Centro de Altamira, no Pará: consórcios de motos crescem em estados do Norte e do Nordeste (Germano Lüders/EXAME/Exame)
Da Redação
Publicado em 19 de setembro de 2014 às 14h43.
São Paulo - Poucos produtos simbolizam a expansão econômica brasileira na última década tão bem quanto a motocicleta — ou a motinho de 125 cilindradas, para ser mais exato. Ela virou o sonho de consumo dos jovens das classes C e D que entraram no mercado de trabalho.
Passou a ser a forma mais rápida de encarar o trânsito caótico das grandes cidades. No interior, aposentou milhares de jegues que ainda eram usados como meio de transporte. Graças a tudo isso, a produção anual de motocicletas no Brasil passou de 630 000, em 2000, para 2,1 milhões, em 2011.
Nessa toada, o país se tornou o quarto maior produtor de motos do mundo. E o número de fabricantes instaladas aqui aumentou de quatro para 11, o que fez com que a variedade de modelos passasse de 35 para 184. No auge do entusiasmo, as japonesas Honda e Yamaha, donas de 94% do mercado, planejavam produzir anualmente 4 milhões de unidades até 2020.
A Honda, líder de mercado, chegou a quadruplicar a produção de sua fábrica na Zona Franca de Manaus. No Nordeste, a frota de motos passou de 700 000 para 5,8 milhões. Era o ciclo do jegue em toda a sua exuberância. O problema é que, como aconteceu com diversos setores da economia voltados para o consumo, a euforia passou.
A diferença, aqui, é de intensidade: nos últimos três anos, a venda anual de motocicletas caiu para 1,6 milhão de unidades — uma queda de 24%. No mercado de automóveis, um dos mais afetados pelo baixo crescimento da economia nos últimos tempos, a queda foi de 10% desde 2012.
O que explica esse tombo? O mercado de motos é extremamente dependente de crédito farto e barato. Mais de 90% das vendas no país são de motos de até 200 cilindradas, que custam até 12 000 reais. Seus maiores compradores são jovens das classes C e D, que parcelavam suas compras em até 72 vezes.
Com 200 reais por mês, dava para levar para casa uma Honda de 125 cilindradas, que hoje custa 8 200 reais à vista. Mas o menor rigor na concessão de crédito fez a inadimplência saltar de 3,9% para 6,9% entre 2011 e 2012. Diante do aumento nos calotes, os bancos passaram a exigir pelo menos 20% de entrada nas compras e limitaram o prazo de pagamento a 48 meses — em vez de 72.
Se, nos tempos áureos, cinco de cada dez pedidos de financiamento eram aprovados, o número caiu para dois em cada dez. Alguns bancos, como o Bradesco, diminuíram drasticamente o financiamento para a compra de motos nos últimos três anos.
“Perdemos aquele consumidor que está com o orçamento comprometido, nunca comprou um veículo e queria uma moto para se locomover no dia a dia”, afirma Paulo Takeuchi, vice-presidente de relações institucionais da Honda.
Acostumados às boas notícias da década passada, as fabricantes adotaram uma operação de emergência para sobreviver à queda — que começou, como era de esperar, pelo corte de custos. O número de revendas de motos no Brasil, que era de 1 733, em 2012, caiu para 1 587, neste ano.
A Yamaha, vice-líder do mercado, foi a que mais fechou lojas — 80. Nas fábricas, mais de 2 000 funcionários foram demitidos nos últimos dois anos, principalmente na Zona Franca de Manaus, de onde saem 98% das motocicletas fabricadas no país.
“Certamente haverá mais demissões”, diz Marcos Fermanian, presidente da associação dos fabricantes de motos. “Os cortes feitos não foram suficientes, já que o mercado não deverá se recuperar tão cedo.” Oficialmente, agora, a previsão é que o número de 4 milhões de motos só seja atingido em algum momento entre 2020 e o longínquo 2030.
Para tentar aumentar as vendas no curto prazo, as montadoras atacaram, primeiramente, a origem do problema: o crédito (ou, no caso, a falta dele). Com os bancos mais seletivos, as empresas ressuscitaram os consórcios, que ficaram em segundo plano no final da última década.
Atualmente, 15% das vendas da Yamaha são feitas por consórcio — ante 9% em 2011. Na Honda, a fatia chega a 35%, e a meta é levá-la a 50% nos próximos anos. A modalidade é sucesso sobretudo em estados e regiões em que o poder de compra da população é menor, como no Norte e no Nordeste.
No Piauí, estado com a menor renda per capita do país, responde por 70% das vendas. Pelo consórcio, é possível, por exemplo, comprar uma CG 150 Titan, da Honda, pagando 72 parcelas de 151 reais. Financiada, a moto custa quase o dobro do preço. “É uma forma de viabilizar o financiamento sem a necessidade de análise de crédito”, diz Ricardo Tomoyose, presidente do Banco Honda.
Motos possantes
Se o maior problema é a falta de crédito, concentrar-se nos modelos menos dependentes de financiamento também poderia ser uma boa saída para atenuar a crise. Foi o que as montadoras fizeram ao apostar nos modelos com mais de 450 cilindradas. Nesse segmento, as motos custam a partir de 25 000 reais.
É um nicho pouco afetado pela escassez de crédito, já que mais de 50% das compras são feitas à vista. As vendas dessas motos também têm menos relação com o sobe e desce da economia, porque elas são usadas mais para lazer do que para trabalho. Em 2014, mais de 60 000 motos potentes serão vendidas no Brasil — 15% mais do que em 2013.
Esses números revelam também uma sofisticação do mercado brasileiro. Há dez anos, as motos com mais de 450 cilindradas representavam menos de 1% das vendas. Hoje, chegaram a 4%. Em mercados mais maduros, como o americano, mais de 50% das motos vendidas são da categoria mais potente.
Para aproveitar o fenômeno, a Honda criou, em suas revendas, uma área exclusiva para motos mais caras, batizada de Honda Dream, com uma equipe especializada. A oferta também aumentou. A Yamaha, por exemplo, vendeu 2 200 unidades só neste ano de seu modelo XJ6, de 600 cilindradas, que custa 32 000 reais com freio ABS.
A empresa também começou a produzir em Manaus a Super Ténéré, um dos grandes sucessos mundiais da marca, usada tanto na estrada quanto em trilhas. A nacionalização fez o preço da moto cair de 70 000 para 56 000 reais.
“Reduzimos os preços médios para atrair um novo público para os modelos mais potentes”, diz Marcio Hegenberg Jr., diretor comercial da Yamaha. Hoje, 4,6% das vendas da empresa já são de motos com mais de 450 cilindradas. Até julho, as vendas da empresa cresceram 11%, enquanto o mercado encolheu 6%.
O bom momento das motos mais potentes tem atraído montadoras dispostas a investir no Brasil, mesmo em meio ao desespero do setor. Especializada em motos com mais de 500 cilindradas, a centenária marca inglesa Triumph começou a produzir em Manaus há dois anos.
Em 2014, prevê vender 5 000 motos por aqui, o dobro de 2013. Seis das dez concessionárias campeãs de vendas em 2013 da alemã BMW estão no Brasil. No primeiro semestre, as vendas de motos da marca — que custam a partir de 30 000 reais — cresceram 8%. Em 2013, a subsidiária da americana Harley-Davidson cresceu 15% no Brasil e faturou 330 milhões de reais.
Nos últimos quatro anos, o Brasil passou de 15º para quinto maior mercado da Harley no mundo. Seu modelo mais vendido, a V-Rod, custa cerca de 50 000 reais — ou 250 vezes mais do que um jegue. Para esse segmento, a estrada continua livre.