Revista Exame

O mapa-mundi da corrupção

Um levantamento mostra quais os países em que as empresas são mais propensas a dar propina para fechar negócios

O ativista indiano Anna Hazare: milhões de indianos apoiam sua cruzada anticorrupção (Prakash Singh/AFP Photo)

O ativista indiano Anna Hazare: milhões de indianos apoiam sua cruzada anticorrupção (Prakash Singh/AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2011 às 05h00.

Londres - É mais fácil acabar com o câncer do que com a corrupção, uma vez que não existe cura para a ganância dos homens. Mas isso não quer dizer que a humanidade deva resignar-se diante do imortal exército de corruptos de toda espécie esparramados pelo mundo.

Uma maneira eficaz de mitigar ao menos a corrupção é estudá-la, medi-la, compará-la — e finalmente publicá-la. É o que faz a Transparência Internacional, ou simplesmente TI, uma ONG com sede em Berlim. Fundada em 1993 pelo alemão Peter Eigen, um ex-diretor do Banco Mundial, a TI tem braços em 70 países.

Em sua mais recente operação, a TI investigou o grau de corrupção em 28 países. O foco foi o universo corporativo: quanto as empresas aceitam pagar em propina para fazer negócios no exterior.

Tabulados os resultados, foi montada uma lista que permite às pessoas ter uma ideia mais precisa da cultura empresarial ao redor do mundo, sugerindo ainda quanto cada país oferece — ou não — vida fácil aos espertalhões que florescem nas sombras malcheirosas das propinas.

Não foi surpresa ver quem está no topo da corrupção: as empresas russas. Com o colapso do comunismo, no final da década de 80, a Rússia virou uma terra sem lei.

Pessoas saídas da KGB, a temida polícia secreta soviética, amealharam fortunas em tempo recorde em privatizações em que o interesse público era mera fantasia. Também não chegou a provocar perplexidade quem vem logo depois dos russos: os chineses. 

Com a liberalização da economia nas últimas décadas, da qual resultou uma exótica mistura de comunismo e capitalismo, a China tem visto crescer substancialmente o número de milionários e bilionários. Essa é a boa notícia. A má é que muitas vezes o dinheiro vem de expedientes heterodoxos.  

Um recente editorial de um jornal chinês controlado pelo governo disse que o combate à corrupção é uma das prioridades do país. Enriquecer, sim — mas não a qualquer preço.  

O que se passa ali hoje está espelhado numa revista que publica a cada ano a lista das pessoas mais ricas da China. Alguns dos milionários de edições antigas saíram, com rapidez, da lista para a cadeia.

Copo cheio ou vazio?

O Brasil não está mal no levantamento da TI, mas também é um exagero dizer que está bem. É aquele tipo de situação em que não cabe comemoração nem choro, e sim trabalho para chegar mais perto dos líderes em transparência.


O Brasil ficou na 14ª colocação, uma à frente da tumultuada Itália. (Isso quer dizer que a famosa Operação Mãos Limpas, que durante muito tempo foi tratada como referência mundial no combate à corrupção, não fez uma limpeza tão boa assim.)

A faxina que a presidente Dilma Rousseff vem fazendo permite dois olhares, um otimista e outro nem tanto. O primeiro sugere que o Brasil tende a avançar em transparência. O segundo faz com que você se pergunte como Dilma pôde se cercar de tantos espertalhões.

Entre os países emergentes, o Brasil é o que aparece melhor no trabalho da TI. Mas de novo: isso não significa muita coisa, dada a situação precária dos demais emergentes. Na Índia, há um cansaço tão generalizado com a corrupção que um seguidor de Gandhi, Anna Hazare, se tornou uma celebridade nacional ao fazer greve de fome para que o governo aprove leis duras anticorrupção.

Os indianos pagam propina quase sempre quando estão em busca de alguma coisa numa repartição pública. “O balconista num escritório em que você tira passaporte olha para a pessoa e diz: ‘Chai pani’ ”, escreveu recentemente um jornalista de Mumbai.

“Isso literalmente significa: ‘Você tem chá ou água?’. Mas na verdade o que o funcionário está dizendo é: ‘Que tal um dinheirinho para apressarmos as coisas?’ ”.

Esse dinheirinho pode ir — feitas as conversões — de 5 reais para garantir uma reserva de trem a 1 000 reais para pais que queiram colocar seu filho numa boa escola. Um site virou um fenômeno na Índia. Seu nome é autoexplicativo: http://www.ipaidabribe.com (pagueipropina.com, em português).

Nele, diariamente, indianos contam suas mazelas ao enfrentar os servidores públicos. O objetivo é, publicando copiosamente histórias de indignados, apressar uma mudança cultural que coíba a propina. É tão complexo o caso indiano que recentemente o braço direito de Hazare foi acusado de desviar dinheiro doado para o combate à corrupção.

No extremo oposto está a Holanda. A honestidade vai bem entre os holandeses, mas isso não quer dizer que não existam problemas. Dias atrás, o jornal De Volkstran, de Amsterdã, lamentou num editorial que os sentimentos dos holandeses tivessem perdido força nos últimos anos.  

O jornal citou a escalada do político de extrema direita Geert Wilders com sua campanha contra os imigrantes de origem islâmica. E se fixou num caso que está comovendo e dividindo os holandeses: o de um garoto angolano que enfrenta a perspectiva de ser deportado. Sua mãe o entregou a um casal holandês há dez anos para que ele fugisse da guerra civil no país.

Agora, ele fez 18 anos — e pela legislação holandesa deve voltar a Angola. Transparência, parece mostrar o episódio, não quer dizer generosidade — mas esta é outra discussão.

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