Revista Exame

O efeito xilindró de um dirigente de futebol alemão

A condenação do ex-presidente do clube Bayern de Munique por evasão de impostos deve render dinheiro ao governo alemão. Com a repercussão do caso, milhares de sonegadores correm para acertar as contas com o Fisco

Uli Hoeness, do Bayern de Munique: de ídolo a presidiário (Corbis/Latinstock)

Uli Hoeness, do Bayern de Munique: de ídolo a presidiário (Corbis/Latinstock)

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Da Redação

Publicado em 27 de março de 2014 às 10h52.

Berlim - Uli Hoeness, de 62 anos, é dono de uma das biografias mais conhecidas da Alemanha. Como jogador de futebol, fez parte da seleção alemã que ganhou a Copa de 1974. Como administrador do Bayern de Munique, transformou um time decadente e endividado no campeão europeu.

Devido à sua dedicação e a doações a causas sociais, Hoeness tornou-se um modelo para os alemães. Até a chanceler Angela Merkel recorria a ele para pedir conselhos. No último ano, no entanto, a imagem pública de Hoeness virou do avesso.

No início de 2013, ele confessou ao governo que havia deixado de pagar impostos sobre lucros obtidos no mercado financeiro e que mantinha o dinheiro numa conta na Suíça. Em meados de março, o caso foi finalmente julgado, e o cartola acabou condenado a três anos e meio de prisão por ter sonegado mais de 27 milhões de euros.

A derrocada de Hoeness, que deverá se apresentar à Justiça nas próximas semanas para cumprir a pena, seria mais um episódio de um milionário em maus lençóis se não fosse seu efeito positivo para o governo. Desde que o caso veio à tona, mais de 26 000 sonegadores procuraram as autoridades alemãs para regularizar sua situação fiscal — um aumento de quatro vezes na comparação com o ano anterior.

Outras dezenas de milhares deverão fazer o mesmo a partir de agora. Não é a primeira vez que uma celebridade alemã acaba na cadeia por sonegação de impostos. Peter Graf, pai da tenista Steffi Graf, foi sentenciado em 1997 a três anos e nove meses por ter sonegado o equivalente a 8,7 milhões de dólares na época.

Em 2009, Klaus Zumwinkel, então presidente da Deutsche Post, maior empresa de logística da Alemanha, livrou-se da prisão, mas pagou multa de 1 milhão de euros. A diferença desta vez é a notoriedade do acusado. “Estimamos que até 120 000 pessoas que evadiram impostos deverão se apresentar ao governo nos próximos dois anos”, diz Thomas Eigenthaler, presidente do sindicato dos trabalhadores da administração fiscal. “Todos estão vendo que Hoeness vai para a prisão e muitos temem o mesmo fim.”


Ninguém arrisca estimar quanto isso vai render aos cofres do governo. A única pista são os números do passado recente. Desde 2010, 60 000 alemães devolveram 3,5 bilhões de euros à Receita local. Essa última onda de acerto de contas foi incentivada por uma inovação por parte das autoridades.

Em 2010, o estado de Renânia do Norte-Vestfália adquiriu, de fonte anônima, um CD com dados de contas-correntes suíças pertencentes a cidadãos alemães. Apesar de dúvidas sobre a legalidade do procedimento, o governo federal deu carta branca para a compra desse tipo de informação.

Como consequência, outros estados seguiram o exemplo, aterrorizando milhares de sonegadores. O cerco se fechou quando as negociações com a Suíça para que alemães inadimplentes pudessem acertar os impostos atrasados anonimamente não foram adiante.

Uma tentativa de acordo foi aprovada pelos democratas-cristãos, o partido de Angela Merkel, mas acabou barrada no fim de 2012 pela oposição, que considerou a proposta generosa demais. Em tempos de crise, aliviar para sonegadores pega mal na opinião pública.

Pressionados pela recessão que atingiu as maiores economias da região recentemente, vários governos europeus seguiram o exemplo alemão e se voltaram contra os evasores. No ano passado, o Parlamento francês aprovou nova regulação para combater a evasão fiscal.

A Espanha também passou a focar celebridades milionárias. Em setembro de 2013, o jogador Lionel Messi e seu pai foram ouvidos pelas autoridades espanholas sobre um suposto caso de fraude no imposto de renda — o processo ainda corre na Justiça local. A transferência do brasileiro Neymar do Santos para o Barcelona também é alvo de investigação.

O novo clima está surtindo efeito nos países conhecidos por ter regras de sigilo bancário que acabam protegendo sonegadores. Na segunda quinzena de março, Áustria e Luxemburgo comprometeram-se a aumentar a transparência.

Depois de seis anos de negociações, os dois países aceitaram dividir informações de seus correntistas de forma automática com as autoridades dos 28 integrantes do bloco. Agora Suíça, ­Liechtenstein, Mônaco, Andorra e San Marino estão na mira.

“A vida de quem sonega está cada dia mais difícil na Europa”, diz Manuel René Theisen, professor de administração da Universidade Ludwig-Maximilian, em Munique. Parte dos fãs do Bayern já perdoou o cartola. Para seu azar, a Justiça, não. 

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