Revista Exame

Ciência ajuda o governo a pensar como o cidadão

O economista inglês Luke Ravenscroft veio ao Brasil para discutir como implantar a ciência comportamental na gestão pública do país

Ravenscroft, da The Behavioural Insights Team: “Antes de tomar qualquer decisão, um governo precisa testar a medida extensivamente” (Divulgação/Divulgação)

Ravenscroft, da The Behavioural Insights Team: “Antes de tomar qualquer decisão, um governo precisa testar a medida extensivamente” (Divulgação/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de março de 2018 às 05h00.

Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 15h40.

ciência comportamental é uma linha de pesquisa acadêmica  que mistura conceitos de economia e psicologia para entender o que leva as pessoas a tomar decisões. A teoria voltou aos holofotes em 2017, quando o economista americano Richard Thaler, um dos expoentes dessas pesquisas, levou o Nobel de Economia pelas contribuições para entender as razões por trás de boas — e más — decisões nos negócios e nas finanças. O que pouca gente sabe é que, para além do mundo corporativo, a ciência comportamental pode melhorar o Estado. Como? Ajudando gestores públicos a entender como o cidadão quer ser atendido — e aumentando a eficiência do governo. É o que Thaler e o economista inglês Luke Ravenscroft têm feito na Behavioural -Insights Team, organização social fundada em 2010, que tem Thaler entre os conselheiros e presta serviços ao governo britânico, ajudando-o a usar a ciência comportamental. Ravenscroft, conselheiro para expansão internacional da Behavioural Insights Team, esteve no Brasil no fim de 2017 a convite da ONG Travessia e das consultorias Flow e Elo Group para discutir como implantar a ciência comportamental na gestão pública brasileira. A seguir, ele explica os benefícios da medida.

Como a ciência comportamental pode ser útil ao Estado?

A ciência comportamental mistura psicologia e economia para entender padrões e hábitos de um grupo de pessoas. Há diversas aplicações desse conceito. Em governos, queremos entender como funciona a cabeça das pessoas para criar políticas públicas bem-sucedidas na visão dos usuá-rios. O objetivo é que o governo tome decisões com base no comportamento dos cidadãos em vez de se basear naquilo que o governo acha que é o correto. Obrigar o cidadão a seguir os passos do governo é uma receita infalível para uma política pública ser pouco seguida — e fracassar.

Existe receita para criar uma política pública bem-sucedida?

Em primeiro lugar, antes de tomar qualquer decisão que afete a vida dos cidadãos, um Estado precisa testar a medida extensivamente até encontrar a condição ideal para ela ser adotada. Além disso, os resultados das mudanças devem ser comparados com o que existia até então. É como na criação de um remédio: antes de ir às farmácias, a droga precisa passar por inúmeros testes e comprovar ser mais eficaz do que os medicamentos já existentes. Se esse rigor é aplicado às pílulas que tomamos, porque não aplicá-lo também na forma como nossos filhos são educados numa escola pública ou na estratégia contra o crime? Foi com isso em mente que o governo britânico me procurou.

Por que o governo britânico demonstrou interesse no assunto?

Havia uma necessidade, na época, de tornar o Estado mais eficiente sem gastar quantias elevadas em novos processos ou tecnologias. Numa das primeiras experiências bem-sucedidas com ciência comportamental, aumentamos em 16% o número de britânicos que pagam impostos em dia — o suficiente para aumentar em 200 milhões de libras a arrecadação anual do governo. Fizemos isso sem gastar um centavo. Como? Acrescentando às cartas aos sonegadores frases como: “Nove em cada dez contribuintes ao seu redor pagam os impostos no tempo certo”. As pessoas normalmente se importam com o que as outras estão fazendo. Ter a consciência de que estão numa minoria que não paga imposto corretamente é um bom motivo para querer quitar logo os débitos atrasados.

A ciência comportamental pode mudar serviços públicos já existentes?

Sim. Prova disso é o que fizemos na comunicação da previdência social inglesa. Quem estava à beira da aposentadoria normalmente recebia calhamaços de 50 a 100 páginas com informações sobre os planos disponíveis. Experimentamos condensar os dados mais relevantes num folheto de uma página e deixar o restante no site da Previdência. O que aconteceu? Após a medida, os acessos ao site multiplicaram por 10. Ao induzir um comportamento nos cidadãos, melhoramos a eficiência de um serviço público.

Quais são os limites da aplicação dessa metodologia no governo?

Quando o trabalho começou, houve resistência dos servidores públicos em diversos aspectos. Alguns diziam que as medidas seriam inócuas diante do tamanho dos desafios de qualquer Estado. Outros viam essas pequenas mudanças de comportamento como manipulações psicológicas indevidas para a relação de um governo com os cidadãos. Por isso, recebíamos também críticas da imprensa, que não entendia nosso papel.

Como vocês lidaram com as críticas?

Tentamos medir de maneira robusta o impacto dos projetos para as pessoas perceberem que a abordagem entregava melhoras significativas nos serviços públicos. Em segundo lugar, sendo transparentes ao mostrar os resultados para que as pessoas entendam que não se trata de manipular os cidadãos, mas apenas de tornar a política pública adequada à maneira como eles realmente se comportam — e não apenas como os governos podem querer que se comportem.

Há espaço para esse tipo de abordagem em outros países, como o Brasil, que tenham desafios diferentes?

Melhorar a eficiência do Estado é uma preocupação universal, não apenas de países ricos, e nem mesmo deveria estar confinada a um ou outro partido político. Desde a experiência no governo britânico, já prestamos consultoria para 20 países, inclusive emergentes, como Costa Rica, México e Guatemala. Uma parte importante de cada projeto é entender o contexto local antes de aplicar qualquer política pública. Para entender as causas de alguém cometer um crime, por exemplo, não basta saber o que essa pessoa poderia ganhar com a atividade ilícita, os riscos de ser pego e as possíveis penas. É preciso levantar muitos dados sobre como são os arredores de onde acontecem os crimes e, com base nessas evidências, investigar com as pessoas daquela região como elas gostariam de ver a ação do Estado contra o crime. 

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