Revista Exame

Felipe Miranda: vejo ecos de 2015 na bolsa, com oportunidades de compra

Teriam a alta dos juros e o renascimento da renda fixa matado o incipiente processo de financial deepening? Continuamos caminhando, mas não sem acidentes

 (Phil Leo/Michael Denora/Getty Images)

(Phil Leo/Michael Denora/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 16 de setembro de 2021 às 05h07.

Última atualização em 20 de setembro de 2021 às 14h27.

“As notícias sobre minha morte foram manifestamente exageradas.” A frase, atribuída a Mark Twain, poderia muito bem ter sido proferida pela nossa renda fixa. Com histórico de inflação e complacência fiscal, o Brasil sempre foi o paraíso do CDI. Sob juros na casa dos dois dígitos, podendo apurar alto rendimento, sem risco e com liquidez diária, o investidor não encontrava motivos para diversificar sua carteira para fora da renda fixa convencional. O rentismo clássico decorava o jaboticabal.

Nos anos recentes, a combinação de avanços fiscais, com destaque à reforma da Previdência e ao teto de gastos, controle da inflação e juros zerados no exterior mudou o quadro. A taxa Selic despencou, nos levando a juros reais negativos — algo antes impensável. Até parecíamos civilizados. Ouvia-se: “A renda fixa morreu”. Fora da reserva de emergência, não havia razões para se expor ao CDI.

Talvez o olhar mais treinado pudesse argumentar se tratar, na verdade, do nascimento de um mercado mais amplo de renda fixa, com aumento dos durations, sofisticação em papéis privados e florescimento do mercado secundário com mais liquidez e transparência. Mas essa é outra discussão.

O paraíso do CDI havia se transformado. Investidores abandonavam as cadernetas de poupança, os pós-fixados e seus gerentes de bancos. Finalmente, havia chegado a hora das ações, da internacionalização das carteiras e, certo ou errado, das criptomoedas. Um fenômeno totalmente novo começava no Brasil: o financial deepening, a penetração das finanças no cotidiano das pessoas, de carteiras permeadas por ativos de risco, diversificadas, que se tornaram assunto de mesa de bar. Viramos o país do futebol, do Carnaval, da influenciadora acertadora no Day Trade, das Varas, Congas e afins.

Apesar de excessos pontuais, era uma dinâmica muito positiva. Como no mito da caverna de Platão, os investidores viam a luz fora da sombria poupança. Juros baixos, ajuda da tecnologia e informação disponível pavimentavam a via para a sofisticação dos investimentos. À sua maneira atrasada e errática, o Brasil encontrava sua revolução financeira.

Mas o modernismo sempre encontra pedras no meio do caminho. Superado o mais grave da pandemia, a inflação voltou com tudo, em parte como reflexo global e em parte por causa de nossas próprias mazelas. O resultado foi a subida da Selic. Em termos práticos, pesquisas junto com investidores, dados da B3 e a captação das plataformas mostram maior interesse na renda fixa, em detrimento da variável. Teria o renascimento da renda fixa matado o financial deepening? Seria a morte do incipiente processo?

Entendo que não. Talvez tenha havido alguma ilusão com o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, como se ele viesse de maneira monotônica, linear, gradual e bem-comportada. “A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle.” Processos de crescimento muito bem controlados são uma invenção da nossa mente. A realidade é sempre mais voraz, imprevisível. Continuaremos caminhando, mas não sem acidentes no meio do caminho. Voltando ao mito da caverna, uma vez que a luz é percebida, não há como apagar as memórias visuais.

Tendo o investidor se educado, penetrado o ambiente da diversificação e da sofisticação, não é provável o retorno integral às trevas da poupança e suas variantes similares. É um processo inexorável de transformação, ajudado, sim, pela queda conjuntural da taxa de juro, mas também por outros elementos estruturais, como a tecnologia, o maior acesso à informação e à disseminação da (ainda incipiente) educação financeira.

Cumpre também dizer que, contida a inflação, que em grande medida tem características transitórias, a tendência é de retomada de níveis mais baixos da ­Selic. Não há razão para vermos juros de mercado indefinidamente acima de 10%. A não ser que incorramos em ruptura institucional.

Talvez aqui resida um problema lógico. Como ninguém vê a saída para a crise atual, todos concluem que não há saída. É uma falácia. O problema clássico da indução de David Hume. Ausência de evidência não é evidência de ausência. Não é porque não enxergamos a saída que ela não existe. Vivemos o que Daniel ­Kahneman chama de WYSIATI (what you see is all that is). Identificamos apenas uma porção da realidade, sem acesso a toda informação disponível. É nesses períodos de desalento e convicção de que não há solução, quando todos acham que a única saída é o Aeroporto de Guarulhos ou que não há mais luz no fim do túnel, porque a crise hídrica fez questão de apagá-la, que os ativos ficam mais baratos. E é também da completa falta de esperança que emerge uma solução inesperada.

O Brasil tem o péssimo hábito de flertar com o abismo, mas a boa prática de não se jogar. Diferentemente de alguns vizinhos, não temos vocação para acidentes, terremotos, explosões ou destruições. Nossa natureza é macunaímica, complacente, de retorno à média. A corda estica, mas não arrebenta.

O valuation da bolsa sugere níveis bastante baratos, com indicadores de atratividade semelhantes às crises de 2008 e de 2015. O prêmio de risco de mercado (excesso de retorno diante da renda fixa) beira 4% ao ano, mostrando quanto as ações estão convidativas. Ouço ecos de 2015, quando ninguém via saída da crise e todos só queriam saber do dólar e do CDI. Foi quando compramos bolsa a 40.000 pontos. Deu no que deu.

(Arte)

 

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