Revista Exame

O Gengis Khan da Dilma

O governo anunciou com estardalhaço um investimento de 12 bilhões de dólares que o empresário taiwanês Terry Gou, dono da Foxconn, realizaria no Brasil. Mas que fique bem claro: ele dificilmente fará alguma coisa sem dividir o risco

Fábrica da Foxconn em Shenzhen: palco de 14 suicídios em 18 meses (Voishmel/AFP Photo)

Fábrica da Foxconn em Shenzhen: palco de 14 suicídios em 18 meses (Voishmel/AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 14 de junho de 2012 às 14h46.

São Paulo - No Brasil, os salários são muito altos e os operários param de trabalhar assim que ouvem a palavra ‘futebol’. Sem mencionar toda aquela dança. É uma loucura.” A frase do empresário taiwanês Terry Gou, dono da Foxconn, maior fabricante mundial de componentes eletrônicos, foi dita ao Wall Street Journal no final de 2010.

Por isso causou estranheza quando a presidente Dilma Rousseff voltou de um encontro com Gou, em abril, na China, comemorando um investimento de 12 bilhões de dólares da Foxconn na criação de um grande complexo de tecnologia da informação no Brasil num prazo de cinco anos.

O que teria acontecido? Um encantamento súbito com algumas de nossas maiores riquezas — o povo brasileiro, o futebol, o samba? Ou a montanha de dinheiro seria um blefe? Aos 59 anos e com uma fortuna estimada em 6 bilhões de dólares, Gou é uma lenda viva do capitalismo asiático — e as declarações contraditórias sobre o Brasil são uma amostra de sua faceta de estrategista.

“O fato de ele ter dado a entender que não queria aumentar sua presença no Brasil e depois ter voltado atrás pode ser simplesmente uma forma de tirar mais incentivos do governo”, diz Thomas Dinges, analista da consultoria americana IHS iSuppli, especializada em pesquisa de consumo de eletrônicos.

Gou, de fato, deu ao governo uma lista de exigências, já parcialmente atendida, para aumentar seus investimentos no Brasil, uma tentativa de escapar de parte do emaranhado de impostos e burocracias que emperram as importações e exportações no país. E que fique muito claro: ele quer dividir o risco.

Segundo EXAME apurou, Gou está disposto a colocar 5 bilhões de dólares do próprio dinheiro. Os outros 7 bilhões restantes viriam de um sócio — ainda a ser encontrado — e de incentivos governamentais. Eis seu estilo de fazer negócios — e não se pode dizer que ele seja malsucedido.

Fã declarado de Gengis Khan, Gou é conhecido pela maneira dura com que busca concessões governamentais e gerencia seus negócios. Segundo o diário inglês The Independent, no passado, uma das práticas da Foxconn era colocar operários de castigo na fábrica.


Foi dessa forma — muitas vezes brutal para os padrões ocidentais — que Gou fez uma microempresa de componentes de televisão, fundada em 1974 com 7 500 dólares emprestados pela mãe, se tornar um dos maiores fornecedores para empresas como Apple, Dell, HP, Nokia e Sony.

Sozinha, a Foxconn é dona de cerca de 50% do mercado de equipamentos e componentes eletrônicos feitos por empresas terceirizadas. Produz praticamente 100% dos iPhones e iPads consumidos no mundo. Seu estilo quase militar também pode ter um efeito devastador. Isso ficou claro em 2010, quando foram noticiados os primeiros suicídios de trabalhadores do complexo de fábricas de Shenzhen, na China.

Ao todo, 14 funcionários da ­Foxconn, maior empregadora privada da China, se mataram dentro da empresa desde janeiro de 2010. À revista Bloomberg Businessweek, Gou admitiu que só começou a se preocupar a partir da quinta morte. Desde então, além de aumentar salários, instalou telas de proteção nas fábricas.

Para consultores, analistas e concorrentes consultados nas últimas semanas, faz sentido a Foxconn aumentar sua presença no Brasil, terceiro maior mercado mundial de computadores. Metade de seu faturamento vem da Chi­na, e ter mais peso na América Latina não faria mal aos negócios.

“Como as tarifas de importação são altas no Brasil, a única saída é aumentar a presença lo­cal”, diz Hau Lee, professor de operações, informação e tecnologia na escola de negócios da Universidade Stanford. O que despertou mais desconfiança foi o valor de 12 bilhões de dólares em investimentos.

A empresa, com sede em Taiwan e presença em diversos países na Ásia, nas Américas e na Europa, nunca havia investido tanto dinheiro fora da China, onde Gou chegou no final dos anos 80 e montou sua maior base. Os maiores investimentos em andamento são de menos da metade desse valor.

O governo brasileiro age como se os bilhões estivessem a caminho e mostra uma agilidade fora do normal. No final de maio, uma Medida Provisória incluiu os tablets na lei de informática, o que significou a queda de vários impostos federais. Para os planos de curto prazo, era o que Gou exigia em termos de incentivos fiscais federais.


Mas restam as demandas de terminais para uso exclusivo da empresa em aeroportos e portos, terrenos com toda a infraestrutura adequada e redução de impostos estaduais e municipais.

“O pessoal da Foxconn está muito animado. Numa reunião recente, eles reafirmaram a intenção de construir uma plataforma global numa área de 50 quilômetros quadrados toda voltada para alta tecnologia”, diz Aluizio Mercadante, ministro da Ciência e Tecnologia.

Os executivos da Foxconn teriam dito que Gou pendurou em sua sala uma foto da visita da comitiva brasileira. Por enquanto, o que parece mais concreto é a intenção da empresa de fabricar iPads no interior de São Paulo a partir de julho.

Além da Foxconn, segundo Mercadante, outras 11 companhias já se inscreveram para produzir tablets no país, entre elas Motorola e LG. A consultoria IDC estima o mercado brasileiro de tablets em 1 milhão de unidades em 2012.

Para o governo brasileiro, a criação de um grande polo produtor — e, quem sabe, exportador — de TI seria uma tentativa de quebrar a lógica da relação entre Brasil e China. Nosso crescimento tem sido fortemente calcado na venda de commodities, enquanto os chineses avançam em itens cada dia mais sofisticados.

Em 2010, o déficit comercial brasileiro do setor de TI foi de 19 bilhões de dólares. Muita gente aprova a pressão feita pela Foxconn, já que a queda dos impostos beneficia toda a indústria.

“Apesar do exagero sobre tudo que cerca os planos de Gou, a expansão da Foxconn por aqui deve abrir caminho para novas parcerias com empresas locais”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica. Se isso realmente acontecer, os brasileiros conhecerão mais um empresário que desperta paixão e ódio.

Impiedoso para muitos, Gou é uma espécie de celebridade em Taiwan, onde sua vida é seguida passo a passo. Em 2005, sua primeira mulher morreu de câncer, aos 55 anos.

Gou passou, então, a se esforçar para viver melhor. Começou a se exercitar e, depois de vários casos com modelos, casou com sua professora de dança, Delia Tseng, 24 anos mais jovem. Com ela aprendeu o tango. O samba estará na lista?

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