Revista Exame

Novas profissões: o futuro chegou para trabalhar

As evoluções tecnológicas e as mudanças demográficas demandam a criação de novas carreiras profissionais — e o Brasil já vive essa realidade

Design de Games, como o popular Sonic, é uma das novas carreiras possibilitadas pelos avanços técnológicos (Divulgação)

Design de Games, como o popular Sonic, é uma das novas carreiras possibilitadas pelos avanços técnológicos (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2011 às 16h45.

São Paulo - O doutor Leonard McCoy, o médico da nave Enterprise, do célebre seriado de ficção científica Jornada nas Estrelas, parecia carregar um hospital numa bolsa a tiracolo. Não importava em que planeta estivesse, ministrava medicamentos e fazia exames complexos, diagnósticos e até cirurgias com equipamentos não muito maiores do que canetas esferográficas.

Suas habilidades eram tão sofisticadas para a medicina conhecida pelos telespectadores dos anos 60, quando o seriado foi ao ar, que ele poderia ser confundido com um engenheiro (quando ajustava uma prótese) ou um químico (ao manipular remédios).

Não por acaso, um dos bordões do personagem era reafirmar a natureza de seu trabalho: "Eu sou médico, não sou físico", ou "Não sou cientista", ou “Não sou” qualquer outra profissão com a qual pudesse ser confundido no episódio do momento.

No mundo do trabalho do século 21, cresce a demanda pelos McCoy — profissionais com aptidões e treinamentos sofisticados, não raro tão estranhos à atividade original que parecem atuar em outras áreas. Genericamente é possível chamá-los de profissionais do futuro. Na prática, eles já existem, dando uma nova feição ao mercado de trabalho.

"Grandes oportunidades de emprego estão surgindo em áreas antes inimagináveis, como a biotecnologia, a robótica, a inteligência artificial e as energias renováveis, que exigem um aumento exponencial de conhecimento e habilidades", diz Neil Jacobstein, presidente da Singularity University, também chamada de universidade do futuro, que funciona no campus da Nasa, a agência espacial americana, no Vale do Silício, na Califórnia, berço de muitas das principais empresas de tecnologia do mundo.  "Nos próximos anos, as profissões vão se transformar — muitas irão surgir e algumas até desaparecer."


Esse processo não é inédito. As profissões estão em constante evolução. Mas, no momento, há uma transformação peculiar no mercado de trabalho graças a uma alteração estrutural em escala global: a massificação generalizada. Massificação das cidades, dos produtos, dos serviços, bem como dos benefícios e dos problemas.

Mais da metade da população mundial vive hoje em cidades, com acesso inusitado a novas tecnologias, uma busca descomunal por produtos e serviços e concentrando a demanda por recursos naturais, como alimentos, água e energia. Um dos governos que se preocuparam em entender os impactos da nova realidade foi o do primeiro-ministro britânico Gordon Brown, cujo mandato estendeu-se de 2007 a 2010.

Brown encomendou um estudo para identificar as tendências que vão impactar o mercado de trabalho em nível mundial até 2050 e apurar quais profissões tendem a ganhar relevância. O levantamento, realizado e divulgado pela consultoria de tendências britânica Fast-Future em 2010, é um dos mais completos já feitos: coletou depoimentos de 486 especialistas em 58 países e chegou a 110 novas carreiras — com destaque para 20 delas.

São listadas profissões curiosas, mas factíveis, como o policial virtual, especializado em solucionar crimes utilizando a internet, o nanomédico, que faz tratamentos com base na nanotecnologia, e o analista de reciclagem, responsável pela destinação e pelo processamento do lixo.

Um dos pontos altos da pesquisa é a apresentação das grandes tendências que devem criar as condições para que essas carreiras se sobreponham às atuais. Entre os componentes da mudança, dois elementos destacam-se. O primeiro é a popularização das tecnologias de ponta. Novidades como celulares conectados em escala global, televisores que se assemelham a computadores e a internet sem fronteiras são a face mais prosaica da transformação.

As novas tecnologias estão alterando os ofícios na indústria do entretenimento, na exploração de minérios, no cultivo de alimentos, na educação, na saúde — exigindo mão de obra cada vez mais especializada e sofisticada.

Para usar um exemplo simplificado: se no passado o médico generalista deu lugar a quase 60 tipos diferentes de especialista, como o pediatra, o oftalmologista e o radioterapeuta, hoje, entre todas essas modalidades, ganha espaço o médico formado para interpretar diagnósticos por imagens, como a tomografia computadorizada.

"A maioria das profissões está evoluindo para agregar tecnologia e se tornar cada vez mais multidisciplinar", diz o indiano Rohit Talwar, presidente da Fast Future e um dos coordenadores da pesquisa.

A tecnologia se une à demografia para determinar o mercado de trabalho do futuro. Em 2050, haverá 1,7 bilhão a mais de pessoas em idade ativa nos países emergentes e 9 milhões a menos nas nações desenvolvidas. Principalmente nos países pobres, a demanda por alimentos e energia deve crescer 50% em comparação a 2009, e a de água doce, 30%.


Num cenário de escassez de recursos naturais e de mudanças climáticas, a tendência é que as empresas — e seus profissionais — se dediquem à criação de soluções que possam reduzir os impactos desse crescimento explosivo, justamente em países com pouca estrutura para suportá-lo.

A tendência é que ocorra a ascensão de carreiras dependentes de evoluções científicas, como as de biólogo e agrônomo qualificados para o plantio em larga escala de culturas mais produtivas e baratas, ou de engenheiros especializados na produção e na gestão de energias limpas.

Os próximos 30 anos deverão ser marcados pelo envelhecimento em escala global — outra alteração demográfica com enormes consequências. De acordo com as Nações Unidas, quase um quarto da população — o equivalente a 2 bilhões de pessoas — terá mais de 60 anos em 2050, o dobro da proporção atual. Alguns estudos indicam que há 90% de chance de que pessoas hoje com menos de 50 anos possam se tornar centenários saudáveis e produtivos.

Trata-se de uma mudança social e econômica brutal. Os "novos" idosos abrirão espaço para o surgimento de uma série de serviços. O envelhecimento significa, assim, um mercado de trabalho que se abre e que rapidamente se expande. É muito provável que esses serviços sejam pagos pelos próprios usuários — não com o dinheiro da aposentadoria, mas o da remuneração que eles continuarão a ter como trabalhadores.

"Poderemos ter seis ou até sete carreiras diferentes numa vida de trabalho que se estenderá  até 80, 90 anos", diz Talwar, da Fast Future. "A principal competência do trabalhador passa a ser aprender a aprender, para preservar a capacidade de adquirir novas habilidades, a tolerância diante de incertezas, a habilidade de solucionar problemas e a capacidade de se adaptar culturalmente."

O fenômeno é global, mas tem particularidades de acordo com a realidade de cada país. No Brasil, a modernização de diferentes setores da economia já eleva a demanda por profissionais pouco requisitados ou que nem sequer existiam há bem pouco tempo. No campo, o desafio é elevar a produtividade tanto dos rebanhos quanto das culturas sem ocupar mais área.

Nos próximos anos, o cenário é de investimentos crescentes em biotecnologia — e na demanda por profissionais habilitados. Será preciso contratar não apenas pesquisadores mas também pessoal especializado na gestão do cultivo, bem como na venda de insumos e de serviços ligados ao agronegócio.


Nas cidades, que já concentram a maioria dos brasileiros (84% da população, ante 51% de urbanização na média mundial), é preciso entender uma nova geração de consumidores. Além de exigir o básico — alimentação, moradia, transporte, saúde, educação —, eles buscam produtos e serviços cada vez mais sofisticados.

"É nos centros urbanos que prospera a chamada economia do conhecimento”, diz Nathalie Trutmann, diretora de inovação da Faculdade de Tecnologia da Informação, de São Paulo. “A economia baseada na criatividade, que valoriza setores como design, moda, entretenimento e novas formas de comunicação, como as criadas no mundo virtual, em especial na internet, é cada vez mais importante."

Da internet à energia

O campo de trabalho aberto pela internet para os brasileiros é produto do rápido avanço da inclusão digital no país. De acordo com um estudo recente da Cisco Systems, empresa americana especializada em produtos e serviços para a rede, os internautas brasileiros transmitirão oito vezes mais dados até 2015, enquanto no mundo o índice vai ser multiplicado por 4.

Outro levantamento, realizado pela consultoria global Deloitte, identificou que os brasileiros passam cerca de 30 horas por semana diante do computador — quase o dobro das 17 horas gastas assistindo televisão. Além de passar o tempo trocando mensagens em redes sociais, eles fazem compras.

O faturamento com as vendas pela internet no Brasil avança a consistentes taxas de dois dígitos. Entre 2009 e 2010, o aumento foi de 40%. Neste ano, a projeção é que cresça no mínimo outros 30% e chegue a 20 bilhões de reais em transações. Nesse ambiente, as carreiras conectadas com o universo virtual — do publicitário especializado em redes sociais ao designer gráfico de videogames — devem ganhar espaço nos próximos anos.

Trata-se de uma tendência mundial — e, no Brasil, tudo indica que não será diferente.


Proliferação tecnológica. Aumento da população mundial. Envelhecimento. Preocupações ambientais. Essas são tendências com impacto global sobre o mercado de trabalho. Mas os países têm características específicas, capazes de moldar parte do mercado de trabalho. No Brasil, poucas áreas parecem tão promissoras quanto a de energia, com destaque para a geração a partir de fontes renováveis.

À multiplicação dos parques eólicos no Sul e no Nordeste, soma-se, no Centro-Sul, a base das usinas de álcool para gerar 13 000 megawatts de potência, o equivalente a quase uma usina de Itaipu. No setor de petróleo, a movimentação é ainda mais intensa. Como a exploração do pré-sal é realizada a 300 quilômetros da costa, a profundidades de até 7 000 metros, não é possível utilizar mergulhadores.

Tanto a análise do potencial dos campos quanto a exploração do óleo e do gás têm de ser realizadas por equipamentos controlados remotamente. Nas duas frentes, a demanda por engenheiros e técnicos é gigantesca. "Só agora o Brasil está criando cursos para atender às mudanças no setor de energia e boa parte dos profissionais acaba sendo treinada pelas empresas", diz Adriano Bravo, presidente da Petra, consultoria especializada na contratação de profissionais para indústrias pesadas, como petróleo, gás e mineração.

O grande desafio do Brasil é justamente fazer com que a educação acompanhe a revolução que vai varrer o mercado de trabalho nos próximos anos. Segundo Jacobstein, presidente da Singularity University, o processo promete ser darwiniano e uma transição bem-sucedida de qualquer profissional passa irremediavelmente pela educação.

"Novas tecnologias e o avanço da ciência vão deslocar a abertura de postos de trabalho para atividades que não existiam antes", diz Jacobstein. “A chave para o sucesso nessa transição será qualificar os trabalhadores para preencher os novos postos — apenas os mais preparados poderão enfrentar o desafio da mudança.”

Acompanhe tudo sobre:carreira-e-salariosEdição 099502Profissõesvagas-de-emprego

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda