e é logo copiado por todo mundo: ninguém anda sozinho numa estrada muito boa por muito tempo.

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