Revista Exame

Para a Philips, o futuro da saúde é digital

O diretor médico da Philips na Holanda, Jan Kimpen, diz que há consenso de que as soluções digitais transformarão os tratamentos de saúde

Kimpen, da Philips: “Há muitas empresas prometendo o céu com a digitalização, mas só podem entregar um pouco de avanço” | Divulgação

Kimpen, da Philips: “Há muitas empresas prometendo o céu com a digitalização, mas só podem entregar um pouco de avanço” | Divulgação

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Da Redação

Publicado em 5 de julho de 2018 às 05h00.

Última atualização em 5 de julho de 2018 às 05h01.

A centenária Philips, conhecida por sua história na área de produtos elétricos e bens de consumo, está cada vez mais voltada para o campo da saúde. A mudança vem de uma decisão estratégica tomada no início da década. No entanto, a empresa com sede em Amsterdã, na Holanda, tem enfrentado uma série de desafios na empreitada. O mercado de saúde passa por uma transformação digital. E, apesar do consenso de que a digitalização trará tratamentos melhores e menos custosos, ainda há entraves para a adoção das tecnologias. Os pacientes temem pela segurança das informações, os médicos dizem que a tecnologia aumenta o trabalho e os políticos precisam ser educados para montar uma boa regulação. “Estamos vivendo uma fase de adaptação”, diz o pediatra belga Jan Kimpen, de 60 anos, que foi presidente do hospital da Universidade de Utrecht e desde 2016 é diretor médico da Philips. Na empresa, a área de saúde domina os recursos para pesquisas e tem ganhado espaço no faturamento. Kimpen concedeu a entrevista a seguir no escritório central da Philips.

Por que a Philips focou seus negócios em saúde?

Essa é uma área que cresce, mas que tem desafios e oportunidades. Os sistemas de saúde dos países estão mudando de um modelo baseado em volume de serviços para um modelo baseado no valor trazido pelos serviços. Isso significa gerar o melhor resultado com o menor custo. A digitalização vai ajudar. Com ela, é possível compartilhar dados eletronicamente e monitorar pacientes em casa, por exemplo.

Os médicos e os pacientes estão convencidos dos benefícios da digitalização?

Em todo o mundo, inclusive no Brasil, eles acreditam que a digitalização é parte do futuro da saúde e que trará tratamentos médicos mais eficientes e menos custosos. Como exemplo, uma pesquisa que fizemos mostra que, para 81% dos profissionais da saúde e para 74% da população em 16 países, a tecnologia melhora a assistência médica a distância.

Equipamento médico da Philips: de conglomerado industrial a empresa de saúde | Divulgação Philips

Os pacientes estão dispostos a pagar mais por soluções digitais?

Em países como os Estados Unidos, onde os serviços de saúde são caros, as pessoas pagam por um tratamento digital que não é oferecido pelo seguro de saúde. Na Holanda, por outro lado, as pessoas não querem pagar nada além do seguro. Se uma empresa quiser implementar uma solução digital na Holanda, portanto, terá de ser muito competitiva, porque aqui é muito difícil pedir mais dinheiro para isso.

Como lidar com esse ambiente mais hostil?

Existe uma prática de os seguros remunerarem os hospitais de acordo com um preço fixo para o tratamento. Não importa como o hospital entrega o serviço, desde que a qualidade seja boa. O paciente pode ir toda semana ao hospital ou ter consultas por vídeo. Nessa situação, seria mais fácil adotar soluções digitais, porque o hospital vai gastar o dinheiro que receber da maneira que desejar, e será estimulado a encontrar uma maneira mais eficiente.

De que forma os médicos lidam com a digitalização?

Até agora a digitalização causou mais trabalho. E a classe médica em vários países está com um volume excessivo de trabalho. Cerca de metade dos profissionais em alguns países, como na Holanda, tem a síndrome de Burnout, que decorre do esgotamento físico e mental. Foi divulgado um paper que mostra que os médicos estão trabalhando 10 horas a mais por semana checando mensagens e preenchendo prontuários eletrônicos. Temos de fazer um trabalho melhor.

Tudo isso é normal de uma fase de transição da saúde, da analógica para a digital?

É uma fase de adaptação, sim. Existe um legado muito grande dos sistemas antigos, que estão mais presentes na Europa e também nos Estados Unidos, com os quais médicos e pacientes estão acostumados. Fora isso, é difícil entender o panorama da digitalização. Há muitas empresas prometendo o céu com a digitalização, e só podem entregar um pouco de avanço.

Qual tem sido o ritmo de adoção da digitalização nos hospitais?

O panorama não é muito simples. Eu fui presidente executivo de um hospital e sempre me senti confortável construindo uma nova sala de tratamento intensivo, porque eu tinha referência de preço e do resultado. Mas pense na aquisição de um prontuário eletrônico: o que ele entregará de resultado ou quando terei de atualizá-lo? Essa realidade é menos tangível, porém é um passo que teremos de dar.

De que forma os governos estão regulando as soluções digitais diante do receio dos pacientes com o vazamento de informações?

As regras estão travando o progresso da transformação digital. Tentamos educar os governos e os parlamentares sobre o que temos a oferecer e quais os cuidados a tomar. Mas, às vezes, os burocratas não entendem a diferença entre uma droga e um dispositivo médico disponível para o paciente.

Com tantos desafios à digitalização, a Philips tem tido sucesso em sua mudança de foco?

Éramos um conglomerado industrial. Estávamos em muitos mercados, mas para ter sucesso precisávamos apostar em um. Hoje, 60% dos investimentos da empresa vão para pesquisa em saúde. E 70% das receitas são de negócios de curto prazo, como vender produtos, enquanto 30% são de parcerias de longo prazo em saúde, que não existiam há alguns anos. A saúde está se transformando. Queremos ser parte disso.

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