Revista Exame

O jogo está só começando: o impacto da Riot Games na indústria dos e-sports

Hasan Colakoglu, vice-presidente internacional da Riot Games: a meta da empresa é virar hub de entretenimento

A Riot Games lançou o jogo online gratuito mais popular do mundo, o League of Legends. Mas a empresa americana quer mais (Germano Lüders/Exame)

A Riot Games lançou o jogo online gratuito mais popular do mundo, o League of Legends. Mas a empresa americana quer mais (Germano Lüders/Exame)

Luiza Vilela
Luiza Vilela

Repórter de POP

Publicado em 22 de março de 2023 às 06h00.

Última atualização em 22 de março de 2023 às 06h25.

Cerca de 15 anos atrás, com a chegada dos primeiros jogos virtuais disputados pelo computador, o mercado de games começava a dar os primeiros sinais de que, um dia, poderia dominar o cenário do entretenimento.

O público, já naquela época, era promissor. Sites como Click Jogos, Miniclip e tantos outros faziam sucesso entre adultos e crianças com jogos simples e gratuitos, sem muito esmero nos gráficos, com jogabilidade facilitada — porém lotados de “bugs”. Para aquele momento, a presença desses jogos foi até que suficiente: o intuito não era ter a qualidade dos jogos de console, mas simplesmente ter acesso a um entretenimento rápido e, acima de tudo, gratuito.

Aos poucos os jogadores foram deixando esses games mais simples de lado, e o próprio mercado da categoria percebeu que o computador era um ambiente propício para popularizar uma nova categoria mais robusta de games online, com uma jogabilidade mais complexa e gráficos tão desenvolvidos quanto os de jogos de console.

O reinado da Riot Games com League of Legends

Nesse cenário de novos gamers em ascensão, uma série de empresas surgiu no mercado em busca da demanda, com soluções inéditas, propondo uma nova era de jogos. Uma delas — e talvez a mais importante na popularização dos videogames gratuitos para computador — foi a Riot Games.

A empresa foi fundada em 2006 e tinha como objetivo desenvolver e distribuir jogos produzidos para computador. Foi daí que, em 2009, a empresa lançou o League of Legends (LoL). Na época, os fundadores Brandon Beck e Marc Merrill não sabiam, mas em alguns anos esse se tornaria o jogo online gratuito mais jogado do mundo — e ditaria o ritmo dos e-sports ao redor do globo. Quando o jogo ficou maior do que a própria empresa e a Riot começou a expandir seus escritórios mundialmente, Hasan Colakoglu, hoje vice-presidente internacional da empresa, viu uma grande oportunidade: levar o escritório internacional da Riot a seu país natal, a Turquia.

Hassan Colakoglu na indústria dos games

A trajetória de Colakoglu na Riot é um exemplo da importância que a empresa dá a suas comunidades locais. Na primeira década dos anos 2000, boa parte dos jogadores na Turquia acessava jogos por meios ilegais — os famosos “piratas” —, e basicamente todas as distribuidoras não tinham previsão de negócios no país.

Colakoglu já tinha um bom histórico de expansão dos jogos por lá. Formado na Universidade Técnica de Viena, com um mestrado de ciência em eletrônica, ele foi dono da startup Avaturk, que tinha como objetivo elevar a qualidade dos jogadores turcos, no começo dos anos 2000. Em 2005, tornou-se gerente da Nintendo e foi um dos principais executivos do mercado a transformar o cenário dos videogames no país, com o lançamento de consoles como o DS e o 3DS e alguns dos jogos mais populares da distribuidora.

Ele ainda sentia, no entanto, que faltava alguma coisa no mercado de games. Algo mais acessível, distante dos consoles, mirando o cenário emergente dos jogos de computador. Exatamente o tipo de investimento que a Riot trazia com o League of Legends. O executivo entrou no escritório turco da Riot em 2012, onde permaneceu como country manager por cinco anos. Depois, mudou-se para a sede da empresa em Los Angeles, para supervisionar os escritórios em mercados emergentes. E desde 2021 ele lidera todos os escritórios internacionais da Riot fora da China.

O mercado de games deverá movimentar 200 bilhões de dólares em 2023, segundo a consultoria Newzoo. A Riot não divulga o faturamento, mas é uma das maiores empresas do segmento. A estratégia de crescimento passa por criar todo um ecossistema para os jogadores, com torneios próprios. No ano passado o LoL tinha pelo menos 124 milhões de contas ativas — e esse número segue aumentando.

O Brasil é peça-chave nesse processo de expansão. Colakoglu esteve em São Paulo no começo de março para acompanhar o Valorant Champions Tour (VCT) Lock In, primeiro campeonato internacional para o jogo. Participaram 32 times, dos quais três eram brasileiros. Em entrevista à EXAME, o executivo detalha os planos da empresa.

Veja a entrevista de Hassan Colakoglu a EXAME

A Riot tem os campeonatos próprios, que estão ficando mais caros e maiores do que os outros. Como você acredita que a empresa vai superar e evoluir o título de maior marca do mercado de campeonatos de e-sports?

Bom, os e-sports têm sido importantes desde o início. A Riot é uma empresa de cerca de 15 anos, começamos todos os nossos jogos, como League of Legends, Valorant e TFT. Somos sempre supercompetitivos, e, quando se constrói um jogo competitivo e o dirige por 15 anos, a evolução natural dessa competição é o que hoje vemos no cenário dos e-sports. Na última década a Riot fez muitos investimentos com as comunidades globais para construir o ecossistema global de e-sports e os eventos recentes que temos, inclusive no Brasil, chamados de Lock In, para o jogo Valorant. Isso é apenas um exemplo de quanto valor colocamos em nosso público global. Não é apenas mais do mesmo, pensar só no crescimento da empresa, e sim na qualidade de entretenimento dos jogadores. A Riot de fato pensa nos grandes mercados de jogos, pensa na América do Norte, na Europa Ocidental, na América do Sul, no mundo todo. Ser a maior marca nos campeo­natos, na verdade, é só uma consequência do trabalho que a gente faz todos os dias.

Esse olhar atento a todos os lugares do mundo é um diferencial da Riot. Como a empresa enxerga os gamers do Brasil?

Acho que o Brasil é um mercado muito importante para a Riot. Quando se olha do ponto de vista do idioma ou da comunidade local, as comunidades brasileiras são muito próximas, muito competitivas, e os produtos de entretenimento também têm muito valor no Brasil. Sabemos da importância do público brasileiro e da paixão dos jogadores brasileiros. Trouxemos grandes torneios globais para o país, o Brasil tem o Loud, que é um dos principais times de ­e-sports e foi campeão mundial do ano passado. A gente enxerga o que vocês fazem por aqui. Estar com os jogadores do Brasil é superimportante, porque continuaremos investindo nessa infraestrutura também. Do ponto de vista comercial, achamos que o Brasil tem muito potencial para crescer, já é um dos nossos grandes mercados, e por isso vocês veem nosso escritório aqui. Estamos no no país há mais de dez anos, continuamos crescendo junto com o mercado e acreditamos que podemos fazer muito mais com nossos jogos atuais e futuros.

Uma das marcas registradas da Riot Games é o fato de “hiperservir o jogador”. Como funciona essa experiência e como vocês constroem tudo isso em países com culturas tão diferentes?

Eu já vi muita coisa dentro do mercado de games. Estou nesse negócio há 20 anos e o que eu percebo é que a maneira tradicional de fazer jogos é uma receitinha pronta. Os designers são jogadores, então eles sabem o que torna um jogo bom ou excelente. Em seguida eles criam o game e depois o enviam para o mundo por meio de editoras ou de seus próprios publicadores para os jogadores. Com o game no ar, os jogadores jogam, aí gostam disso, não gostam daquilo etc. A Riot Games propôs uma forma diferente, quebramos essa receita. Nos últimos 15 anos criamos um fluxo: enviamos o jogo para os jogadores antes de lançá-lo, com uma lista mais diversa para fazer essa primeira avaliação. Vemos do que eles gostam, do que eles não gostam, e os ouvimos onde quer que eles estejam, seja no Brasil, Vietnã, Coreia, Turquia, seja na Rússia. Quando o jogo já está no ar, essa escuta ativa continua. Sempre os ouvimos, recebemos seus comentários e mudamos o jogo de acordo com o que eles querem de nós. Por isso todos os nossos jogos recebem um ­patch ou uma atualização a cada duas ou três semanas, com base nas avaliações globais, na qual mudamos o jogo, ajustamos o campeão, os mapas, as armas ou o modo como as habilidades funcionam no League of Legends. Assim, o jogo está sempre mudando de acordo com a necessidade do jogador. Muitas empresas de games não fazem isso ou, quando fazem, limitam essa avaliação constante aos jogadores americanos. Nós fazemos isso em 17 idiomas diferentes em todo o mundo, usando nossas equipes locais, como as do Brasil ou do México, para criar essas conexões locais autênticas, que cons­­tro­em ótimas experiências para os jogadores. Um exemplo importante é que na maioria de nossas localizações globais os jogadores daquele país não falam com os desenvolvedores em Los Angeles, eles falam com os jogadores locais em seu idioma nativo. No caso do Brasil, eles são capazes de se articular de maneira melhor em português. Eles têm pessoas com quem realmente podem conversar para compartilhar seus comentários, e nossas equipes daqui coletam esse feedback e o compartilham com os desenvolvedores do jogo. Se você muda o jogo, você muda o jogador. Mas isso não significa que ele não possa fazer o mesmo com você, entende?

Falando de futuro, o que a Riot pretende fazer pelos jogadores nos próximos anos? E como você vê a evolução do mercado de games desde que ingressou na empresa?

Tentamos nos posicionar não apenas como uma empresa de jogos mas como uma companhia que aprimora as experiências dos jogadores por meio de outros produtos. Existe o que chamamos de playwatch e play loop: você joga League of Legends ou joga outros games, depois assiste a e-sports, volta a jogar com seus amigos, vai à CCXP, sai com seus amigos que também jogam o mesmo jogo. É uma comunidade em constante crescimento, e o nosso objetivo é acompanhá-la, atendendo suas necessidades. A próxima camada que estamos adicionando ao topo são as animações e outros produtos de entretenimento, como aconteceu com a série Arcane, que virou série da Netflix e obteve o título de melhor animação do ano passado. Isso é apenas o começo para nós, queremos construir mais histórias e mais experiências em torno de jogos. Mas sempre lembrando que nosso DNA principal está estruturado em torno de experiências de jogos. Queremos expandir os universos com essas experiências de TV, de entretenimento, com mercadorias, com e-sports etc.

A Riot é uma empresa que está muito interessada na diversidade e vemos isso nos personagens e nos jogos. Essa diversidade também se expande para dentro da empresa?

Temos como grande foco, desde 2018, aumentar a diversidade dentro de nossas equipes, tanto na sede quanto globalmente. Queremos um serviço para todos os jogadores, de todo o mundo, independentemente de raça, gênero, orientação sexual, idade e tudo mais. Para atender a todos esses públicos é preciso ter representação deles dentro da empresa, por isso estamos fazendo o possível para incentivar a diversidade em nossa equipe. Eu recebi hoje, em uma reunião mais cedo, a notícia de que na sede do escritório brasileiro a relação entre homens e mulheres é de quase 50/50, o que é superalto em comparação com a média global entre todas as empresas de jogos — e é obviamente mais alto do que o que a Riot tem em outros lugares. Acho que isso está sempre em mente. Claro, tentamos selecionar o melhor talento para todos os lançamentos, mas estamos fazendo isso para que todas as pessoas, independentemente de raça, religião, idade ou orientação sexual, tenham acesso a todo o conjunto de talentos que existe, e estamos deliberadamente focados nisso. A indústria de jogos não era assim até pouco tempo atrás, e estou superfeliz e honrado por fazer parte dessa mudança nos últimos cinco anos.

Nossa ministra do Esporte, a ex-jogadora de vôlei Ana Moser, não acha que os e-sports devam ser classificados como esportes. É comum encontrar esse tipo de resistência?

É meio difícil fazer as pessoas entenderem o que é um esporte e o que não é um esporte. Não quero entrar muito na política por causa da agenda, mas minha observação é se o público e os jogadores gostam de competir em um mesmo ambiente, uns contra os outros, com cinco participantes em torneios etc. Não importa se definimos isso como e-sports ou não. No final do dia, a competição está sempre presente, e a juventude de hoje está optando por gastar seu tempo participando de eventos de e-sports mais do que de eventos esportivos tradicionais. Não sei se devemos chamar os e-sports de esportes ou não. O que importa é que nosso público continue jogando, competindo uns contra os outros e se divertindo. Continuaremos entregando a melhor experiência.


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