Revista Exame

O Google quer dominar o mundo

No início, era só um sistema de busca. Depois, o Google ensinou ao mundo como ganhar dinheiro com a internet. Agora, ameaça os negócios de mídia, software, telefonia e varejo. Onde vai parar?

logo do Google (Antonio Manfredonio/Flickr/Antonio Manfredonio/Flickr)

logo do Google (Antonio Manfredonio/Flickr/Antonio Manfredonio/Flickr)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h16.

Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 18h40.

O ano é 2014. Rádios, TVs, jornais, revistas e até as telefônicas do século 20 são apenas relíquias de um passado não tão distante. Depois de perder uma histórica ação de direitos autorais na Suprema Corte, o New York Times, outrora o mais poderoso jornal do planeta, fechou seu site para produzir um boletim impresso destinado aos idosos e à elite. O resto da população participa de um ambiente de mídia vivo e pulsante.

Qualquer um publica notícias, imagens, vídeos e sons na internet, usando os mais variados aparelhos -- do celular ao painel do carro. Acaba de ser lançado um serviço de busca sofisticadíssimo, que coleta, armazena e distribui essas informações em praticamente todos os idiomas. E também direciona anúncios ou vende produtos de acordo com o perfil e o interesse dos usuários. Milhões de pessoas ganham a vida plugados no gigantesco bolo global de comércio e publicidade. As questões de ética e democracia que assombravam a mídia no século 20 foram engolidas por um onipresente software de busca e relacionamento que começou como projeto acadêmico no final dos anos 90 -- o Google.

Assim como ele, pelo menos 380 milhões de pessoas usam todo mês o mais popular serviço de busca do planeta para achar de tudo -- no Brasil, o Google atende 18 milhões de usuários por mês e responde por mais de 70% das buscas na internet. Procura um dentista? No Google tem. Celular novo? Pode ir ao Google. Xampus? Minério de ferro? Google nele. Quer saber das últimas notícias? Tente o Google News. Sabe aquele livro, como era o nome mesmo? Está lá no Google Print. E aquela citação? A foto de satélite? O vídeo? Os blogs? Aquela música? O e-mail perdido? A ex-namorada? Aquele amigo chato do colégio? Deixa que o Google acha. E o que ainda não está no Google logo estará.

O primeiro grande mérito de seus criadores foi oferecer algo que todo mundo queria, mas ninguém tinha -- uma maneira fácil de colocar ordem no caos que é a internet. A missão declarada da empresa é "organizar a informação do mundo e torná-la universalmente acessível e útil". Traduzindo em bom português, o Google parece simplesmente querer dominar o mundo.
Esse cenário -- adaptado do vídeo Epic, do Museu de História da Mídia, na Flórida -- parece fantasioso. A realidade, como sempre, tratará de desmentir os futurólogos. Mas pense no seu dia-a-dia uns dez anos atrás. Não havia internet, não havia correio eletrônico, não havia celular. E não havia Google. "Sabemos que uma tecnologia pegou mesmo quando ela faz parte da nossa vida", disse a EXAME Adam Bird, vice-presidente sênior e responsável pela área de mídia da consultoria Booz Allen Hamilton. "Não concebo a minha sem o Google."


O Google existe há apenas sete anos. Nesse curto período de tempo, se tornou uma potência dos negócios. Abriu o capital em 2004. Hoje, é uma das 20 companhias mais valorizadas do planeta -- bateu a marca dos 100 bilhões de dólares na bolsa. Já é maior que a Time Warner, a Coca-Cola e a GM. Enquanto a maior parte das empresas se esfalfa para inovar, o Google tem mantido um ritmo frenético de lançamentos. Já oferece, além de todo tipo de busca, e-mail, blogs, fotos de satélite, comparação de preços, notícias, comunidades online, vídeo, classificados e dezenas de outros serviços.

Foi considerada a empresa mais inovadora pela revista Wired, uma das bíblias do Vale do Silício. De acordo com a consultoria Deloitte, as vendas do Google -- de publicidade, pois todos os serviços são gratuitos -- registraram um dos índices de crescimento mais rápidos em toda a história dos negócios: nada menos que 437 115% nos primeiros cinco anos. "Eles nos deram um chute no traseiro", disse Bill Gates, o homem mais rico do mundo, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Eles, na frase de Gates, são os dois fundadores do Google -- Sergey Brin e Larry Page. Ambos são filhos de acadêmicos.

Brin nasceu na Rússia e imigrou para os Estados Unidos com 5 anos. Conheceu Page durante uma apresentação da faculdade. De início, os dois se estranharam. Mas, com o tempo, viram que pensavam da mesma forma. Hoje, aos 32 anos, ambos já concretizaram o sonho de todo garoto que estuda computação em Stanford, uma das mais prestigiadas universidades americanas. Desenvolveram um software genial, montaram sua empresa numa garagem e conquistaram, cada um, uma fortuna hoje estimada em 11 bilhões de dólares. Mais que isso, fundaram a companhia que representa, na opinião dos analistas, a maior ameaça à Microsoft desde que a Netscape popularizou o navegador na web.

A dupla lançou, em 1997, o mais avançado sistema de busca na internet feito até então, com base no sofisticado método de análise das páginas da web que os dois estudavam no doutorado. Na época, sites como WebCrawler, Infoseek, Lycos ou Altavista indexavam as páginas da rede, mas sofriam para exibir os resultados mais relevantes. O método de Page e Brin, chamado PageRank, usava a própria estrutura da web, considerando cada link uma espécie de voto de uma página para outra. Com isso, a relevância dos resultados da busca cresceu brutalmente. Para batizar a criação, a dupla recorreu a um trocadilho com um dos fetiches da matemática, o número googol -- 1 seguido de 100 zeros --, bem maior que a quantidade de páginas da web.


Page e Brin fizeram uma inovação ainda mais radical. Desde o início, o site do Google exibia uma página branca, limpa, apenas com uma caixa para texto e um botão de busca. O sucesso da abordagem minimalista foi instantâneo. Em 1998, tiveram de transformar o site em empresa. Tinham em mãos um cheque nominal de 100 000 dólares, dado por um investidor de risco, que resolveu apostar no projeto. Ele não se arrependeria.

A simplicidade do Google transformou não apenas a busca, mas a própria forma como o ser humano se relaciona com a informação. A página branca com a caixa vazia representa, segundo especialistas, a primeira revolução na interface entre o homem e a máquina desde que Steve Jobs lançou o Macintosh, em 1984. Por ironia, num ambiente cada vez mais infestado de imagens, sons, vídeos, ícones e artes gráficas, essa revolução está baseada tão-somente na palavra escrita.

"Eles se aproximaram da forma como normalmente entendemos, pensamos e achamos as coisas -- verbalmente", disse a EXAME o escritor e jornalista John Batelle, autor do livro A Busca, recém-lançado no Brasil. Para Batelle, trata-se de um conceito tão revolucionário que será absorvido por todos os meios de comunicação e por todas as empresas. Num relatório recente, a consultoria Patricia Seybold Group faz uma recomendação a todos os executivos: "Você precisa pensar rápido em como o Google e o uso que os consumidores fazem dele têm impacto na sua estratégia".

O princípio da busca como motivador de compras pode ser estendido, generalizado, aliado à localização geográfica e aplicado a todo negócio. Numa loja de vinhos, você poderá usar o celular para pesquisar uma garrafa no Google e saber se ela está mais barata na vizinhança. Se seus filhos tiverem um chip ou etiqueta inteligente no celular ou na mochila, dá para pesquisar as crianças no Google e saber onde estão. "Qualquer coisa de valor estará no índice de busca", diz Batelle. "Pense nisso e você verá a busca não apenas no computador. Estará no telefone, no carro, na televisão, em toda parte."

O mais importante não é aquilo que o Google é, mas o que pode vir a ser. Dependendo do ângulo de onde se olha, trata-se de uma empresa de mídia, de software, de telecomunicações ou de serviços. Nada impede que se torne uma empresa de varejo, biotecnologia ou moda. Quando se fala em Google, tudo é possível. Nas últimas semanas, a empresa anunciou um serviço de banda larga sem fio na região de San Francisco, uma parceria com a Nasa para pesquisas e um acordo com a Sun Microsystems que pode tirar da Microsoft o domínio sobre a computação pessoal. De acordo com Batelle, as possibilidades futuras para o Google são tantas que ele é, hoje, uma expressão dos nossos maiores desejos e piores temores.


O primeiro -- e mais evidente -- impacto do Google está no negócio da mídia. Ele se dá em duas ondas. A primeira é na forma como o público acessa informações e notícias -- sempre por meio da caixa de busca. Por trás dela, poderosos softwares ajudam a achar exatamente aquilo que o internauta quer ver -- e nada mais. Um exemplo dessa nova realidade é o serviço Google News, criado depois da confusão noticiosa que sucedeu os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos. "Eu visitava muitos sites de notícias e isso era lento e ineficiente", disse a EXAME o indiano Krishna Bharat, cientista sênior do Google e criador do Google News.

"Percebi que havia uma oportunidade de melhorar o modo como os leitores recebem as notícias." O sistema criado por Bharat as captura automaticamente, e as manchetes são selecionadas por um programa de computador. Além disso, ele pode ser personalizado de acordo com a preferência do usuário por tipo de assunto. "É um exemplo da tendência rumo à personalização, à organização do conteúdo segundo aquilo que o consumidor quer", diz Bird, da Booz Allen. Sem um único jornalista, Bharat reuniu uma audiência estimada em 6 milhões de leitores.

A segunda onda de impacto do Google na mídia atinge a publicidade e o marketing. "Quando você declara sua intenção, e a página de busca se refaz com anúncios relacionados a ela, você está num estado de compra muito mais próximo do que quando só lê um conteúdo", diz Batelle. "Isso é uma mudança significativa na forma como o marketing é feito." Hoje, praticamente toda a receita do Google vem da publicidade por meio de links patrocinados, associados às palavras da busca -- mercado que, segundo Batelle, deve somar 25 bilhões de dólares até o final da década (leia como funciona esse modelo na segunda reportagem).

Uma das possibilidades mais tentadoras é usar o perfil dos usuários para direcionar mensagens de marketing. Pense no Orkut, comunidade online criada pelo turco Orkut Buyukkokten, um programador do Google. Para cadastrar-se nela, o usuário informa dados pessoais que poderiam ser usados para direcionar mensagens publicitárias e vender produtos.

Até pouco tempo atrás, os fundadores aprovavam toda nova contratação. Agora, com quase 5 000 funcionários, ficou mais difícil. Ainda assim, Brin e Page -- que governam numa espécie de triunvirato com o presidente Eric Schmidt -- são centralizadores e estão pessoalmente envolvidos em todos os projetos relevantes. "Numa apresentação que fizemos sobre propaganda, pensamos que eles seriam arrogantes", diz um consultor que visitou a empresa. "Mas são extremamente autocríticos."


Com esse estilo e cultura peculiares, o Google tornou-se a meca onde todo estudante de computação quer trabalhar. Recentemente, roubou vários executivos da Microsoft, além de ter contratado um dos criadores da internet, o cientista Vint Cerf. Cabe ao Google -- e não mais à Microsoft -- a fama de ímã que atrai os melhores cérebros. O Orkut virou uma febre entre os brasileiros, que representam 75% dos usuários -- ou 5 milhões de pessoas. "Perco o sono só de pensar na mina de ouro que o Orkut pode representar", diz Alexandre Hohagen, diretor-geral do Google no Brasil.

O próprio Orkut em pessoa procurou Hohagen para os dois discutirem as razões do interesse dos brasileiros e o destino da comunidade. "Ainda queremos entender o que é possível fazer com o Orkut no Brasil", diz Berthier Ribeiro-Neto, diretor do centro de pesquisa e desenvolvimento do Google na América Latina, montado com a compra da empresa de buscas Akwan, de Belo Horizonte. O grande paradoxo é que nem Berthier, nem Hohagen, nem Orkut, nem ninguém no Google têm a menor intenção de usar as informações pessoais para fins comerciais. "Para isso, precisaríamos de autorização prévia", diz Hohagen. "Jamais faríamos algo contra o interesse dos usuários." Essa filosofia de respeito a quem está do outro lado da tela foi expressa com todas as letras no lema do Google: "Don't do evil", ou "Não faça o mal".

A empresa criada por Brin e Page tem a cara dos negócios da era da internet. Quem visita a sede em Mountain View, na Califórnia, tem a impressão de que a bolha não estourou. Tem gente andando de patinete, brincando com o cachorro, jogando pebolim, hóquei e até vôlei de praia. Muitos já são milionários. O almoço dos funcionários é grátis, servido numa gigantesca cantina. Cada um tem como missão dedicar um dia por semana, ou 20% do tempo, a projetos pessoais que o chefe desconheça. É daí que vem boa parte das inovações lançadas pelo Google, como o Orkut e o Google News.

A concorrência não assiste impassível ao sucesso da empresa. A Microsoft pretende lançar vários recursos e serviços semelhantes aos do Google. A empresa de Bill Gates também começa a se posicionar no ramo da mídia. O comunicador instantâneo Messenger, por exemplo, tem 14 milhões de usuários mensais só no Brasil -- bem mais que o Orkut. "É o segundo maior meio de massas do país, depois da TV", diz Osvaldo Barbosa, diretor do MSN na América Latina. Outra empresa que planeja deter o Google é o Yahoo!. "Sempre fomos uma empresa de mídia", diz Bruno Fiorentini, presidente do Yahoo! Brasil.

Desde os primórdios da internet, enquanto todos os índices do Google eram montados automaticamente por computador, o Yahoo! confiava em editores humanos para escolher e criar suas páginas de diretórios. Em 2001, contratou o CEO Terry Semel, um ex-executivo de Hollywood que adotou uma estratégia oposta à do Google. Enquanto o Google quer atingir pequenos anunciantes e deixa em segundo plano as agências de publicidade com suas contas milionárias, o Yahoo! se aproximou dessas agências e passou a produzir noticiários, filmes e conteúdo interativos. Os críticos, porém, descrevem o Yahoo! como uma empresa da nova mídia com cabeça de mídia velha. "Eles têm um conflito potencial ao jogar na produção de conteúdo e na distribuição", diz Batelle.


O primeiro desafio do Google está justamente na relação que a empresa estabelecerá com produtores de conteúdo. Os problemas já começaram. O Google começou a digitalizar livros de bibliotecas públicas americanas, com o objetivo de oferecer uma busca no conteúdo interno das páginas por meio do Google Print, sem dar acesso a toda a obra. Várias editoras protestaram, pois a empresa resolveu escanear os livros primeiro, para depois pedir desculpas, caso o autor quisesse retirar sua obra do índice. A empresa argumenta que, se não pudesse copiar o conteúdo de terceiros em seus computadores, jamais teria conseguido indexar as páginas da web. Mesmo assim, as editoras resolveram processar o Google.

De acordo com a consultoria Patricia Seybold, Page e Brin acabarão vencendo essa batalha e estabelecerão um padrão próprio para remunerar quem mantiver seus livros no índice, num modelo similar ao da Apple com a música, no site iTunes. Bird, da Booz Allen, também considera a propriedade intelectual "uma questão menos importante do que a maioria das pessoas pensa que é". O segundo desafio do Google, porém, é mais complexo.

Trata-se de manter intacta a aura expressa no lema "Não faça o mal". Até agora, ninguém no Google usou de má-fé as informações em poder da empresa. Mas há um risco gigantesco quando toda informação do mundo está num único lugar. "Alguém dentro da empresa pode usar informação de má-fé, pôr em xeque a confiança na marca e criar um êxodo maciço de usuários", diz Batelle. Muitas utopias que começam como a abertura desta reportagem terminam com descrições do Grande Irmão e de controles totalitários. Será esse o futuro do Google?

Acompanhe tudo sobre:EmpresáriosEmpresasEmpresas americanasEmpresas de internetempresas-de-tecnologiaGoogleLarry PagePersonalidadesSergey BrinTecnologia da informação

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda