Revista Exame

Um oceano prateado: o fenômeno do envelhecimeto no Brasil

À medida que o envelhecimento populacional avança no Brasil, o mercado voltado para os consumidores 60+ reluz como um motor econômico nas próximas décadas

Geração prateada: mais do que ressignificar o envelhecimento, o aumento da longevidade traz um enorme potencial econômico (Westend61/Getty Images)

Geração prateada: mais do que ressignificar o envelhecimento, o aumento da longevidade traz um enorme potencial econômico (Westend61/Getty Images)

Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.

Última atualização em 12 de março de 2025 às 10h01.

No Brasil de 2070, os indivíduos com mais de 60 anos estarão por toda parte. Cerca de 75 milhões de habitantes terão idade acima dos 60, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — mais do que o dobro dos 33 milhões de brasileiros hoje nessa faixa etária. Em um horizonte próximo, já em 2030, teremos mais idosos do que crianças e seremos a quinta população mais envelhecida do mundo nas estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O cenário coloca o país em papel de destaque na chamada Economia Pratea­da, reconhecida como um mercado de imenso potencial no mundo todo, que se expande a cada ano. A Silver Economy, no termo em inglês, é a soma de todas as atividades, serviços e produtos destinados a atender às necessidades das pessoas com mais de 60 anos, direta ou indiretamente, e abrange os mais variados ramos — saúde, moradia, mobilidade, lazer, turismo, tecnologia, finanças e telecomunicações são alguns exemplos.

O conceito, cujo nome é uma referência aos cabelos grisalhos desses consumidores, surgiu nos anos 1980, no Japão, país que lidera hoje o ranking mundial do envelhecimento, com 28% da população mais madura.

Sergio Duque Estrada, da Ativen: “Conhecer melhor esse público pode significar a sobrevivência do negócio” (Arquivo pessoal/Divulgação)

Uma revolução da longevidade

O crescimento do mercado prateado reflete a profunda transformação demográfica que está em curso: enquanto a proporção de jovens vem diminuindo, com as famílias tendo menos filhos, a parcela da população 60+ aumenta em um ritmo inimaginável. Nos anos 2000, o percentual de pessoas maduras no Brasil era de 8,7%; em 2023, o índice quase duplicou para 15,6%; em 2070, deve chegar a impressionantes 37,8%.

A curva acentuada se deve, em grande parte, ao aumento significativo da longevidade nas últimas décadas. Graças a avanços na medicina e na saúde pública, a expectativa de vida do brasileiro subiu de 71,1 anos, em 2000, para 76,4 anos em 2023 e, calcula o IBGE, atingirá inéditos 83,9 anos em 2070. Soma-se aí a crescente adoção de hábitos mais saudáveis pelas pessoas desse grupo etário, fazendo com que não só vivam mais como também vivam melhor.

O IBGE prevê que a expectativa de vida do brasileiro  atingirá 83,9 anos em 2070

Mais do que ressignificar socialmente e culturalmente o envelhecimento, esse movimento é visto como uma força do ponto de vista econômico, trazendo inegáveis oportunidades. “O peso da geração prateada na economia já é uma realidade. No Brasil, ela já contribui com 39% do PIB nacional”, informa Lívia Hollerbach, head de inteligência de dados e comportamento do Data8, empresa especializada em estudos da economia da longevidade. Um levantamento recente da agetech mostrou que os prateados movimentaram 1,8 trilhão de reais em 2024, sendo responsáveis por 24% do consumo privado de bens e serviços no país. Em 20 anos, o número deve chegar a 3,8 trilhões de reais, uma fatia de 35% do consumo (projetado em 10,8 trilhões de reais).

Globalmente, são 15 trilhões de dólares anuais, posicionando a população madura como o terceiro maior mercado consumidor do mundo. Se forem considerados os 50+, Susan Wilner Golden, da Universidade Stanford, estima que a cifra chegue a 22 trilhões de dólares.

Lívia Hollerbach, do Data8: “Em 20 anos, a economia prateada vai representar 35% do total do consumo domiciliar privado no país” (Henrique Pereira/Divulgação)

Os 60 são os novos 40

Estáveis financeiramente, com filhos criados, mais tempo livre e uma rotina muito mais ativa que nada se parece com a dos idosos de antigamente, os maduros de hoje têm novos comportamentos de compra, pautados pelo interesse em qualidade de vida. Gostam de se cuidar, comer bem, andar na moda, fazer cursos, viajar e se divertir, tornando os 60, definitivamente, os novos 40 em diversos aspectos, inclusive o econômico.

“Boa parte dos milhões de brasileiros 60+ é formada por indivíduos com educação superior, capacidade financeira e, muito importante, vontade de exercitar seu protagonismo por meio do consumo”, reforça Sergio Duque Estrada, cofundador da Ativen, consultoria especializada em negócios para o mercado sênior. “A massa de recursos nas mãos dos 60+ supera hoje 200 bilhões de dólares, e 25% dos lares brasileiros são em parte sustentados por uma pessoa 60+. O que implica um consumo indireto de bens e serviços que só acontece por causa da existência da poupança dessa pessoa. Avós que pagam pela educação dos netos, por exemplo, que ajudam no aluguel dos filhos ou na compra da casa própria da família”, acrescenta.

Estudos que reafirmam o potencial de consumo da geração prateada aqui no Brasil não faltam. Dados da Fundação Getulio Vargas (FGV), por exemplo, mostram que os brasileiros maduros representam 17,4% dos 5% mais ricos do país. O estudo Tsunami60+ revela que 86% dessa população (contando os 55+) tem renda própria. Segundo outra pesquisa, do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), quatro em cada dez pessoas acima dos 60 gastam mais dinheiro com produtos de desejo do que com itens associados às necessidades básicas da casa — para dois terços, aproveitar a vida é a grande prioridade.

Nesse contexto, as mulheres mais experientes se sobressaem, já que costumam tomar as decisões no lar e, segundo o IBGE, vivem em média sete anos a mais do que os homens. Com autonomia financeira e dinheiro na conta, elas contribuem com 20% de todo o consumo nacional, como demonstrou a pesquisa Elas 45+, da consultoria Eixo. E, desmistificando a ideia de que esse público não compra pela internet, o levantamento diz que, apenas no mercado online, as mulheres maduras gastam 15 bilhões de reais anuais.

Um oceano prateado

Diante desse quadro, a economia prateada se tornou um pilar essencial no ambiente de negócios, e uma indiscutível oportunidade para as empresas prosperarem adaptando seus produtos e estratégias. O potencial das soluções é tão vasto e promissor que o mercado da maturidade vem sendo chamado globalmente de “oceano prateado”.

Na visão de Duque Estrada, entretanto, essas perspectivas ainda não atraíram a devida atenção das empresas brasileiras. “O brasileiro ainda não entendeu que a garota de Ipanema já passou dos 80 anos. Nossa cultura ainda sobrevaloriza a juventude e tem preconceito contra a pessoa idosa. Essa é uma razão para a lentidão de ações: o idadismo. A outra é o domínio das áreas de marketing e RH por pessoas mais jovens e nativas digitais. Como consequência, as mídias raramente refletem os mais velhos e, não raro, quando o fazem, é de forma estereotipada. O grau de empatia e conhecimento intergeracional é, portanto, reduzido. Todos perdem com isso”, analisa.

Embora ainda seja um universo subexplorado e, muitas vezes, com ações pontuais, Hollerbach, do Data8, informa que, no contexto sul-americano, o Brasil desponta como protagonista no debate sobre envelhecimento saudável e na expansão de iniciativas inovadoras para o público sênior, apoiadas por ativistas, centros de pesquisa, empresas e fundos de investimento. Muitos setores já estão navegando nessas águas, oferecendo produtos e serviços exclusivamente pensados para as demandas dessa faixa etária.

ISGame: a startup que usa videogame para estimular a saúde cognitiva dos 60+ recebeu recentemente o investimento de 1 milhão de reais no reality show de empreendedorismo Shark Tank Brasil (Guido Ferreira/Divulgação)

Saúde cognitiva em dia

A startup Internacional School of Game (ISGame), que desenvolveu um pioneiro programa de saúde cognitiva, é um exemplo desse movimento. Com o Programa Cérebro Ativo, a empresa usa videogame e outros desafios online para treinar a memória, a atenção, o raciocínio lógico e a consciência corporal. A metodologia — a primeira cientificamente comprovada no país pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), segundo Fábio Ota, fundador e CEO da ISGame — ajuda a prevenir o declínio cognitivo e doenças como o Alzheimer.

Ela inclui ensinar idosos a jogar e desenvolver videogames e a usar o app Cérebro Ativo, que combinados têm diversos benefícios comprovados. “O aplicativo é utilizado como uma ferramenta essencial nos cursos, mas também pode ser baixado e utilizado por qualquer pessoa, o que amplia o alcance e o impacto do programa”, observa Ota.

Desde 2015, mais de 1.500 alunos participaram dos cursos presenciais, a maioria 60+ (atualmente, cinco têm mais de 90). O app também é sucesso: alcançou 15.000 downloads em 2023 e bateu os 25.000 em 2024, quando ainda ganhou uma nova funcionalidade baseada em inteligência artificial. “A ferramenta identifica sinais precoces de depressão e faz um acompanhamento em tempo real, sendo usada por geriatras, gerontólogos e psicólogos para monitorar a saúde cognitiva e emocional de pacientes, especialmente idosos”, explica o CEO.

Moradia assistida premium

O mercado imobiliário também está inovando para atender a geração prateada, levando, por exemplo, ao crescimento de empreendimentos como os da rede Cora, da BSL Saúde, de moradia assistida. O negócio se inspira nas tendências americanas, canadenses e europeias de residenciais verticalizados, bem localizados nos centros urbanos, com infraestrutura e hotelaria diferenciadas.

Na cidade de São Paulo, são quatro unidades do residencial sênior e, graças à alta procura, para 2026 está prevista a abertura de mais uma, próxima à Rua Oscar Freire. No Rio de Janeiro, há ainda o Cora Premium Península, inaugurado em 2022, que fica na Barra da Tijuca, um dos residenciais mais sofisticados da América Latina.

Há opções de suíte individual, dupla, tripla e até flat, dependendo da unidade, e a pessoa pode morar, ficar uma temporada (em casos como recuperação cirúrgica e período de recesso do cuidador, por exemplo) ou apenas passar o dia para socializar e fazer atividades físicas e cognitivas. Em qualquer opção, o idoso conta com equipes multidisciplinares de cuidados e espaços projetados para a sua rotina. A sofisticada unidade carioca tem, entre outras características, área protegida para residentes com ­Alzheimer, espaço de alta dependência para residentes com mais necessidades, incluindo régua de gás, sistema de trilho para auxiliar na locomoção de idosos acamados e camas antiqueda, além de comodidades como piscina aquecida, cinema e cozinha profissional.

“O mercado da economia prateada é fascinante e repleto de oportunidades, com uma demanda crescente que atrai o interesse de startups e empresários dedicados ao desenvolvimento de soluções para essa população”, diz Yang YEN Wang, CEO da BSL Saúde. “Porém, é um segmento que apresenta desafios significativos no Brasil, como a resistência cultural à institucionalização de idosos. É fundamental que a sociedade reconheça as novas opções disponíveis, como os residenciais especializados, que proporcionam infraestrutura, socialização e um dia repleto de atividades”, pontua.

Mais acesso ao turismo

O turismo voltado para a terceira idade é outra área em expansão. De acordo com o Ministério do Turismo, pessoas com 60 anos ou mais já correspondem a cerca de 15% dos turistas domésticos e 10% dos internacionais. Além dos variados serviços de viagem especializados na terceira idade que surgem no mercado, um exemplo de iniciativa no ramo vem do poder público: o projeto Viaja +60, do governo do Paraná, que promove turismo, cultura e lazer para pessoas idosas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade econômica ou residentes em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs).

De acordo com a Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa (Semipi), o objetivo é estimular o bem-estar, o envelhecimento ativo e saudável e combater o isolamento social. “Diferentemente de outras iniciativas voltadas para o público idoso, o Viaja +60 se destaca por ser exclusivo para viagens organizadas com enfoque social, cultural, desportivo e ambiental, dentro das 19 regiões turísticas do Paraná”, detalha a assessoria da Semipi.

Em 2024, fase 1 do programa, 4.654 pessoas idosas de 67 cidades puderam viajar gratuitamente graças à iniciativa. Até o fim deste ano, a expectativa é de que cerca de 21.000 idosos tenham participado. Na fase 2 do programa, em 2026, o investimento total vai mais do que triplicar (11,8 milhões de reais), e a projeção é de alcançar 50.000 pessoas. 

A população madura é o terceiro maior mercado consumidor do mundo, movimentando 22 trilhões de dólares ao ano

Fonte: Susan Wilner Golden, Universidade de Stanford.

A hora é agora

Esses são apenas alguns entre os inúmeros produtos, serviços e projetos inovadores que estão nascendo com a economia prateada, em todos os setores do mercado. Há, ainda, entre tantos outros exemplos, a mobtech Eu Vô, um “Uber” especializado no transporte de idosos e pessoas com mobilidade reduzida; a B-Active, franquia de academias para o público sênior; a Lavô, rede de lavanderias self-service com acessibilidade de uso para a terceira idade; a Techbalance, healthtech com um programa patenteado de prevenção de quedas por meio de inteligência artificial… Sem mencionar as oportunidades para os bancos, para os quais esse público se mostra particularmente estratégico pela maior solidez financeira.

Seja qual for o segmento, Duque Estrada, da Ativen, ressalta que agora é o momento de as empresas acordarem para as oportunidades que têm à frente, porque o futuro prateado é uma certeza — e pegar esse bonde atrasado pode ser um grande erro. “Quem chegar primeiro muito provavelmente terá uma expressiva vantagem competitiva. Em certos casos, conhecer melhor esse público pode significar a própria sobrevivência do negócio. Com os vetores de envelhecimento e longevidade indo na mesma direção, o despertar para a nova realidade mercadológica será inevitável”, finaliza.

Acompanhe tudo sobre:CEO 50

Mais de Revista Exame

Tão perto, tão longe

Recomeço aos 50

Onde mora o futuro

Sem prazo de validade