Revista Exame

O maior risco é a incerteza, diz presidente da DHL

Para Frank Appel, comandar uma empresa num cenário de instabilidade exige manter a atenção nos resultados e nas estratégias de longo prazo

Frank Appel, presidente do grupo DHL: “Não vejo retrocesso na globalização" (DHL/Divulgação)

Frank Appel, presidente do grupo DHL: “Não vejo retrocesso na globalização" (DHL/Divulgação)

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Rodrigo Caetano

Publicado em 19 de dezembro de 2019 às 05h34.

Última atualização em 19 de dezembro de 2019 às 10h18.

Aos primeiros sinais da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, os analistas passaram a monitorar de perto indicadores de seus impactos na economia. Para abastecer a demanda por informação, em janeiro de 2018 o grupo alemão de logística DHL lançou o Barômetro do Comércio Global, um índice baseado em dados da própria operação, a maior do mundo em segmentos como o de entrega expressa. Até novembro, o índice acumulava uma série consecutiva de quedas ao longo do ano.

Com 500  mil funcionários distribuídos em 220 países, a DHL também sente os efeitos da turbulência no comércio mundial. As receitas têm se mantido quase estagnadas. Em 2015, as vendas anuais do grupo somavam pouco mais de 59 bilhões de euros.

De lá para cá, o avanço foi pequeno. No ano passado, o faturamento chegou a 60 bilhões de euros. Há mais de dez anos como presidente mundial do grupo DHL, o alemão Frank Appel mantém o otimismo na crença de que as fronteiras continuarão a ser apagadas. Numa visita recente a São Paulo, Appel falou a EXAME.

O comércio global vem encolhendo. Até que ponto isso ameaça os resultados da DHL?

O maior risco é o cenário de incerteza. tanto no caso da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China como na indefinição sobre o Brexit. Sem clareza sobre o que virá, empresas adiam investimentos. Veremos a economia global desacelerar pelo fato de as companhias adiarem projetos, tanto na China quanto no Reino Unido. Se a China e os Estados Unidos decidirem que não gostam um do outro e instituírem mais taxações, o mercado vai se adaptar. A conta irá para os consumidores, porque alguém tem de pagá-la. Mas a dúvida, que gera a desaceleração, terá passado. Não vejo um retrocesso na globalização. Ao contrário. O Mercosul e a União Europeia acabaram de assinar um acordo, só falta ratificá-lo. Claramente, observamos que os países mais desenvolvidos são também os mais conectados ao comércio global. Singapura é o melhor exemplo disso. É um país sem recursos naturais, com pouca infraestrutura, sem educação, mas é um dos mais ricos, justamente por ser um dos mais conectados. Não conheço nenhum caso de protecionismo que seja bem-sucedido. Fechar-se para o mundo talvez traga benefícios no curto prazo. Mas, com o tempo, a chance de sucesso é zero.

Mesmo num cenário de desaquecimento, cresce a pressão por investimentos em tecnologia no setor de logística. Como lidar com esse dilema?

Sou um cientista. No período em que me tornei Ph.D. em neurobiologia, vi a revolução proporcionada pelo sequenciamento do DNA. Foram tempos emocionantes. Estamos vivenciando um momento como esse em nossa indústria. Se você for a uma montadora, verá um monte de robôs. Mas, em um de nossos depósitos ainda há, em grande parte, pessoas trabalhando manualmente. À medida que a tecnologia se tornar mais barata, nosso setor se transformará. Teremos robôs, drones, inteligência artificial, blockchain, e por aí vai. Custa muito dinheiro colocar esses projetos em funcionamento e nosso negócio tem margens pequenas, por isso não podíamos pensar em adotar essas tecnologias antes. Mas esse custo está baixando.

Manifestação contra o Brexit, em Londres: “Sem clareza, empresas adiam investimentos” | Yara Nardi/Reuters

As pessoas que hoje realizam esses trabalhos perderão o emprego?

Não. Existe o mito de que a digitalização destrói empregos. É um disparate. Não sou economista, mas entendo que há apenas duas maneiras de gerar crescimento econômico. Uma é ter mais gente fazendo o mesmo trabalho — só que o mundo não precisa de mais gente. Outra é ter a mesma quantidade de pessoas realizando mais trabalho. Isso se chama produtividade. Com a tecnologia, nosso setor vai ter mais produtividade, que resultará em crescimento econômico e, consequentemente, mais emprego. Desde a Revolução Industrial, o mundo nunca teve tantos empregos. O que a automação faz é liberar os trabalhadores de tarefas repetitivas e permitir que produzam mais em trabalhos mais relevantes.

O senhor está há uma década à frente da DHL, mais que o dobro do tempo médio de permanência de presidentes de empresas globais. Qual é o segredo?

Um líder não é como um técnico de futebol, que tem 90 minutos para ganhar o jogo. É preciso evoluir continuamente. Hoje, na DHL, estamos implementando a estratégia para 2025. Um dos pontos dessa estratégia é justamente investir 2 bilhões de euros em digitalização. Pensar no longo prazo atende a uma das três necessidades básicas dos seres humanos. Primeiro, queremos alguém para amar e formar uma família. Segundo, queremos ser relevantes para o mundo. E, por fim, queremos ter a expectativa de que amanhã será melhor do que hoje. Precisamos dar às pessoas uma perspectiva, por isso trabalhamos com planos de seis anos. Dessa forma, todos sabem aonde queremos chegar e qual é o papel de cada um no processo.

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