Revista Exame

Um brasileiro tenta escapar da decepção dos carros chineses

Após uma chegada empolgante, as montadoras chinesas viram suas vendas cair pela metade em três anos. Um empresário brasileiro luta para não ser o maior perdedor dessa história

Habib, da JAC Motors: ele abriu mão do controle da marca no país  (Germano Lüders/EXAME)

Habib, da JAC Motors: ele abriu mão do controle da marca no país (Germano Lüders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2014 às 14h48.

São Paulo - A história das montadoras chinesas no Brasil pode ser dividida em antes e depois de 2011. Naquele ano, com carros populares baratos e equipados com câmbio automático e air bag, empresas como JAC, Chery, Changan e Lifan saíram do anonimato para conquistar 2% do mercado.Foram 60 000 veículos vendidos num ano.

Juntas, as chinesas faturaram em 2011 cerca de 2 bilhões de reais. De longe, a mais agressiva das novatas foi a JianGhuai Automobile Company, conhecida como JAC Motors. Seu presidente no Brasil era Sergio Habib, ex-presidente da Citroën e um dos maiores vendedores de carros do país.

Sozinho, ele vendia 60 000 automóveis por ano. Habib viu na chegada dos chineses a chance de virar dono de montadora. Ele investiu 380 milhões de reais para lançar a JAC. Contratou o apresentador Fausto Silva como garoto-propaganda, abriu 50 revendas em um mesmo dia em março de 2011 e ofereceu garantia de seis anos.

Mas, passados dois anos, os chineses continuam onde estavam até 2011 — lutando para chegar a 1% do mercado. Habib gastou como ninguém para ser o grande beneficiado pela chegada das novas montadoras — mas, até agora, é a maior vítima do malogro chinês. 

O responsável pela queda fulminante foi o governo federal. Em setembro de 2011, o governo anunciou um aumento de 30 pontos percentuais no imposto sobre produtos industrializados para importados de fora do Mercosul.

Ficou a suspeita de que o objetivo não declarado da medida seria frear o crescimento da chinesada, que tirava o sossego das grandes montadoras. Se essa era a ideia, o sucesso foi estrondoso. O compacto J3, carro mais vendido da JAC, passou a ter um custo no atacado 8 000 reais mais alto.

Para se adequar, Habib anunciou, em outubro, que investiria 900 milhões de reais na construção de uma fábrica da JAC em Camaçari, na Bahia. Mas, em 2012 e 2013, suas vendas caíram 32%, e Habib reduziu sua ambição. “Se pudesse voltar atrás, não teria investido o que investi, principalmente na rede”, diz Habib. “Mas era impossível prever que as regras mudariam tão rápido.” 

Em vez de chegar ao topo, a prioridade no último ano foi sobreviver. Primeiro, Habib enxugou a área comercial. Ele havia investido 250 milhões de reais para criar uma rede de 70 revendas. Chegou a converter para a bandeira JAC dez concessionárias Ford que eram controladas por ele.

Como deu tudo errado, começou nos últimos meses a cortar sem dó. Sobraram 39 lojas da marca chinesa, das quais 33 são de Habib e seis de franqueados. Outra medida foi conter os investimentos com propaganda — de 100 milhões de reais há três anos para 25 milhões em 2013.

Em vez de comerciais com Faustão no Jornal Nacional, a empresa passou a investir em animações na internet. Habib ainda vendeu em 2013 a Best Fleet, locadora de veículos orientada para o mercado corporativo, para a Unidas por 185 milhões de reais. Hoje, quanto menos China, melhor para ele.

Para evitar que a crise chinesa ameace o restante de seu império automotivo, Habib abriu mão do controle da JAC no Brasil. A fábrica da Bahia, anunciada na época em que a JAC batia recorde de vendas, exigiria um investimento que o empresário não tem mais condições de fazer.

O projeto tem enfrentado sucessivos adiamentos e a fábrica nem sequer saiu do chão. A terraplenagem está 97% feita, mas todas as obras foram paralisadas por falta de capital e por indefinições no financiamento do projeto. A previsão inicial era inaugurar a fábrica no começo de 2014.

Em março, Habib inverteu sua posição na sociedade com os chineses — de 66% para 34%. Agora, é responsabilidade da JAC, que tem 75% de seu capital na mão do estado chinês, investir o que falta para terminar a fábrica. “O dinheiro começará a chegar no fim de junho, e pretendemos inaugurar a fábrica no segundo semestre de 2015”, diz Habib. 

Terminar a fábrica é crucial para os planos da JAC no país — e o Brasil é fundamental em sua estratégia global. Até 11 anos atrás, a companhia só fabricava caminhões. Entrou no mercado de carros para aproveitar a disparada do consumo na China. Mas a produção da JAC, de cerca de 600 000 veículos por ano, está estagnada, assim como sua participação no mercado doméstico.

A empresa também enfrenta indefinições quanto ao futuro. O governo chinês já anunciou planos de consolidar o mercado nacional de automóveis, e a JAC seria um alvo óbvio para uma concorrente instalada na mesma província de Anhui, a Chery — que, em 2013, fabricou cerca de 700 000 carros.

No Brasil, a Chery teve a vantagem de anunciar uma fábrica dois meses antes do aumento do IPI e largou na frente.

Mesmo após a queda de 63% nas vendas desde 2011, o plano é iniciar até novembro a produção de seu compacto Celer em uma nova fábrica em Jacareí, no interior paulista, que está recebendo investimentos de 900 milhões de reais e terá capacidade para montar 50 000 veículos por ano. A marca já tem 68 revendas no país.

“Seguimos um planejamento rígido e não pulamos etapas para consolidar nossa marca”, diz o presidente da Chery, Luis Curi, num claro cutucão em Habib e seu início espetaculoso. Será a terceira fábrica de carros da Chery fora da China. “O Brasil é fundamental para o futuro da companhia.”

Reclamações em alta 

Nesse cenário, o maior desafio das chinesas é manter viva a marca enquanto suas fábricas não ficam prontas. Para a JAC, que precisa sobreviver por mais um ano e meio só com produtos importados, a situação é crítica. Em abril de 2013, a JAC recebeu 48 reclamações de consumidores no site Reclame Aqui e, em abril deste ano, o número saltou para 97.

Na média, de cada sete modelos JAC vendidos no Brasil, pelo menos um gerou reclamação no site. É a média mais alta do setor. Alguns dos maiores problemas são falha na prestação de serviços de pós-venda e atraso na entrega de peças de reposição — reflexo da redução do número de concessionárias.

Em Palmas, no Tocantins, onde a JAC fechou uma concessionária, consumidores reclamam que foram encaminhados à revenda de Goiânia, a 875 quilômetros de distância. Em Santa Catarina, as revendas de Blumenau, Brusque e Itajaí deixaram de funcionar em 2013, e os clientes passaram a fazer a revisão em Florianópolis.

Habib diz que oficinas autorizadas pela JAC já foram ou estão sendo credenciadas nas cidades em que as concessionárias foram fechadas. A meta é vender 12 000 carros neste ano — 25% menos do que em 2013. Um volume, segundo ele, suficiente para segurar as pontas enquanto a fábrica não vem.

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