Revista Exame

Corrupção impede competitividade do Brasil, diz Acemoglu

Para autor de Por Que as Nações Fracassam, últimos 8 anos de governo do PT foram desastrosos para a economia do Brasil. Ainda assim, ele vê o futuro do país com otimismo

Daron Acemoglu: apesar das dificuldades enfrentadas pelo Brasil, ele considera o país um exemplo de sucesso (Divulgação)

Daron Acemoglu: apesar das dificuldades enfrentadas pelo Brasil, ele considera o país um exemplo de sucesso (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 30 de dezembro de 2015 às 04h56.

São Paulo – O economista de origem turca Daron Acemoglu, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), é um dos maiores especialistas do mundo em questões de desigualdade entre as nações.

Sua tese de que as instituições políticas são determinantes para o sucesso de um país tornou-se conhecida em 2012 com o lançamento do livro Por Que as Nações Fracassam, que logo entrou na lista dos best-sellers. Escrito em parceria com James Robinson, professor na Universidade Harvard, o livro questiona teorias de que a geografia, o clima e até mesmo a cultura poderiam explicar os diferentes graus de riqueza das nações.

O Brasil é citado na obra como um caso de sucesso — um país que superou a ditadura militar e alcançou grande desenvolvimento social e econômico. Três anos depois, Acemoglu — detentor da medalha Clark, a mais prestigiosa distinção entre os economistas — revisita seu exemplo. Em seu escritório no MIT, ele recebeu EXAME e falou sobre como vê o futuro do Brasil.

EXAME - Em seu livro mais conhecido, o Brasil aparece como um exemplo positivo, de um país que conseguiu avançar em termos econômicos e sociais, especialmente sob o governo do PT. No entanto, os números do país hoje são bem menos favoráveis.
O que mudou de 2012 para cá?

Daron Acemoglu - O livro foi escrito, na verdade, em 2010, e acho que estávamos um pouco otimistas demais em relação a alguns aspectos do Brasil (risos). No entanto, a essência do livro permanece: o Brasil teve uma transição muito bem-sucedida de uma ditadura militar para uma democracia, e de um país muito desigual para um país que, de certa forma, está mais igual.

Não quisemos sugerir que o PT e o Lula foram os únicos responsáveis por isso. Obviamente, a eleição democrática de Fernando Collor e de Itamar Franco e o plano econômico de Fernando Henrique Cardoso, que deu início à distribuição de renda e à estabilização da economia, foram também primordiais.

Assim como foi importante a eleição do PT, uma organização que veio de baixo. Ainda que o PT tenha introduzido alguma inefi­ciência no país, seus programas sociais, que aprofundaram iniciativas lançadas nos anos 90, foram muito importantes para limitar a desigualdade.

EXAME - Olhando para trás, o que faltou dizer em seu livro?

Daron Acemoglu - O que não enfatizamos no livro é que o PT tem uma estrutura muito clientelista. Começando talvez no segundo mandato do Lula e com certeza no primeiro de Dilma Rousseff, a corrupção tornou-se um problema muito maior. No entanto, até certo ponto, vejo isso como um problema de curto prazo. Dilma esteve muito perto de perder a última eleição e, seguindo essa tendência, o PT quase certamente deixará o poder na próxima eleição.

Uma transição pacífica do PT para um partido mais de centro provavelmente seria algo muito bom para a democracia brasileira — e certamente para a economia do país. Do ponto de vista econômico, os últimos oito anos foram desastrosos, mas, se olharmos para o lado político, talvez tudo isso seja bom para que a sociedade brasileira encontre o próprio caminho.

EXAME - O que o senhor achou da abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma?

Daron Acemoglu - Não sou um grande fã do processo de impeachment. No Brasil, os processos de impeachment muitas vezes parecem ter motivações puramente políticas — por exemplo, quando foi usado contra Fernando Henrique Cardoso. Isso é lamentável. Eu tinha a esperança de que Dilma não fosse eleita novamente, pois o Brasil precisava de uma mudança.

Seu primeiro mandato não colocou o país em um bom caminho. Mas ela venceu. Dito isso, acredito que a oposição deveria respeitar o processo eleitoral e deixá-la completar seu mandato, salvo circunstâncias excepcionais.

Claro, a situação será diferente se surgirem evidências de que ela estava envolvida e se beneficiou pessoalmente com o escândalo da Petrobras, ou se ela obstruir o processo de investigação. No entanto, meu entendimento, mesmo vendo as coisas de longe, é que há uma forte investigação independente e que deveríamos aguardar seu encaminhamento.

EXAME - Qualquer que seja o desfecho do processo de impeachment, as previsões para o Brasil não são boas. O PIB deve ter uma retração de mais de 3% neste ano e nada indica que será melhor em 2016. Em sua opinião, qual seria o ponto mais importante para o Brasil dar uma guinada e voltar a crescer?

Daron Acemoglu - A situação econômica do Brasil de fato é horrível. Em parte, isso é culpa da queda dos preços das commodities, que impactou negativamente o país, mas é também causado pelo fato de muitos investimentos terem sido mal alocados na última década. O Brasil precisa aumentar sua competitividade.

Agora que construiu uma base de segurança social, é hora de reduzir o controle direto do Estado na economia, de modo que o setor privado possa se tornar mais competitivo, inovador e independente — e essa base de segurança social pode garantir apoio aos que se perdem nesse caminho. Porém, mais mercado não é uma panaceia.

O mercado só pode funcionar se houver uma estrutura institucional correta para direcionar a competitividade de forma produtiva. Enquanto a corrupção permanecer forte e as leis fracas, isso não será facilmente alcançado. Portanto, reduzir a corrupção, aumentar a eficiência do governo e reforçar o cumprimento das leis são passos importantes para que a competição do mercado traga resultados.

EXAME - Até que ponto a corrupção afeta o desenvolvimento do país?

Daron Acemoglu - A corrupção tem, sim, um efeito negativo, mas ela é um sintoma, e não uma causa enraizada. Ela acontece especialmente em locais onde outros fatores estão errados: os políticos não são supervisionados, têm muito poder, não há um sistema de controle.

As evidências que temos, com base em diversos estudos, é que talvez a melhor maneira de controlar a corrupção seja precisamente ter um canal institucional que assegure mais poder aos eleitores, dando-lhes informação e os meios para punir a corrupção.

EXAME - O senhor diz que o destino das nações é determinado pela forma como se desenvolveram no passado — como o processo de colonização, no caso das Américas e da África. Mas o cenário dos países mais ricos e mais pobres pouco mudou nos últimos 50, 100, 200 anos...

Daron Acemoglu - Em alguns casos, nos últimos 500 anos. Mas o Brasil é exceção. Você pode ver o país como um copo meio cheio ou um copo meio vazio. Até o século 19 o Brasil era um país com 80% de escravos. Era o mais próximo de uma sociedade escravocrata que se pode chegar. Como o Brasil não terminou como o Haiti, onde a luta entre grupos causa instabilidades constantes? Eu não sei!

Além disso, comparado com outras sociedades com trabalho forçado, como Peru, Bolívia, Equador, Venezuela e Guatemala, o Brasil se industrializou muito mais rápido. É incrível que o Brasil esteja onde está em apenas 150 anos.

EXAME - Em comparação com outros países, como a Coreia do Sul, no entanto, o Brasil ficou para trás. Como reverter esse quadro?

Daron Acemoglu - É extremamente difícil para um país mudar sua trajetória institucional — por isso eu digo que o Brasil é quase uma exceção. No entanto, uma vez que essa trajetória é alterada, é bastante comum que os países cresçam rapidamente. Não é uma grande surpresa que Coreia do Sul e Taiwan tenham crescido tanto em 50 anos, aumentando dez vezes seu PIB per capita.

A explicação mais plausível é que, nos dois casos, os países precisavam fazer alguma coisa para se livrar da ameaça comunista. A Coreia do Sul fez uma transição de sucesso para a democracia, o que rendeu bons resultados econômicos e políticos, mas essa transição aconteceu muito sob pressão do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos.

Quanto à América Latina, ela não tem sido um continente muito bem-sucedido economicamente nos últimos 40 anos. Mas, politicamente, está tendo êxito em transformar ditaduras militares em países mais democráticos. Então, talvez, o futuro seja melhor. O problema é que muitos desses países trocaram um regime militar por um regime populista.

EXAME - Apesar de todos os problemas, o senhor parece bastante otimista em relação ao Brasil. Se fosse reescrever seu livro, manteria o país como um exemplo positivo?

Daron Acemoglu - O Brasil é uma história de sucesso por seu processo efetivo de democratização, que ocorreu de baixo para cima, e por trabalhar para ampliar o poder de segmentos excluídos da sociedade. Eu não mudaria essa ênfase no livro.

Além disso, considero um sucesso o fato de a democratização ter propiciado uma rede melhor de segurança social, maiores investimentos em educação, melhorias na saúde e, consequentemente, menos desigualdade.

Mas acredito que seria preciso incluir uma análise detalhada de como o PT, de um início positivo, passou a adotar uma posição muito mais voltada para o “rent-­seeking” [favorecimento de alguns setores por meio de incentivos fiscais, subsídios ou outros privilégios], afundando-se em escândalos de corrupção e colocando sua continuidade e a dominação política de seus líderes acima da necessidade de servir à sociedade.

Acompanhe tudo sobre:CorrupçãoDemocraciaDesenvolvimento econômicoEdição 1104EntrevistasEscândalosFraudesGoverno DilmaImpeachmentPartidos políticosPolítica no BrasilPT – Partido dos Trabalhadores

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda