Revista Exame

O IPT de portas abertas para os negócios

Prestes a completar 120 anos, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas quer atrair empresas e startups para seu campus

Túnel de vento: testes verificam a segurança do que será o maior prédio de Goiânia  (Germano Lüders/Exame)

Túnel de vento: testes verificam a segurança do que será o maior prédio de Goiânia (Germano Lüders/Exame)

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Eduardo F. Filho

Publicado em 20 de junho de 2019 às 05h44.

Última atualização em 1 de agosto de 2019 às 17h08.

O galpão de número 45 do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, em São Paulo, parece só mais um prédio da Cidade Universitária, mas dentro dele está o maior túnel de vento da América Latina. No maquinário, de 40 metros de comprimento, são feitos estudos de aerodinâmica de edificações, navios e veículos, e de otimização de estruturas. Nesse laboratório foram realizados os testes de segurança dos estádios do Castelão, em Fortaleza, e da Arena Pantanal, em Cuiabá, para a Copa do Mundo de 2014.

Visto de fora, o túnel de vento se assemelha a uma grande filmadora, dividida em duas partes. A primeira seria uma lente em forma de funil que abriga um ventilador com dez hélices. A outra parte é o corpo da máquina revestido de madeira. Em seu interior, há dezenas de pequenos blocos de madeira com alturas variáveis e que representam prédios, casas e lojas. É nessa maquete que é testada a força do vento em diferentes situações. Durante uma visita da reportagem de EXAME, os testes simulavam as condições que um novo edifício, a ser construído pelas incorporadoras City e OM, em Goiânia, enfrentará na vida real. A torre terá 45 andares, com 170 metros de altura, e será o prédio mais alto da capital goiana.

O ventilador começa a girar lentamente e, em segundos, atinge 90 quilômetros por hora. É quase como estar dentro de um furacão (assim classificado quando o vento atinge uma velocidade igual ou superior a 108 quilômetros por hora). O vento passa pelos blocos que emulam prédios e gera as vibrações necessárias para o estudo. “Escolhemos o IPT porque o instituto é referência nacional em estudos e pesquisas. Ele vai nos dar uma segurança maior para a construção do prédio”, diz João Gabriel Tomé Oliveira, diretor comercial da City Incorporadora, que pagou 120 000 reais pelo ensaio no túnel de vento. A empresa está investindo 150 milhões de reais em seu novo empreendimento em Goiânia.

Prestes a completar 120 anos, no dia 26 de junho, o IPT é um raro exemplo de instituição que atravessou o tempo e está se reinventando — sobretudo num país que conta com tão poucas empresas e organizações centenárias. Hoje, ele é o maior centro de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico da América Latina. O campus principal, localizado na Cidade Universitária, na capital paulista, tem mais de 103 000 metros quadrados de área construída. Além disso, há mais dois espaços no interior paulista, um em São José dos Campos e outro em Franca.

A sede tem 65 prédios, divididos em 12 centros tecnológicos, como o Núcleo de Bionanomanufatura e o Centro de Tecnologias Geoambientais. Com mais de 40 laboratórios, trabalham ali cerca de 1.000 pessoas — 300 com títulos de mestre ou doutor. Vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do estado de São Paulo, o IPT atendeu no ano passado 3 000 clientes, sendo 95% empresas privadas. Nessa longa trajetória, o interesse do capital privado cresceu recentemente. Até 2011, quase toda a produção do IPT era voltada para demandas públicas: de estados, municípios ou estatais.

O futuro, porém, promete ser diferente. A instituição se prepara para receber em seu campus centros de pesquisas de grandes empresas, -startups e outras organizações científicas. “O governador João Doria me colocou um desafio: ao final de quatro anos, o instituto precisa gerar um faturamento de mais de 1 bilhão de reais em serviços e projetos”, diz Jefferson de Oliveira Gomes, que assumiu a presidência do IPT em janeiro.

Tanque de provas: ensaios nos cascos dos barcos para testar a força do material | Germano Lüders

Ex-diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Gomes foi escolhido por Doria para tocar o projeto de abertura do instituto, batizado de IPT Open. Pela primeira vez, o IPT abrirá as portas para que empresas — antes meras clientes — possam se instalar em sua área. A ideia é atrair startups, grandes empresas nacionais e multinacionais, centros de pesquisa e institutos de ensino, como a própria USP, a Unesp e o ITA, que já têm acordos de cooperação com o instituto.

O que o Vale do Silício, nos Estados Unidos, e outras áreas que aglomeram startups ensinam é que a proximidade — seja no laboratório, seja no cafezinho — entre gente que inova ajuda a gerar mais inovações. Para abrigar esse pessoal, uma grande revitalização está sendo programada e exigirá investimentos de 14 milhões de reais. Nenhum prédio será demolido ou construído. Os sete edifícios mais antigos do campus serão reformados e passarão a abrigar as empresas e outras organizações de pesquisa. Ocorrerá também uma mudança estética, que retrata o novo momento do instituto: as grades que separam o IPT do resto da Cidade Universitária virão abaixo. “Se queremos nos aproximar mais da sociedade, não podemos ter muros”, diz Gomes.

MIT: o entorno do instituto de tecnologia americano inspira o projeto do novo IPT | Getty Images

Nas próximas semanas, o governo paulista deverá lançar um edital para a ocupação do espaço liberado, que será feita por meio de uma parceria público-privada. O primeiro chamamento será de empresas interessadas em ocupar o 1o andar do prédio principal do instituto, uma área de 2.700 metros quadrados, e terá como prioridade empresas de tecnologia ligadas à saúde. O plano é atrair recursos de 15 milhões de reais nessa rodada. Já há uma candidata a se instalar — a empresa desenvolve produtos com inteligência artificial.

Se tudo correr bem, será uma mudança e tanto nos rumos do IPT, cuja história remonta a 1893, ano da fundação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Na época, com a economia do estado em ebulição, a elite e o governo paulista apoiavam e investiam em diferentes tipos de pesquisa nos setores de engenharia e tecnologia. Por isso, a Politécnica resolveu priorizar o ensino em laboratórios.

Um dos primeiros, construído em 1899 pelo engenheiro Francisco de Paula Souza, foi o Gabinete de Resistência dos Materiais, responsável pela tecnologia empregada na fabricação dos tubos de ferro fundido para os sistemas de água e esgoto de São Paulo e pelos estudos de materiais utilizados na construção do Edifício Martinelli, o primeiro arranha-céu de São Paulo, cuja construção foi iniciada em 1924. Com o sucesso dessas iniciativas, o órgão foi rebatizado de Laboratório de Ensaios de Materiais em 1926. Apenas em 1934, o lugar recebeu o nome de IPT.

Desde o início, o instituto cresce à medida que o estado de São Paulo e o país se desenvolvem. O IPT foi responsável pelos ensaios do uso de gás na iluminação de São Paulo e forneceu assistência tecnológica à pavimentação de ruas da capital. Também deu apoio à construção de ferrovias e rodovias em diversos estados, desenvolveu estudos geológicos na área onde futuramente seria construída Brasília e prestou serviço nas construções de diferentes usinas hidrelétricas e barragens pelo Brasil — ajudou a tornar viável, por exemplo, a construção da Usina de Paulo Afonso, na Bahia, um complexo trabalho de engenharia nos anos 50 que exigiu controlar e reverter o fluxo do Rio São Francisco. “O IPT participou de todas as etapas da Revolução Industrial no país”, diz Vahan Agopyan, reitor da Universidade de São Paulo e ex-presidente do instituto, onde começou sua carreira como pesquisador em 1985.

Um dos laboratórios mais antigos do IPT é o de simulações oceânicas, chamado de Tanque de Provas. Com 280 metros de comprimento, 6 de largura e 4 de profundidade, o aquário gigante faz estudos de hidrelétricas e engenharia naval. Cascos de navios são imersos na água para a avaliação de aspectos como desempenho hidrodinâmico, força e resistência do material. Também são feitos estudos em dutos que ligam plataformas de exploração aos poços de petróleo. “Estudamos a vibração que a força da correnteza pode ocasionar nos tubos e como eles se comportam com a força que vem de dentro dele”, afirma João Lucas Dozzi Dantas, chefe do laboratório de Engenharia Naval e Oceânica. Entre os principais clientes do Tanque de Provas estão a Petrobras, estaleiros e empresas de transporte fluvial. Um ensaio dentro desse laboratório pode custar até 500.000 reais.

Crescimento apesar da crise

Outro espaço que os pesquisadores do IPT mostram com particular orgulho é a Câmara Anecoica — ou seja, à prova de som. Instalada no subsolo de um dos edifícios mais afastados do campus, a câmara é responsável por testes de eletromagnetismo em equipamentos médicos, lâmpadas e luminárias LED, celulares, aparelhos de rádio e televisão. O IPT também tem parceria com o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) para a realização de testes de qualidade. Quando aprovado, o produto recebe o certificado e o selo do Inmetro. “Trabalhamos muito com o auxílio ao fabricante”, diz Marcelo Dias, pesquisador do IPT. “Às vezes, a empresa quer fazer apenas uma prova para verificar se o produto está dentro das normas antes de realizar o teste de certificação.”

Embora preste serviços para empresas privadas, o IPT depende de verbas públicas para pagar as contas. Hoje, 60% do orçamento anual de 181 milhões de reais vem do governo do estado. Essa participação cresceu nos últimos anos em razão da crise econômica, que levou a uma redução na demanda por serviços do instituto. Em 2018, o faturamento com a venda de serviços foi de 85 milhões de reais. “O governo sabe da situação de crise que estamos vivendo e sabemos do potencial do instituto. Não há motivos para cortes no orçamento destinado ao IPT, muito pelo contrário”, diz Patrícia Ellen, secretária de Desenvolvimento Econômico de São Paulo, à qual o IPT está vinculado.

Câmara à prova de som: toda blindada, ela é responsável por fazer testes de eletromagnetismo em diversos aparelhos | Germano Lüders

O modelo que o instituto persegue agora com a abertura de seu campus para a iniciativa privada já foi adotado há muito tempo lá fora por instituições de renome, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, e a Associação Fraunhofer, na Alemanha. “Temos um polo econômico, social e educacional muito forte.

Em poucos lugares no mundo há algo parecido. Essa área precisa ser 100% inovação, seja ela pública ou privada”, diz Gomes, que fez parte do doutorado na Fraunhofer e intermediou dezenas de projetos de cooperação entre o Senai e o MIT. Para ele, a principal fonte de inspiração, na verdade, é a chamada Kendall Square, localizada em Cambridge, nas proximidades do MIT e da Universidade Harvard. O bairro, conhecido como “a milha quadrada mais inovadora do planeta”, em razão da alta concentração de empresas de ponta e da qualidade da inovação que surgiu por ali desde 2010, concentra mais de 100 companhias. A região, que no século 19 abrigava destilarias, fábricas de sabão e meias, passou a ser disputada por empresas da nova economia, como Google, Facebook, Amazon, IBM e Nokia, além de hotéis e restaurantes. Ali trabalham hoje cerca de 50.000 pessoas.

Todo país sonha em ter uma indústria de inovação pujante. Os benefícios, obviamente, são mais empregos de melhor qualidade, geração de renda e aumento da produtividade. Tudo isso não acontece por acaso. É preciso construir um ecossistema que conjugue universidades, centros de pesquisas, empresas e, claro, investimentos. “No caso do IPT, se não aumentar o orçamento, renovar os quadros e atrair empresas, tudo não passará de um sonho. São necessárias grandes mudanças para isso acontecer”, diz o biólogo Fernando Reinach, sócio do fundo de capital de risco Pitanga e ex-presidente da Fapesp, instituição pública paulista de fomento à pesquisa. Para quem passou mais de um século fechado, a abertura pode ser lenta e cheia de percalços, mas espera-se que seja transformadora.


“VAMOS AUMENTAR O NÚMERO DE UNICÓRNIOS”

O presidente do IPT, Jefferson Gomes, fala sobre os planos de abertura do instituto — e como pretende ampliar a receita com inovação | Eduardo F. Filho

Jefferson Gomes, presidente do IPT: ele buscou inspiração em centros tecnológicos da Alemanha e dos Estados Unidos | Divulgação

No comando do IPT desde janeiro, o catarinense Jefferson Gomes, de 49 anos, gesticula com entusiasmo e fala com brilho nos olhos quando o assunto é o projeto de abertura da instituição. Nascido em Florianópolis, Gomes é engenheiro mecânico, com mestrado e doutorado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Foi professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica e trabalhou em diversos projetos da Associação Fraunhofer, em Berlim, e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge, nos Estados Unidos, além de ter sido diretor regional do Senai de Santa Catarina. Com a agenda cheia, mas sempre deixando um tempo para caminhadas diárias no final da tarde na Cidade Universitária, Gomes deu a seguinte entrevista a EXAME.

O que levou o senhor a idealizar a abertura do IPT?

Foi a capacidade de inovação da região onde estamos instalados. Estamos perto das avenidas Faria Lima, Paulista e Berrini, onde se concentram quase 80% dos unicórnios brasileiros [empresas avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares antes da abertura do capital na bolsa de valores]. Temos o ITA, a Unicamp e a Unesp num raio de 100 quilômetros, e a maior universidade da América Latina, a USP, é nossa vizinha. Em poucos lugares do mundo encontramos uma região tão rica quanto esta. A área do IPT é equivalente à do MIT e à da Kendall Square, ambas em torno de Boston.

Seu plano é transformar o IPT em um MIT brasileiro?

Não. O MIT serve de inspiração, assim como a Associação Fraunhofer. Mas o IPT precisa ter identidade brasileira. Não adianta copiar o modelo de gestão ou o modelo de sobrevivência deles, porque isso não funcionaria aqui. As leis são distintas, as pessoas e as culturas são diferentes. Servem de inspiração porque conseguiram juntar várias linhas de desenvolvimento em um só lugar. Centros de pesquisas, universidades e empresas fazem parte de um só complexo. Não existe mais separação em lugar nenhum. Precisamos agregar todos em um só espaço.

Como será feito o IPT Open?

Estamos nos movimentando por partes. O primeiro passo foi retirar do instituto a parte administrativa, que ocupava sete prédios do complexo, e realocar em dois menores, de três andares. Os burocratas precisam dos menores e piores prédios — eles são parte do custo, e não da receita. Agora nós iremos derrubar a grade que circunda o instituto e a colocaremos apenas nos laboratórios que tenham pesquisas e projetos sigilosos. A ideia é ter um espaço amplo e aberto de integração entre sociedade, instituto, empresas e universidades. Minha maior ambição aqui é alcançar uma atmosfera de inovação.

O senhor já tem todas essas linhas de desenvolvimento?

Sim, no dia 26 de junho anunciaremos a primeira grande empresa que se instalará dentro do IPT, na área de inteligência artificial. E estamos conversando com universidades, públicas e particulares, como a USP, a Unip, a Unesp e o ITA, e há articulações em andamento com grandes centros de ensino internacionais também. Um já concordou em se instalar no complexo.

Quase 60% do orçamento do IPT vem do estado. O senhor não tem receio de essa ajuda diminuir?

O governo está de acordo com todos os planos e desejos que apresentamos para o IPT. Temos grandes parcerias com empresas privadas e também com as públicas. O governador João Doria me colocou um desafio: ao final de quatro anos, o instituto precisa movimentar mais de 1 bilhão de reais em serviços e produtos.

O senhor acredita que cumprirá o desafio feito pelo governador?

Com toda a certeza. Eu acredito que chegaremos a uma receita de 4 bilhões de reais. Vamos gerar um capital borbulhante dentro do instituto. E também vamos ajudar a aumentar o número de empresas unicórnios no Brasil. Atualmente temos oito, e no final desses quatro anos teremos mais dez. Vamos ajudar a aumentar o número de bilionários no país.

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