Robinhood se transformou em case de sucesso na economia da covid-19 (Aaron Wojack/The New York Times/Fotoarena)
Bloomberg
Publicado em 5 de novembro de 2020 às 05h29.
Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 15h07.
Em 2 de março, pouco antes de os escritórios fecharem nos Estados Unidos, a equipe da Robinhood trabalhou até muito tarde em sua sede em Menlo Park, na Califórnia. Os executivos se reuniram em torno de Vlad Tenev, um dos fundadores da empresa, e em seguida se dispersaram para passar as devidas instruções às suas equipes. A companhia passava por uma emergência: uma queda geral do sistema incapacitara seu aplicativo de operações online na bolsa durante um dos dias mais agitados do mercado de ações em meses.
Já foi febre, já foi mico, agora a maturidade chegou. Entenda como investir de verdade em Bitcoin
Sob o impacto da disseminação inicial da covid-19, as ações nos Estados Unidos vinham passando por um frenético movimento de venda antes de voltar a subir. A pane na Robinhood deixou seus clientes na mão enquanto mais de 14 bilhões de ações de ativos americanos mudavam de donos. Embora a Robinhood tenha conseguido restabelecer o funcionamento de seu aplicativo, o modo como a empresa lidou com o episódio irritou os clientes e levou a um inquérito da SEC, a comissão de valores mobiliários americana. (Tanto o órgão regulador como a Robinhood se recusaram a comentar sobre o caso.)
O incidente foi o primeiro tremor do que se tornaria um longo período de turbulência para a corretora online. Entre março e junho, a Robinhood passou por vários outros problemas envolvendo negociações e dados, o que soa como desastre para uma novata que tenta atrair clientes da Charles Schwab e da E*Trade e quer se posicionar como o aplicativo de finanças dos millennials e da geração Z.
Só que não: a Robinhood se transformaria em um estrondoso caso de sucesso na economia da covid-19. Americanos ilhados em suas casas assistiram a uma maratona de séries da Netflix, foram às compras na Amazon Prime e descobriram o day trading em seus telefones celulares. A expressão “traders da Robinhood” passou a explicar o frenesi das negociações muitas vezes especulativas de investimentos feitos durante os lockdowns na pandemia.
É o tipo de momento em que as empresas aproveitam a aportunidade para apostar alto. Para a Robinhood, porém, a necessidade mais urgente é fazer tudo direito — e provar que pode administrar uma simples plataforma de negociações online e desfazer a reputação de que presta mau serviço aos clientes. Ela deu uma pausa em seus esforços de expansão para a Europa e a Ásia.
Em vez disso, realizou uma onda de contratações para a equipe de apoio e vem focando em tornar sua tecnologia mais confiável. “Nos próximos meses, vocês continuarão a ver os resultados de todo esse trabalho que estamos fazendo”, disse Tenev em uma conversa por vídeo. Ele usa o cabelo na altura dos ombros e, como muitos sujeitos em tempos de covid-19, exibe alguma penugem no rosto — um cavanhaque. “E muita coisa ainda vem por aí.”
E qual é a próxima surpresa da Robinhood? O principal produto — venda e compra de ações em um app divertido que lembra um jogo de celular — é tão controverso quanto copiado por muitos. Criada em 2013, a Robinhood foi atrás de investidores pequenos e iniciantes que durante muito tempo foram ignorados, cobrando zero de comissão sobre as negociações.
Depois, ofereceu ações fracionadas, que permitem às pessoas — que não conseguem, por exemplo, pagar quase 3.200 dólares por uma única ação da Amazon — comprar apenas um pedaço de um título da empresa. Isso não é mais algo incomum: a livre negociação é hoje um padrão no mercado. Em junho, a Schwab também lançou “ações fatiadas”.
Porém, o livre-comércio de ações deveria ser um ponto de partida — e não, por si só, o negócio que rendeu à Robinhood uma avaliação de 11,7 bilhões de dólares em sua mais recente rodada de investimentos de capital de risco. A Robinhood seduziu grandes investidores de venture capital, como a Sequoia Capital, com a promessa de que “os clientes vão crescer conosco”, segundo uma apresentação de 2019 a que a Bloomberg teve acesso.
Em um slide que falava em “criar relações que durem gerações”, a empresa dizia que o valor de cada cliente aumentaria ao longo do tempo. O comprador de primeira viagem poderia amadurecer e passar a usar outros serviços que a empresa ainda ofereceria, entre eles contas de aposentadoria individuais, financiamentos imobiliários, empréstimos hipotecários, seguros de automóveis, de locação e de vida.
A Robinhood pode se sentir ainda mais pressionada a provar que consegue expandir suas operações além do comércio livre caso abra seu capital. É provável que o crescimento inesperado da empresa este ano tenha antecipado a perspectiva de uma oferta pública de ações, ainda que tais planos não sejam para já, segundo um funcionário graduado de um dos financiadores de venture capital da Robinhood, que falou a Bloomberg sob condição de anonimato. Tenev diz ver um dia a Robinhood como uma “grande e independente companhia aberta”, sem especificar um prazo para que isso aconteça.
Em um mercado mais tranquilo, é fácil imaginar uma transição gradual de uma corretora de ações com descontos enormes para um supermercado financeiro voltado à massa afluente. (Foi o caminho que a Schwab desbravou décadas atrás.) Mas a Robinhood precisa mostrar que consegue manter sua base crescente de clientes satisfeita ao mesmo tempo em que tenta convencê-la a dar o próximo passo.
Em matéria de atrair usuários, a Robinhood tem sido incrivelmente eficaz. A empresa tem mais de 13 milhões de clientes, dos quais 3 milhões passaram a usar o serviço nos quatro primeiros meses deste ano. É muito acima dos 5,8 milhões de contas no varejo que tinha no fim de junho a E*Trade, empresa com quase 40 anos de história.
Os saldos bancários da Robinhood são mais modestos do que os de outras grandes corretoras, segundo uma pessoa que conhece a empresa. Em junho, a Robinhood informou que a média de negociações diárias passou a marca de 4 milhões, superando todos os corretores rivais em uma época em que a corretagem de varejo estava em franca ascensão.
Ao longo do caminho, a Robinhood vem desafiando as práticas convencionais do setor. Ela trouxe para o mundo financeiro os ciclos virais e compulsivos que comandam nossa vida no Instagram e no Twitter. O app está perfeitamente em sincronia com a base de clientes da Robinhood, formada em sua maioria por millennials: cerca de 80% dos ativos sob sua gestão vêm desses usuários, de acordo com a apresentação de 2019. Metade dos novos clientes da Robinhood neste ano era de investidores de primeira viagem, afirmou a empresa em maio.
Will Sartain, de 19 anos, é parte do fã-clube da Robinhood. Seu pai tentou lhe ensinar sobre o mercado de ações, mas ele nunca se interessou muito pelo tema. Isso mudou por volta de fevereiro passado. Aluno da Universidade Estadual de Ohio, Sartain normalmente gasta 50 dólares por semana apostando em jogos de futebol americano, inclusive do time de sua escola ou do New England Patriots. Com a suspensão dos esportes ao vivo por causa da pandemia, ele se viu levado a negociar ações e opções.
Atualmente acessa a Robinhood uma ou duas vezes por hora, quando os mercados estão abertos, para conferir seus saldos. “Eu sentia um barato incrível apostando em esportes”, diz Sartain. “Quando comecei a pôr dinheiro na Robinhood, passei a sentir a mesma coisa.”
O aplicativo da Robinhood enfatiza a interação social ao possibilitar que uma pessoa receba parte de uma ação caso convide amigos para se cadastrar na plataforma. Se seu amigo se cadastrar e vincular a conta bancária dele, há uma chance ínfima de abocanhar uma ação cara e cobiçada, como a da Apple, segundo a Robinhood. Se seu poço de ideias de investimento secar — ou se você não tiver ideia de por onde começar —, pode buscar inspiração navegando pelas 100 ações mais populares entre os usuários da Robinhood.
Parte do crescimento explosivo da Robinhood pode ter a ver com um ecossistema de entretenimento que de uma hora para a outra passou a crescer com o mercado de ações. David Portnoy, fundador do site e império de podcasts Barstool Sports, é talvez o mais conhecido líder da seita dos corretores varejistas, bolando peripécias de como usar letras de jogos de palavras cruzadas para decidir em quais ações investir.
Ele não tem nenhum vínculo com a Robinhood, mas os dois compartilham uma audiência jovem com gosto por negociação. “As pessoas de Wall Street não gostam disso — é a jogatina legalizada”, diz Portnoy. “É dessa forma que encaro isso. Assim como as apostas esportivas são entretenimento, vejo o mercado de ações da mesma maneira. Não acho que haja algo de errado nisso.”
Um número crescente de influenciadores também vem promovendo a Robinhood nas redes sociais. Vídeos de TikTok com a hashtag #robinhoodstocks têm 8 milhões de visualizações. Esses vídeos incluem pessoas como Errol Coleman, que diz estar de férias desde maio da Universidade Estadual de Adams, no Colorado, para focar em investimentos. A seus mais de 200.000 seguidores no TikTok e mais de 6.000 no YouTube, ele dá explicações a respeito de tudo, desde como identificar uma súbita alta de ações até os papéis que são vendidos a preço de banana.
Em alguns casos, os traders da Robinhood podem mover mercados. No início de junho, eles chamaram atenção ao ir com tudo para cima da Hertz, provocando uma disparada nas ações da falida empresa de locação de veículos. À medida que o volume de negociações da Hertz inflava, o número de traders da Robinhood com a ação subiu para 160.000 em determinado momento — cerca de 100.000 a mais do que no mês anterior.
Foi uma loucura — geralmente, acionistas de empresas falidas são varridos para longe —, mas, enquanto a ação era negociada a menos de um dólar, talvez também fosse divertido para alguns investidores apostar que dificilmente as coisas podiam piorar mais. Há um subgrupo bastante visível de clientes da Robinhood com um gosto por riscos que já foi visto como exótico no passado. O mercado de opções — essencialmente um meio de ampliar tanto ganhos potenciais quanto perdas ao movimentar ações — explodiu em popularidade entre traders menores neste ano. A Robinhood ajudou a preparar o cenário para isso quando começou a oferecer negociações gratuitas de opções, em 2017.
A Robinhood abraça a ideia de que o investimento deveria ser acessível e, sim, empolgante. Seus executivos com frequência usam o “vale-do-silicismo” de que utilizar o produto deles deveria ser algo “delicioso”, palavra raramente associada a investimento em ações. Para os críticos, o app da Robinhood incentiva os usuários a ver investimento como um jogo.
Os investidores ganham parabéns por sua primeira negociação com uma animação de confetes no app. “É como jogar pôquer. Enquanto você tiver um pouco de dinheiro, pode sentar à mesa e começar a competir”, diz Charles Rotblut, vice-presidente da Associação Americana de Investidores Individuais.
Estudos acadêmicos têm mostrado que, quanto mais investidores autodidatas negociam ativamente, pior tende a ser seu desempenho. A maioria desses estudos foi feita antes do fim das comissões por corretagem, um dos maiores entraves ao desempenho dos traders. Porém, ao mesmo tempo em que os custos têm caído, os mercados têm, no mínimo, se tornado mais acelerados e mais competitivos. Qualquer um que negocie com um aplicativo de celular está tentando superar o raciocínio de profissionais cada vez mais sofisticados do outro lado da banca. Ainda não é uma disputa em pé de igualdade.
A Robinhood e seus apoiadores de capital de risco garantem que tais preocupações são elitistas. “Existe de fato essa ideia de que, se você é novo no mercado, você está apostando ou jogando. Mas, se você tem dinheiro, está investindo”, diz Gretchen Howard, diretora de operações da Robinhood. Ela diz também que há exageros quando se fala sobre os aspectos de gamificação do aplicativo. “Não jogamos confete toda hora”, afirma Howard. “Só porque você comemora um momento de participação no mercado, não acho que isso tenha virado um jogo.”
Os cofundadores Tenev, de 33 anos, e Baiju Bhatt, de 35, que se conheceram quando eram alunos da Universidade Stanford, começaram trabalhando com grandes investidores. Antes de criar a Robinhood, os dois tinham um fundo de investimento especulativo chamado Celeris, que usava estratégias de negociação de alta frequência, e uma empresa de software, a Chronos Research, voltada para traders algorítmicos.
Embora isso pareça um mundo completamente distinto do mundo da Robinhood, as empresas de trading de alta velocidade são parte do que possibilita o livre investimento no varejo. Parte dessas empresas ganha dinheiro basicamente processando operações de corretagem, lucrando com o pequeno spread entre o preço que um investidor está disposto a pagar por uma ação e o preço pelo qual alguém decide vendê-la.
Tais empresas ganham o suficiente para pagar corretoras que direcionem negócios para elas, uma prática conhecida como pagamento por fluxo de ordem. Foi assim que a Robinhood nasceu com uma fonte de receita embutida.
Tenev e Bhatt realizam toda semana reuniões abertas com sua equipe. Qualquer funcionário pode fazer perguntas sobre a trajetória e o plano de negócios da empresa. Em uma piada interna recorrente, um cofundador pergunta ao outro qual é mesmo a missão da Robinhood. A resposta é sempre a mesma: tornar as finanças mais acessíveis a todos.
Como é típico das empresas do Vale do Silício, a acessibilidade está ligada a confiar na tecnologia, e não em seres humanos. O app não oferece nenhum número de telefone de suporte ao cliente. (Oferecia um ano atrás, mas ele foi removido.) A diretoria se gabava em sua apresentação de ter 23.700 clientes por funcionário, enquanto a Schwab tinha 595. Afirmou a potenciais investidores de venture capital que usaria um “design de produto excelente” para conseguir “adoção viral”, numa época em que a empresa tinha cerca de 600 funcionários.
O tamanho atual, de cerca de 1.000 empregados, ainda é enxuto se comparado aos mais de 22.000 funcionários da Schwab, o peso-pesado da indústria que tem filiais por todo o país.
Thai Gaon fez suas primeiras negociações de ações na Robinhood há quatro anos, quando um amigo lhe enviou um código de indicação para abrir uma conta e receber gratuitamente uma fração de um título. Ele retomou a negociação no app este ano e, embora seja um cliente dedicado, diz que “o serviço de atendimento ao cliente é completamente horrível”.
Usuários da Robinhood reclamam com frequência de que não há para quem ligar quando o aplicativo tem um problema ou quando alguém tem dúvida em relação à sua conta. Tenev diz que a Robinhood tem “foco insano no consumidor” e revê constantemente o modo como oferece suporte. “Historicamente, achamos que o melhor jeito de oferecer nosso serviço em grande escala e de responder a dúvidas do público tem sido por e-mail”, diz Tenev. “Só oferecer um número de telefone não é uma bala de prata.”
Essa atitude tem causado a debandada de alguns dos maiores entusiastas da Robinhood. JJ Buckner, de 29 anos, tem um canal no YouTube focado em investimentos que virou seu emprego em tempo integral desde agosto. Sua audiência começou a disparar em março, com vídeos com títulos como “Meu portfólio de dividendo em ações da Robinhood” e “Ações que estou comprando durante esta quebra da bolsa”, chegando a dezenas de milhares de visualizações. Ele começou a vender canecas e agasalhos estampados com as frases: “Beba cerveja. Compre ações”.
Em 14 de outubro, Buckner anunciou que tinha deixado a plataforma da Robinhood e migrado para a da Fidelity. Suas principais queixas: o atendimento ao cliente da Robinhood é fraco, o app parece travar demais e a preocupação com um incidente recente envolvendo hackers no qual quase 2.000 contas de clientes da Robinhood foram comprometidas. “Eu vou dormir melhor sabendo que tenho minha conta em uma corretora mais confiável e que vem fazendo isso há muito mais tempo”, diz Buckner.
A Robinhood afirma que os ataques de hackers não foram uma invasão do sistema da empresa, mas resultado de cibercriminosos que tiveram acesso a e-mails de clientes ligados às suas contas na plataforma de investimentos. As vítimas reclamaram no Twitter e no LinkedIn, e algumas disseram não acreditar que o problema estivesse no e-mail. Sem um número de emergência para ligar, as vítimas não tinham a quem recorrer enquanto milhares de dólares sumiam de suas contas.
“Se durante nossas investigações identificarmos que clientes estão tendo perdas com atividades não autorizadas, vamos compensá-los integralmente por essas perdas”, disse um porta-voz da Robinhood.
Na primeira metade de 2020, agências americanas de proteção ao consumidor receberam mais de 400 reclamações contra a Robinhood, quase quatro vezes o número de queixas de competidores da empresa, como a Schwab e a Fidelity, segundo noticiou a Bloomberg em agosto. Clientes frustrados reclamavam de quedas do serviço e da ausência de suporte ao usuário. A Robinhood respondeu dizendo que dobrou sua equipe de atendimento ao cliente e está contratando centenas de funcionários, além de melhorar a confiabilidade de sua plataforma.
No início deste ano, um incidente trágico chamou a atenção para alguns dos riscos de apresentar novatos a mercados complexos. Alexander Kearns, de 20 anos, cometeu suicídio em junho, depois de sua conta na Robinhood mostrar um saldo negativo de mais de 700.000 dólares, segundo uma série de tuítes de seu cunhado Bill Brewster. Em um bilhete deixado por Kearns, ele dizia “não ter a menor ideia” do que estava fazendo.
Para Brewster, Kearns visualizou somente as perdas em uma operação de vários passos de uma opção de negociação; como não viu o saldo final, Kearns teria interpretado equivocadamente sua dívida. Em um comunicado, Tenev e Bhatt se disseram “pessoalmente arrasados” pelo que aconteceu, e a empresa realizou mudanças em seu aplicativo para tornar a negociação de ações mais fácil de entender.
Até agora, as tentativas da Robinhood de ir além do trading foram acidentadas. No ano passado, a empresa abruptamente recuou de um pedido para obter uma licença bancária, mudança que lhe permitiria oferecer seus próprios cartões de débito e contas garantidas pela Federal Deposit Insurance Corp. (a Companhia de Seguro de Depósitos Federais). Hoje, a empresa trabalha com outros bancos para oferecer um cartão de débito e garantias para seu produto de gestão de caixa.
Em 2018, a empresa arruinou o lançamento de um produto diferente de conta e poupança que vinha planejando. A Robinhood afirmou que a Securities Investor Protection Corporation (SIPC, a corporação encarregada de proteger clientes de corretoras falidas) garantiria o dinheiro dos clientes. Mas a SIPC protege somente recursos em contas de corretagem nos casos específicos em que uma corretora falha e não oferece o tipo de proteção indiscriminada a perdas que os clientes de banco costumam receber da FDIC. A SIPC disse que a Robinhood não havia entrado em contato com a entidade antes de anunciar o plano.
Tenev se incomoda com a ideia de que seus clientes sejam day traders sem noção: “Uma porcentagem muito pequena de nossos clientes está envolvida em day trade e em negociações ativas”. Diz ele que vários clientes têm feito investimentos recorrentes no mercado, usando as ações fracionadas. O que indica uma possibilidade curiosa. Com comissões zero e a possibilidade de comprar pequenas porções de uma ação, pequenos investidores poderiam, em tese, usar a Robinhood e seus imitadores para construir para si o tipo de portfólio de baixo custo e diversificado que anteriormente tinham de adquirir de gestoras de fundos, como a Vanguard e a BlackRock.
Certamente, há mercado — e público — para essa abordagem. Kamilah O’Brien, 40 anos, tem um canal no YouTube chamado Focused Spender (“Gastador Focado”), no qual compartilha dicas de finanças pessoais em temas que vão de como economizar para uma emergência a como se livrar de dívidas. Mas um vídeo feito por ela sobre investir 500 dólares em várias ações em uma conta da Robinhood é até hoje o mais popular de todos, com 612.000 visualizações. “Não gosto de fazer só vídeos de investimentos — mas os vídeos de investimentos tendem a ter um desempenho muito melhor”, diz O’Brien. “Tenho meus investimentos iniciais na Robinhood, mas não volto e não opero de modo ativo.”
Neste momento, o trading ainda é importante para o modelo de negócios da Robinhood. No ano passado, a empresa esperava conseguir a maior parte de sua receita só com o grande volume de negócios por meio de pagamentos por fluxo de pedidos, em que previa receber 180 milhões de dólares. A prática é legal e comum, mas a Robinhood não a divulgava de forma ampla até outubro de 2018, poucos dias antes de a Bloomberg News identificar o expediente como uma fonte significativa de receita para a empresa. A SEC está investigando o comunicado da empresa; a Robinhood se recusa a comentar sobre o caso.
Críticos dizem que tais pagamentos geram questionamentos em torno do conflito de interesses ao encorajar o encaminhamento dos pedidos dos clientes à corretora que paga mais, e não à que oferece o melhor preço. As regras da SEC exigem que os corretores busquem a melhor combinação de preço, velocidade e confiabilidade. Os reguladores já deram um cartão amarelo à Robinhood antes, por causa das práticas da empresa de pagamento por fluxo de pedidos. A empresa concordou em pagar uma multa de 1,25 milhão de dólares para encerrar uma ação da Autoridade Reguladora da Indústria Financeira, que fiscaliza empresas de corretagem, por não ser atenta o bastante para garantir que seus clientes estivessem recebendo a melhor execução possível de encomendas de ações durante o período de um ano a partir de novembro de 2017, acusação que a Robinhood não reconheceu nem refutou. A Robinhood diz que nunca leva pagamento em conta na hora de decidir para onde encaminhar uma operação.
À medida que a Robinhood tenta convencer seus usuários de que pode ser mais do que um app de negociação, a empresa pode ter dificuldade para se livrar de sua imagem de caubói. Mo Calestini, de 32 anos, desativou sua conta depois de conseguir emprego como consultor financeiro assistente em um grande banco americano, que o proíbe de usar uma corretora externa. Ele diz que ficaria feliz em retornar, ainda que dificilmente fosse usar o aplicativo para qualquer coisa além de negociação. “Day trading é o que mais quero do app”, diz ele. “No fim das contas, eu transferiria qualquer lucro ou rendimento que obtivesse para uma conta mais segura.”
* Com Sophie Alexander, Ben Bain e Rob Schmidt / Tradução de Fabrício Calado