Mário Araripe e os filhos Virna e Lucas: família dedicada ao negócio (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 17 de fevereiro de 2016 às 04h56.
São Paulo — Na pequena turma de alunos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) — um dos principais centros de excelência em ensino de engenharia do país — formados em 1977, todos estavam familiarizados com turbinas de aviões.
Um dos engenheiros diplomados naquele ano, Mário Araripe, faria décadas depois fortuna com um tipo de turbina que ninguém imaginava ser necessária num Brasil que, então, só pensava em energia hidrelétrica — as turbinas eólicas, as que transformam a força dos ventos em eletricidade.
Hoje com 61 anos, Araripe é dono da Casa dos Ventos, empresa que chamou recentemente a atenção ao vender, por 2 bilhões de reais, duas usinas eólicas à companhia inglesa de energias renováveis Cubico. Embora tenha sido a maior transação da história do setor no Brasil, aquela não foi a primeira grande tacada de Araripe nesse ramo. E nem deve ser a última, ao que tudo indica.
Afinal, mais do que produzir energia elétrica, a Casa dos Ventos, fundada em 2007, especializou-se em desenvolver projetos de usinas eólicas — e vender o empreendimento quando surge uma boa oportunidade de negócio. Depois de vender duas usinas à Cubico, a Casa dos Ventos tem agora três parques próprios, todos ainda em construção, com capacidade de 705 megawatts.
Além disso, tem participação acionária em outras usinas que somam 657 megawatts. Ao longo de quase dez anos, já vendeu usinas em diferentes estágios de implantação. Resumindo: de todos os negócios que colocou em pé até hoje, a Casa dos Ventos já se desfez de mais de 70%.
E não foi pouca coisa — ao todo, a empresa participou do desenvolvimento de um terço dos parques eólicos atualmente em operação ou em construção no Brasil. Apesar do papel de destaque que ocupa no setor, é curioso notar que Araripe entrou nesse negócio quase por acaso. Depois de se formar no ITA, ele foi trabalhar em uma empresa da família de seu sogro, a Têxtil Bezerra de Menezes, em 1980.
Saiu um ano depois para montar o próprio negócio, a construtora Colmeia, que venderia em 1994. Por essa época, o empresário adquiriu duas companhias têxteis, nas quais detém participação até hoje. Empreendedor serial que foi enriquecendo aos poucos, Araripe ganhou notoriedade em 1997, quando comprou a fabricante de veículos utilitários Troller, que estava quebrada.
Ele reergueu a montadora cearense, chamando a atenção da americana Ford. Em 2006, Araripe vendeu a Troller para a Ford por estimados 700 milhões de reais, em valores atuais. De posse dessa fortuna, resolveu se arriscar mais uma vez em um novo negócio. Foi aí que entrou o acaso. Por sugestão de um ex-colega de turma no ITA, Odilon Camargo, o empresário passou a analisar com interesse o setor eólico.
Camargo foi responsável pelo primeiro grande levantamento sobre o potencial eólico do Brasil, elaborado para o Ministério de Minas e Energia, e se tornaria o principal consultor de Araripe no desenvolvimento do novo negócio. Nascia assim a Casa dos Ventos.
“A importância que Camargo tem no sucesso da Casa dos Ventos precisa ser destacada. Ele é simplesmente o maior especialista em energia eólica do Brasil”, diz um ex-executivo de uma das principais fornecedoras da empresa. Seu braço direito na Casa dos Ventos é o filho Lucas, um administrador formado na escola de negócios Insper e responsável pela área de desenvolvimento de projetos da empresa.
Virna, psicóloga com MBA na Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, está à frente da área de suprimentos. A caçula, Lara, trabalha no departamento responsável pela pesquisa das localidades que vão abrigar novos parques eólicos. Araripe tem mais um filho, Tasso, o único que não trabalha com o pai. Nos últimos anos, o mercado de energia eólica se tornou disputado.
Endesa, Renova Energia, Iberdrola Renovables, EDP e Duke Energy estão entre as gigantes que se instalaram no Brasil. Araripe, que chegou antes dessa turma toda, conseguiu dar tacadas certeiras porque investe muito dinheiro para encontrar lugares onde, de fato, venta de verdade. Para isso, construiu uma fábrica de torres de medição e distribuiu mais de 500 delas pelo país.
As torres fazem anos de medições e, só depois disso, Araripe decide onde vai investir. Embora os agentes reguladores do governo exijam que os estudos de viabilidade de um parque eólico incluam a construção de uma torre de medição num raio de 10 quilômetros, a Casa dos Ventos adota a proporção de uma torre a cada 3 quilômetros.
Isso, é claro, aumenta os custos do projeto (cada torre custa em torno de 300 000 reais), mas diminui o risco de instalar usinas em lugares onde o vento não vai soprar forte e de modo constante. “O vento é mais previsível do que parece, mas é preciso realizar muitos estudos para reduzir os riscos do negócio”, diz Araripe. Mas o que realmente pesou a favor foi o crescimento da energia eólica no Brasil.
Quando Araripe investiu no setor, essa fonte representava apenas 0,2% da matriz elétrica brasileira. Dois anos depois do nascimento da Casa dos Ventos, o governo promoveu o primeiro leilão de comercialização exclusivamente para a energia eólica. A iniciativa foi um sucesso e abriu caminho para novos leilões nos anos seguintes.
Hoje, a fonte eólica representa 6% da energia elétrica gerada no Brasil e, em poucos anos, a fatia deve aumentar para 10%. Com o aumento da escala de produção, os preços da eletricidade gerada pela força dos ventos caiu e ela se tornou mais competitiva com a energia de fonte hidrelétrica — que, por sua vez, enfrenta cada vez mais restrições no campo ambiental.
O avanço possibilitou a vinda ao país de diversos fornecedores de equipamentos, os quais estabeleceram uma cadeia de produção local para cumprir o esdrúxulo índice de 60% de conteúdo local exigido pelo BNDES — o banco estatal financia até 70% dos valores de cada projeto eólico.
A combinação de vantagens tem feito da construção de parques eólicos um investimento atraente. Mas o negócio tem seus perrengues. Um deles vem do fato de que os parques costumam ser afastados dos centros urbanos, exigindo linhas de transmissão longas.
A licitação das linhas depende do governo e, como se sabe, depender do governo é sempre um perigo — linhões têm atrasado a ponto de haver usinas prontas sem condições de entregar a energia aos consumidores. Para Araripe, até agora, tudo deu certo: o vento, afinal, só soprou a favor.