Revista Exame

A inteligência artificial é uma ameaça real ao seu emprego?

O medo em relação à nova tecnologia está enraizado numa mentalidade de soma zero que compreende mal a forma como as economias evoluem

A mudança tecnológica não eliminou a necessidade de trabalhadores humanos no passado, e movimento semelhante é previsto com a IA (Gorodenkoff/Getty Images)

A mudança tecnológica não eliminou a necessidade de trabalhadores humanos no passado, e movimento semelhante é previsto com a IA (Gorodenkoff/Getty Images)

Michael R. Strain
Michael R. Strain

Diretor de estudos de política econômica no American Enterprise Institute

Publicado em 12 de dezembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 18 de dezembro de 2023 às 10h55.

Numa discussão recente com o premiê britânico, Rishi Sunak, o bilionário da tecnologia Elon Musk profetizou que “chegará um ponto em que nenhum emprego será necessário”, graças aos avanços na inteligência artificial. “A pessoa pode ter um emprego se quiser um emprego”, continuou o CEO da Tesla e da SpaceX, “mas a IA conseguirá fazer tudo”.

O futuro é longo, e Musk não especificou exatamente quando esse ponto chegará. Mas, pelo menos nas próximas décadas, o risco de a IA causar um apocalipse de empregos é cada vez menor.

O medo do desemprego tecnológico não é novidade. No início do século 19, um grupo de trabalhadores têxteis ingleses conhecidos como luditas destruiu máquinas que economizavam mão de obra para impedir que fossem usadas. No entanto, embora a tecnologia tenha dado um salto nos dois séculos de lá para cá, as empresas continuam a empregar trabalhadores.

Grande parte da preocupação com os avanços tecnológicos que eliminam a necessidade de trabalhadores humanos está enraizada numa mentalidade de soma zero que fundamentalmente não entende como as economias evoluem. Sim, as novas tecnologias serão capazes de realizar algumas tarefas relativamente melhor e com menor custo do que os humanos. Sim, isso levará as empresas a usar a tecnologia, e não os trabalhadores, para essas tarefas. Mas o processo de destruição criativa cria assim como destrói.

Como a tecnologia tornará trabalhadores mais produtivos

A nova tecnologia tornará muitos trabalhadores mais produtivos e, portanto, de maior valor para as empresas, que competirão de forma mais agressiva por eles no mercado de trabalho, elevando seus salários e rendimentos. Rendimentos mais altos aumentarão a demanda geral por bens e serviços na economia, o que, por sua vez, aumentará a necessidade de trabalhadores. Esse processo dinâmico permite a uma economia evitar um desemprego estrutural maior. Além disso, a nova tecnologia cria novos bens e serviços, o que também aumenta a demanda por trabalhadores.

Isso não é só uma teoria. Consideremos os avanços notáveis em tecnologia da informação, comunicação e robótica nas últimas cinco décadas. Esses avanços tiveram efeitos profundos no mercado de trabalho — por exemplo, reduzindo de modo significativo a participação da mão de obra no setor de fabricação e nas ocupações administrativas — e na economia de modo geral. Mas não ficou mais difícil para o trabalhador achar emprego. Não se viu uma tendência ascendente na taxa de desemprego.

Olhando para as próximas décadas, minha principal preocupação não é que vá haver muitos trabalhadores, mas poucos. A queda da taxa de fertilidade e o rápido envelhecimento da população reduzirão a taxa de crescimento da força de trabalho nos Estados Unidos e em grande parte do mundo desenvolvido. Esses países poderiam contar com maiores fluxos de imigrantes para compensar o déficit, mas os ventos políticos hoje estão soprando na direção oposta.

Elon Musk: para o bilionário, chegará um ponto em que nenhum emprego será necessário, devido aos avanços na IA (Michael M. Santiago/Getty Images)

Nos Estados Unidos, o Escritório de Orçamento do Congresso, apartidário, prevê crescimento populacional de 0,3% ao ano nas próximas três décadas, ou cerca de um terço do ritmo de 1983 a 2022. Nesse ambiente, os trabalhadores que querem empregos devem ser capazes de encontrá-los.

É claro que os avanços na IA com certeza serão disruptivos, mas não vão eliminar — ou mesmo reduzir de modo significativo — a necessidade de trabalhadores. Em vez disso, a IA mudará o que muitos trabalhadores fazem. Mais uma vez, isso não é novidade. Embora o desemprego tecnológico possa não ter se concretizado nas décadas anteriores, a estrutura e a natureza do emprego foram totalmente transformadas. O economista do MIT David Autor e seus colegas descobriram que a maioria dos empregos atuais é em especialidades de trabalho criadas após 1940.

Humanos ainda serão necessários

Quanto mais olhamos para o futuro, mais difícil é descartar a possibilidade de que a previsão de Musk se torne realidade. Mas um mundo em que a IA eventualmente substituísse todos os trabalhadores humanos seria muito diferente do nosso. Embora um dos problemas econômicos fundamentais de hoje seja como fazer o melhor uso de recursos escassos, o futuro de Musk é de abundância, no qual a tecnologia atende todas as nossas necessidades, e a desigualdade como conhecemos hoje não existe mais. Por que acumular riqueza em um mundo de abundância? Por outro lado, tal mundo também pode exacerbar a desigualdade, em particular se um número relativamente pequeno de pessoas for dono das máquinas que estão gerando toda a renda.

Como os humanos se envolveriam com esse mundo? Obtenho muita realização e satisfação com minhas atividades profissionais, mas a principal razão pela qual me levanto e vou trabalhar todos os dias é para sustentar minha família. Sem a necessidade de colocar comida na mesa e dinheiro nas contas de aposentadoria, levantaríamos todos os dias com o objetivo de melhorar a nós mesmos e a nossas comunidades? Ou cairíamos nos anjos mais sombrios de nossa natureza, com o tempo desocupado levando ao tédio e à distopia?

Não há respostas fáceis para essas perguntas. Felizmente, é mais provável que não tenhamos de respondê-las. A mudança tecnológica não eliminou a necessidade de trabalhadores humanos no passado, e é provável que não vá eliminar no futuro — pelo menos não dentro de qualquer prazo relevante para os trabalhadores e formuladores de políticas atuais.


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