Revista Exame

Para Ilan Goldfajn, do BC, a parte mais difícil começa agora

Para Ilan Goldfajn, do Banco Central, o Brasil ainda precisa fazer o dever de casa para que os juros baixos e a inflação sob controle não sejam passageiros

Ilan Goldfajn: o país ainda precisa da reforma da Previdência  (Germano Lüders/Exame)

Ilan Goldfajn: o país ainda precisa da reforma da Previdência (Germano Lüders/Exame)

JR

José Roberto Caetano

Publicado em 29 de março de 2018 às 00h01.

Última atualização em 29 de março de 2018 às 09h41.

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, recebeu no dia 15 de março o prêmio Central Banker of the Year 2018, conferido pela publicação britânica The Banker, especializada em finanças e pertencente ao jornal Financial Times. O prêmio — pela primeira vez concedido a um brasileiro na categorial global — foi um reconhecimento ao trabalho realizado por Goldfajn em um país que, até recentemente, convivia com juros e inflação de dois dígitos. No comando do banco desde junho de 2016, Goldfajn considera que reduzir a inflação e os juros para as menores taxas históricas não foi tarefa simples, mas a parte mais complicada vem agora: “Manter é mais difícil ainda”. Os ganhos que o país pode obter se houver perseverança no bom caminho, porém, são enormes. “Vamos ter uma revolução no mercado de capitais e no crédito”, diz Goldfajn, que concedeu a EXAME, na sede paulista do Banco Central, a entrevista a seguir.

Qual balanço o senhor faz desse período de quase dois anos à frente do Banco Central?

Conjunturalmente, a economia está bem diferente. Quando cheguei ao banco em meados de 2016, estávamos em plena recessão. A inflação ainda estava em 9%, depois de ter chegado ao pico de 11%. Houve, de lá para cá, uma mudança de direção relevante. As políticas econômicas foram mais consistentes, com a implantação de uma agenda de reformas — a trabalhista, o teto de gastos, a reforma da educação, mudanças no setor de óleo e gás. Achava-se que a inflação ficaria alta por muito tempo. Mas ela foi caindo até que, no final do primeiro semestre de 2017, as expectativas para este ano já estavam muito perto da meta.

A velocidade da queda foi a esperada?

Não. Houve discussão quanto à manutenção da meta de inflação em 4,5% para 2017. Falava-se em subir a meta para 5,5%. Nós entendíamos que a meta era desafiadora, significava baixar a inflação de 9% para 4,5%. Mas era crível manter porque estava mudando a direção da política econômica e o mercado estava mais animado. E era um período que favorecia a queda da inflação. A oferta estava abundante, com demanda baixa, ociosidade e desemprego. É um cenário raro.

Agora estamos em condição de reduzir a meta de inflação?

As metas de 2019 e 2020 já foram decididas (4,25% e 4%, respectivamente). Agora estamos falando do ano de 2021. É óbvio que gostaríamos de continuar na tendência de inflação baixa, mas a velocidade tem de ser decidida em junho pelo Conselho Monetário Nacional.

Há uma meta de inflação que seria ideal perseguir?

Os países emergentes, como o Brasil, tendem a ter uma meta acima da adotada nas economias desenvolvidas. Emergente, quando é bem estável, deixa a meta de inflação em 3%. No longo prazo, quanto mais próximos ficarmos do restante do mundo, melhor para nós.

Quais são os desafios para manter a inflação controlada?

O Brasil ainda tem questões estruturais relevantes para resolver. Hoje temos um teto de gastos, que reconheço que precisa ser complementado, mas há uma percepção de que não é por meio de mais gastos que vamos resolver nossos problemas. Esse é um problema estrutural que está sendo tratado. Outra questão é que temos muita taxa de crédito subsidiada. É preciso o tempo todo apertar o freio porque tem todo o resto andando acelerado.

O que ainda é possível fazer no governo Temer?

Precisamos tentar consolidar o trabalho de manter a inflação e os juros baixos. Já aconteceu no passado de haver uma queda dos juros importante e eles voltarem a subir. Já tivemos momentos de inflação mais baixa que também voltou. A analogia que gosto de usar é a de alguém que fez uma boa redução de peso e agora tem a fase mais difícil, que é manter o peso para o resto da vida. É bem difícil. A queda não é fácil, mas ainda mais desafiadora é a manutenção.

Seção de frutas de um supermercado: a queda dos preços de alimentos ajudou a controlar a inflação | Germano Lüders

Quais devem ser os efeitos do juro mais baixo no mercado financeiro e na forma como se faz negócio no Brasil?

A situação atual, de juros e inflação baixos, se mantida por vários anos, vai transformar completamente o sistema financeiro, porque muda nossa necessidade de subsidiar taxas de juro, uma vez que não seremos mais o país das taxas mais altas. Isso muda o uso dos recursos públicos. Muitos dos subsídios cruzados e distorções acabariam. Podemos ter uma revolução no mercado de capitais, no crédito, que vai ser mais barato e terá de ser mais eficiente. Isso vai acontecer, com certeza. Muda também do lado do investidor. Ele tem de pensar: como faço para o dinheiro render o que rendia antes? Vai ter de fazer outra coisa da vida. Ou vai assumir mais risco, o que significa financiar projetos mais longos, financiar infraestrutura, investir no setor imobiliário, empreender, botar dinheiro na bolsa. Para o investidor, é uma mudança que não vi no Brasil nos últimos 30 anos. Isso tudo só ocorrerá se mantivermos a situação de inflação e juros baixos. Para isso, precisamos fazer a reforma da Previdência. A ideia de que não precisamos da reforma da Previdência significa perder o que conquistamos até aqui.

Qual é o risco de uma volta da inflação alta e reversão do status de juro mais baixo?

Qual o nosso cenário básico? A economia volta a se recuperar e, com isso, normalmente a inflação volta devagar a subir um pouco para uns 4%, na direção da meta. É o mais natural. Pode acontecer, devido à inércia formal dos preços, que tem a ver com o salário mínimo, e com uma inércia informal. Os salários são reajustados a cada 12 meses mesmo que não haja obrigação nenhuma. É assim que funciona também nos aluguéis. Quando a inflação é alta, é péssimo, porque é reproduzido o passado. Mas o mesmo acontece no sentido contrário. Temos de sempre calibrar, pode ser preciso subir um pouco a taxa de juro de novo. É como testar a temperatura de um chuveiro desconhecido, ora você pode gelar a mão, ora se queimar. Mas o objetivo não é só o futuro imediato, é perpetuar essa situação. Para isso, a economia brasileira ainda tem muito que fazer em termos de dever de casa. Não resolvemos os problemas completamente. Temos uma questão de despesa obrigatória crescendo. A dívida ainda está crescendo. Precisamos fechar o ciclo com a questão fiscal. Temos nos beneficiado do cenário internacional extremamente benigno, mas isso está começando a mudar.

Enquanto o Brasil está na linha de redução dos juros, os Estados Unidos começaram a subir as taxas. O que isso pode acarretar?

Significa que não podemos mais considerar o cenário tão benigno quanto é. Se os juros nos Estados Unidos subirem gradualmente, teremos tempo de tomar nossas atitudes, ver a economia se recuperar. Mas, se houver um susto, nossa vida vai se tornar mais difícil.

A Selic caiu bastante, mas os juros para o consumidor e para as empresas não caíram na mesma proporção. Por quê?

Os juros não caem na mesma proporção porque uma parte das taxas bancárias não tem a ver com a Selic, tem a ver com outros custos. Isso não significa que não devemos esperar que os juros caiam mais. Podemos trabalhar para que caiam mais rapidamente, trabalhar em outros componentes. Os depósitos compulsórios que os bancos têm de manter são muito altos e estamos trabalhando para reduzir.

Muita gente diz que falta concorrência entre os bancos no Brasil. Falta mesmo?

Não sei, mas não custa nada trabalhar para haver mais concorrência. Temos mais de 1.000 instituições bancárias, desde cooperativas, bancos pequenos, bancos médios. Temos incentivado a todos, reduzindo os custos regulatórios. Exijo menos e simplifico os processos. As cooperativas têm capacidade de oferecer taxas menores porque cobramos muito -menos delas. O mesmo acontece com os bancos pequenos e os médios. Vamos regulando o custo versus a complexidade existente, estimulando a competição.

A independência do Banco Central faria muita diferença ou o fato de o BC já operar de forma autônoma basta?

Tudo o que a gente faz no Banco Central é com uma autonomia de fato. Não definimos as metas, pois quem decide isso é o Conselho Monetário. Mas temos toda a liberdade de usar os instrumentos e a forma como atuamos para chegar a essas metas. Essa autonomia não deveria depender de pessoas, de quem ocupa o poder. Temos de criar instituições que dependam menos de pessoas e mais das regras. Em particular, temos uma incerteza maior quando há mudanças de governo. Por exemplo, sabe-se que as taxas de juro de mercado dão um pulo em período eleitoral porque se embute o prêmio de mudança. Em qualquer lugar do mundo, mudanças de -governo não ocorrem com mudanças do BC. Há mandatos fixos, não coincidentes. Isso dá tranquilidade nas transições.

Falou-se em seu nome para substituir Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. Esse cargo está nos seus planos?

Não. O trabalho que estou fazendo aqui está cheio de planos. O Banco Central pode atuar da melhor forma ao se manter neutro e apartidário, sem pensar em cargos ou candidaturas. Não pensar em nada disso hoje é o melhor a fazer. 

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