Revista Exame

2016 foi o ano do malabarismo empresarial no Brasil

Juntas, as 500 maiores empresas do país faturaram 809 bilhões de dólares em 2016, com queda de 8% em relação ao ano anterior

Obra da Camargo Corrêa: a empresa reduziu sua estrutura para sobreviver (Anna Carolina Negri/Valor/Folhapress/Exame)

Obra da Camargo Corrêa: a empresa reduziu sua estrutura para sobreviver (Anna Carolina Negri/Valor/Folhapress/Exame)

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Da Redação

Publicado em 10 de agosto de 2017 às 05h02.

Última atualização em 21 de junho de 2018 às 11h29.

Uma presidente — Dilma Rousseff — afastada do cargo por crime de responsabilidade fiscal, mas que, antes de sofrer impeachment, enfraquecida pela crise política e econômica, já não governava. Um sucessor — Michel Temer — que assumiu a Presidência com a promessa de acelerar as reformas para tirar o Brasil do atoleiro, mas que logo se enrolaria nos próprios problemas e também passaria a ser ameaçado de perder o cargo (esse risco diminuiu depois que a Câmara dos Deputados, no dia 2 de agosto, votou pelo arquivamento da denúncia de crime de corrupção passiva contra o presidente).

Entre um episódio e outro, o Brasil mergulhou em seu segundo ano seguido de recessão, empurrado também pelos desdobramentos da Operação Lava-Jato. Em 2016, o produto interno bruto do país diminuiu 3,6%, depois de ter encolhido 3,8% em 2015. Com tudo conspirando contra, o desfecho no mundo dos negócios não poderia ser outro. Juntas, as 500 maiores empresas do país faturaram 809 bilhões de dólares em 2016, com queda de 8% em relação ao ano anterior.

Foi o segundo ano consecutivo de redução das vendas da elite empresarial do país — em 2015, as receitas haviam caído 4,6%. Ainda assim, não foi um ano perdido para muitas empresas. O malabarismo feito na direção de corte de gastos e ganho de eficiência deu resultado e, juntas, as 500 maiores empresas tiveram um lucro de 32,5 bilhões de dólares, valor 235% superior ao do ano anterior.

Dito desse modo, parece ter sido um desempenho excepcional, mas é preciso lembrar que, em 2015, esse grupo de empresas havia registrado um prejuízo de 24 bilhões de dólares — portanto, a base de comparação é muito baixa. Visto em retrospectiva, o lucro das 500 maiores empresas no ano passado foi pouco menos da metade do valor obtido em 2010. Em síntese: as grandes empresas ensaiam uma retomada, mas ainda estão longe do brilho que exibiam em um passado não muito distante.

Enquanto a economia do país não reage, o que muitas empresas estão fazendo é olhar para as oportunidades lá fora. Tampouco tem sido um caminho fácil, já que as maiores economias do mundo também vivem um período de baixo crescimento. Em 2016, o grupo das dez maiores exportadoras do Brasil vendeu ao exterior pouco mais de 55 bilhões de dólares, 6% abaixo do montante do ano anterior. Ainda assim, a siderúrgica Gerdau Aços Longos não vê outro caminho para se recuperar do prejuízo de 237 milhões de dólares no ano passado.

“Com o mercado interno ainda fraco, a saída para crescer continuará a ser pela exportação, que consome hoje 40% da nossa produção no Brasil”, diz André Gerdau Johannpeter, presidente do grupo Gerdau. Devido à morosidade da construção civil, o conglomerado gaúcho desativou neste ano a área de laminação de sua usina em Divinópolis, no interior de Minas Gerais. “A estratégia é a otimização de ativos com maior rentabilidade”, afirma Johan­npe­ter. “Vendemos também unidades na Espanha e na Guatemala.”

Já a Embraer reforçou sua internacionalização. Hoje, 90% da receita da fabricante de aeronaves, de 5,2 bilhões de dólares no ano passado, vem do mercado externo. Ser uma empresa global implica investimento contínuo em inovação. “A Embraer vai investir neste ano 640 milhões de dólares, cerca de 10% do faturamento, com foco em jatos comerciais”, diz Paulo Cesar de Souza e Silva, presidente da empresa, que anunciou a criação de um centro de inovação no Vale do Silício e outro em Boston, nos Estados Unidos.

A Embraer quer acompanhar de perto a transformação tecnológica em curso, acelerada pela evolução de inteligência artificial, robótica e realidade virtual. “A ideia é avançar no desenvolvimento de novos modelos de negócios, tecnologia e inovação”, diz Silva.

Mesmo em setores voltados para o mercado doméstico, o impacto causado por novas tecnologias também tem recebido atenção. É o caso do setor de telecomunicações, que vem perdendo receita ano após ano. A situação mais complicada é da operadora Oi, em recuperação judicial desde junho de 2016. A companhia fechou o último ano com o maior prejuízo do país: quase 2,2 bilhões de dólares.

Sua concorrente Vivo se saiu bem melhor, com um lucro de mais de 1 bilhão de dólares, mas também está preocupada com as mudanças no setor, como a perda de receita com serviços de voz. Hoje, dois terços da receita da operadora espanhola vêm do tráfego de dados.

“Precisamos, cada vez mais, investir para transformar a companhia em vendedora de dados, deixando de ser uma fábrica de voz”, diz Eduardo Navarro, presidente da Vivo. A empresa planeja investir 8 bilhões de reais neste ano e mais 24 bilhões até 2019, sobretudo na expansão da cobertura das redes 4G e 4,5G e na ampliação da malha de fibra óptica.

Posto da Rede BR: a distribuidora de combustíveis se prepara para abrir o capital | Divulgação

Uma informação a ser comemorada é a de que o pelotão de frente da economia brasileira conseguiu recuperar parte do que havia perdido de lucratividade. Em média, as 500 maiores empresas tiveram em 2016 um retorno de 5,4% sobre o patrimônio líquido, revertendo o tombo do ano anterior, quando a rentabilidade tinha sido negativa, de -4,9% — a pior taxa desde o lançamento da primeira edição de MELHORES E MAIORES, em 1974. O retorno sobre o patrimônio líquido é o principal indicador de excelência empresarial, pois revela quanto de lucro uma companhia está gerando com os próprios recursos. Ou seja, mostra se um negócio está valendo a pena ou não.

E qual foi o segredo para as empresas recuperarem a rentabilidade em 2016? Se não deu para aumentar as receitas, a saída foi diminuir as despesas. E, desde o advento do capitalismo, não há maneira mais previsível de cortar as despesas do que enxugar o quadro de pessoal. As 500 maiores empresas encerraram o ano com 2,1 milhões de empregados, uma redução de 13,4% em relação a 2015. Ou seja, de um ano para o outro, quase 330 000 empregos evaporaram nesse grupo de empresas.

Outros fatores contribuíram para a redução das despesas. O preço da energia elétrica, um dos principais insumos das indústrias — representa até 40% dos custos de produção em alguns setores —, caiu 10,7% no ano passado, em razão da queda da demanda e da redução da geração térmica, de custo mais caro (em 2015, a energia elétrica havia subido 51% em consequência da desastrosa intervenção do governo no setor). Os combustíveis, como gasolina e etanol, subiram menos do que a inflação. O câmbio também ajudou muitas empresas, reduzindo o custo de importação de matérias-primas e as despesas financeiras.

“O dólar valia 3,90 reais em 2015 e caiu para 3,26 reais em 2016. Com a diminuição da pressão cambial, quem estava endividado em dólares conseguiu reverter despesa em ganho, ou seja, diminuir sua dívida”, diz o professor Ariovaldo dos Santos, coordenador técnico da Fipecafi, fundação ligada à Universidade de São Paulo responsável pela coleta e análise de dados de MELHORES E MAIORES.

De fato, algumas companhias conseguiram afrouxar a corda que apertava o pescoço. No cômputo geral, as 500 maiores fecharam o ano passado com uma dívida de 730 bilhões de dólares, uma redução de 9% em relação ao montante do ano anterior.

No esforço para cortar as despesas e reduzir as dívidas, não são poucas as companhias que estão congelando ou adiando investimentos. As 100 empresas que mais investiram no Brasil em 2016 destinaram 135 bilhões de reais ao reforço da capacidade de produção, valor 21% inferior ao do ano anterior. Essa cifra se refere ao investimento no imobilizado, que com­preende os recursos aplicados na aquisição de maquinário, na construção de fábricas, na absorção de tecnologia e na melhoria de processos. Em 2016, a Petrobras diminuiu em 37% os investimentos no imobilizado, mas ainda se mantém como a empresa que mais investe no país. A mineradora Vale, segunda colocada nesse quesito, reduziu 39% dos investimentos.

Empresas dos mais diversos setores, como Ambev (bens de consumo), Raízen (energia) e Votorantim Cimentos (indústria da construção), também cortaram os investimentos em 2016. É compreensível que, num momento de crise, as empresas evitem gastos com a aquisição de bens para manter ou expandir as atividades. O problema é que essa política pode sair cara lá na frente, em razão do risco de defasagem tecnológica.

No primeiro trimestre deste ano, a taxa de investimentos no país ficou em 15,6% do PIB, o menor nível desde que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística começou essa medição, em 1996. O ideal para um país como o Brasil é que a taxa fique entre 20% e 25%. Mas não é fácil convencer as empresas a investir num momento em que elas estão com muitas máquinas paradas. Em maio, o nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação era, em média, de 75%. Numa economia aquecida, a taxa costuma ficar acima de 80%.

“Com a elevada ociosidade, não há incentivo para investir”, diz o economista Fernando Camargo, sócio da consultoria LCA. “A indústria espera a demanda crescer. Por ora, o caminho tem sido reduzir custos para continuar com alguma margem.”

Mesmo adotando cautela nas decisões de investimentos, as empresas sabem que não podem pisar fundo no freio porque, uma hora, toda crise acaba. Há de se levar em conta também que muitos investimentos têm maturação demorada. Por isso, pouca gente estranhou que, em plena recessão, o grupo ítalo-americano FCA, que engloba as marcas Fiat e Chrysler, tenha lançado no país uma de suas principais apostas, o modelo Fiat Argo, fruto de um investimento de 1,5 bilhão de reais que começou lá atrás, em 2013, quando o mercado nacional ainda não apresentava os sinais da crise atual — as vendas de veículos novos no país caíram 20% no ano passado.

O objetivo da Fiat é brigar pela liderança no segmento de carros compactos, hoje dominado pelo Onix, da americana GM, e pelo HB20, da coreana Hyundai. Projetado no Brasil e usando 93% de peças nacionais, o Argo vem sendo apontado como o carro de maior qualidade que já saiu da fábrica da Fiat na cidade mineira de Betim em mais de 40 anos de história. Com esse carro, a FCA mira consumidores mais exigentes, dispostos a pagar 70 000 reais pela versão mais sofisticada. A estratégia de focar um público de maior renda, menos afetado pela crise, tem dado resultado.

“O modelo picape Toro, por exemplo, foi inovador e hoje somos líderes nesse segmento”, diz Stefan Ketter, presidente da FCA na América Latina. A versão mais cara desse veículo sai por 116 500 reais.

Fábrica da Fiat em Pernambuco: a montadora está mirando consumidores de maior renda, menos afetados pela crise econômica | (Germano Lüders/EXAME)

Mas o fato é que, num ambiente econômico e político conturbado, a maioria das empresas evita dar grandes passos. Ao contrário, muitas optam por dar um passo (ou mais) atrás. Em 2016, entrou em voga uma palavra que não fazia parte do vocabulário da elite empresarial: desinvestimento. Significa desmobilizar operações, vender ativos, cortar na própria carne. E nenhuma empresa lançou mão desse recurso tanto quanto a Petrobras.

A maior empresa do país, com uma receita de quase 70 bilhões de dólares no ano passado — um recuo de 18% em relação a 2015 —, anunciou um plano de desinvestimento de 21 bilhões de dólares até 2018. Com uma dívida de 118 bilhões de dólares, resultado da má gestão, da ingerência do governo e do maior esquema de corrupção do país, a Petrobras deixará de atuar na produção de biocombustíveis e de fertilizantes, na distribuição de GLP (o gás de cozinha) e reduzirá ­suas participações em petroquímica.

Em julho, o conselho de administração da estatal aprovou a abertura do capital de sua subsidiária Petrobras Distribuidora, a BR, por meio de uma oferta pública secundária de ações (quando são vendidas ações já existentes). A BR tem uma rede de 7 800 postos e mais de 10 000 clientes corporativos. No ano passado, registrou um prejuízo de 143 milhões de dólares.

Não é apenas a Petrobras que está precisando se reinventar para superar a tragédia que quase a destruiu. A construtora Camargo Corrêa, fundada em 1939, esteve no centro das investigações da Operação Lava-Jato e foi condenada a pagar perto de 1 bilhão de reais entre multas e ressarcimento de recursos aos cofres públicos. Faturou 585 milhões de dólares em 2016, um tombo de 43% em relação ao ano anterior — a segunda maior queda de receita entre as grandes empresas no ano passado, atrás apenas da espanhola CEG Rio, concessionária de gás que viu a receita cair 45% em 2016.

A Camargo Corrêa tenta se ajustar aos novos tempos reduzindo drasticamente sua estrutura — tem hoje 15 000 trabalhadores nos canteiros de obras, ante 40 000 três anos atrás. Mais enxuta, a empresa adiou projetos de expansão na América Latina, optando por arrumar a casa antes de investir em outros mercados. “Já imaginando um cenário de vários anos de dificuldades, estamos nos preparando para seguir com velocidade quando o ­país voltar a crescer”, diz Décio Amaral, presidente da Camargo Corrêa.

Central do grupo Telefônica: a operadora quer deixar de ser uma “fábrica de voz” e tornar-se, cada vez mais, uma vendedora de dados | (Germano Lüders/EXAME)

Num setor como o de saúde há ajustes em razão do aumento do desemprego, que diminuiu a contratação de planos das operadoras. A maior empresa do setor, a Amil, fechou o último ano com uma receita de 5,3 bilhões de dólares e um prejuízo de 166 milhões de dólares. O resultado negativo se deveu a uma combinação de fatores, como o aumento das despesas com a aquisição de ativos (como o Hospital Samaritano, de São Paulo) e a elevação dos custos médicos, que subiram 24% no ano.

Para reverter esse quadro, a Amil está adotando um novo modelo de remuneração dos hospitais e quer ter uma previsibilidade maior dos gastos “Estamos tentando criar um modelo que seja mais compatível e eficiente. O atual remunera o desperdício, e não a competência”, diz o médico Cláudio Lottenberg, que, desde dezembro, é o presidente da United­Health Brasil, empresa americana que controla a Amil.

Assim como outros líderes empresariais, Lottenberg sabe que é em momentos de crise que se impõe a busca por graus mais elevados de eficiência. Mas tudo seria mais fácil se o país ajudasse. Quando assumiu a Presidência, Michel Temer agradou a empresários e investidores ao acenar com a aprovação de uma série de reformas estruturais, como a previdenciária e a trabalhista. O ano de 2017 começou com a melhora de indicadores macroeconômicos, como a queda da inflação e a diminuição da taxa básica de juro, a Selic.

Tudo parecia correr razoavelmente bem, até a divulgação da delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da maior processadora de carnes do mundo, a JBS, em maio deste ano. De lá para cá, o que se viu foi uma sucessão de denúncias que atingiram em cheio o presidente e parte de seu ministério. Com a economia sempre um tanto refém da crise política, isso fez com que as previsões econômicas fossem refeitas para baixo.

No prognóstico mais otimista, a previsão é que o PIB cresça neste ano 0,5%, se muito. Vários deputados que votaram pela rejeição da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Temer por crime de corrupção passiva justificaram que estavam defendendo a estabilidade do país. Mais do que blindar o presidente, porém, é necessário proteger a economia. Só assim, segundo Stefan Ketter, presidente da FCA, as empresas poderão ter segurança de voltar a investir sem medo.

“É preciso resolver os problemas dos gastos públicos e dar mais confiança a investidores para que o Brasil se torne sustentável”, afirma Ketter. A receita é simples, mas, nos últimos anos, o país parece ter incorporado o velho bordão “Para que simplificar, se dá para complicar?” Enquanto isso, no mundo real, as empresas só têm uma certeza — a de que terão mais alguns anos desafiadores pela frente. 

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