Revista Exame

O mascate da Johnson

Como um ex-executivo da Souza Cruz conseguiu dobrar as vendas da operação brasileira da J&J em milhares de pequenos e médios varejistas espalhados pelo país

Siqueira, diretor comecial da J & J: três meses visitando varejistas do Pará ao Rio Grande do Sul (Germano Lüders/EXAME.com)

Siqueira, diretor comecial da J & J: três meses visitando varejistas do Pará ao Rio Grande do Sul (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Para os executivos da fabricante de bens de consumo Johnson & Johnson, até pouco tempo atrás a cidade de Santarém, no Pará, existia apenas nas estatísticas de vendas. Distantes quase 4 000 quilômetros da sede da companhia, na zona oeste de São Paulo, as centenas de pequenas lojas e farmácias de Santarém que colocavam os produtos da marca na prateleira sempre foram atendidas por atacadistas ou por distribuidores locais, responsáveis por visitá-las e fechar os pedidos.

Essa distância, porém, encurtou nos últimos meses. Graças a uma reestruturação radical no modelo de vendas da companhia, iniciada em 2008, os comerciantes de Santarém e de outros municípios do Pará passaram a comprar diretamente de um funcionário da Johnson & Johnson baseado em Recife. Trata-se de uma mudança que aconteceu em todo o país, afetando cerca de 10 000 lojas de 150 pequenos e médios varejistas, e que ajudou a acelerar as vendas em todas as regiões. Neste ano, a divisão de consumo da subsidiária brasileira da J&J deve crescer cerca de 15%. (O faturamento total da empresa no Brasil foi de 1,3 bilhão de dólares em 2009.) "Esse é o caminho para nos aproximarmos mais da massa de clientes da classe C", diz Carlos Siqueira, diretor comercial da Johnson & Johnson no Brasil e responsável pela reorganização.

Assim que assumiu o cargo, em julho de 2008, Siqueira recebeu uma missão da presidente da divisão de consumo da J&J no país, a paulista Suzan Rivetti: peregrinar por dezenas de cidades brasileiras para descobrir como os cerca de 600 produtos da marca estavam (ou, em alguns casos, não estavam) chegando ao consumidor. Num levantamento prévio, Suzan havia identificado, por exemplo, que em muitas farmácias não havia todos os produtos do portfólio indicado pela J&J para esse tipo de loja. "Estava claro que precisávamos reorganizar nossa estrutura de vendas", diz Suzan. Egresso da Souza Cruz, empresa com grande tradição em distribuição direta e onde trabalhou por duas décadas, Siqueira passou os três meses seguintes visitando lojistas do Pará ao Rio Grande do Sul. Depois da peregrinação, ele deu a Suzan seu diagnóstico: para resolver o problema era preciso se aproximar e começar a vender diretamente para milhares de pequenos e médios varejistas.

Assumir essa distribuição exigiu uma mudança completa na estrutura comercial da J&J, até então uma área coordenada por três gerentes baseados na sede da companhia, em São Paulo. Em janeiro de 2009, quatro unidades de negócios regionais entraram em operação - em Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Cada escritório tem um diretor e uma equipe de 12 a 20 funcionários de apoio, além do grupo de vendedores - um time que foi ampliado em 30% e hoje reúne 170 profissionais no país. A remuneração de cada vendedor passou a variar não apenas segundo o volume de vendas (como era praxe) mas também de acordo com quesitos como mix de produtos por loja e rapidez do giro na prateleira.


Paralelamente, a J&J teve de padronizar as políticas de descontos oferecidos aos clientes - antes negociadas caso a caso. O objetivo da medida era evitar uma situação de concorrência interna, em que distribuidores e a própria J&J se digladiassem para conquistar clientes oferecendo o menor preço. Para convencer os varejistas de que deixar o tradicional intermediário era uma boa ideia, a J&J passou a oferecer a perspectiva de ganho mútuo. Em vez de negociar apenas descontos, os vendedores da empresa passaram a acenar também com serviços - de uma espécie de consultoria para o planejamento de estoque a táticas para atrair clientes. Em junho, por exemplo, a unidade de Recife planejou a decoração de lojas em São Luís, no Maranhão, e até a contratação de uma banda de xote durante as festas de São João. "Todo mundo teve de aprender a fazer mais do que simplesmente vender", diz Siqueira.

Conflito

Diminuir a força dos intermediários, como fez a J&J, é uma estratégia que pode trazer um bocado de dor de cabeça. O caso envolvendo a fabricante de bebidas AmBev é um dos melhores exemplos do tipo de tensão que essa decisão pode gerar. Em 1997, ainda antes da compra da Antarctica, a Brahma colocou em prática o chamado Projeto Forró, que culminou no fim de contratos com distribuidores exclusivos. Até hoje alguns desses distribuidores reclamam na Justiça o direito de receber indenizações (a AmBev afirma que já fez alguns pagamentos ao longo dos anos, mas não revela quanto). Pelo menos até agora, no caso da Johnson não houve embates tão violentos. Na baiana Coutrim, que distribui para as principais redes regionais e pequenos varejistas do estado, em abril cinco de seus clientes passaram a ser atendidos diretamente pela J&J. Juntos, eles representavam para a distribuidora vendas de 400 000 reais por mês. "Como fomos avisados com antecedência e recebemos uma indenização pelo fim do contrato, não houve problema", afirma Renivaldo Costa, diretor comercial da Coutrim.

A expansão do projeto é prioridade para a subsidiária. Segundo Siqueira, apenas nas farmácias, canal de maior crescimento de vendas de produtos de higiene e beleza, a J&J prevê ampliar sua base de clientes diretos dos atuais 7 000 para 11 000 pontos de venda até o fim de 2011. O mesmo caminho vem sendo seguido por concorrentes como Procter&Gamble e Kimberly-Clark. "A corrida pelos pequenos significa aproximar- se do modelo de varejo que mais cresce no país hoje", afirma Rafael D'Andrea, professor de marketing do Insper.

Entre janeiro e setembro deste ano, as vendas em supermercados pequenos cresceram 10% em relação ao mesmo período de 2009. Os hipermercados recuaram 7% no mesmo intervalo, segundo o instituto de pesquisa Nielsen. Os resultados da J&J mostram essa tendência. Nos pontos de venda hoje atendidos diretamente, a taxa de crescimento da companhia é duas vezes maior do que nas lojas abastecidas por distribuidores. "Agora recebemos visitas toda semana", diz Glauco de Arruda Moura, diretor de compras da rede de Drogarias Rosário, com 90 unidades na Região Centro-Oeste do país. "Assim sabemos de novos produtos com mais agilidade. Antes demorava um mês até que os lançamentos da marca chegassem aqui", afirma ele.
 

Acompanhe tudo sobre:Edição 0979EmpresasEmpresas americanasExecutivosIndústriaIndústrias em geralJohnson & Johnson

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda