Revista Exame

Quem vai mandar de verdade na Máquina de Vendas?

Criada após a fusão das redes Insinuante e Ricardo Eletro, a Máquina de Vendas tem dois donos com poderes semelhantes — Ricardo Nunes e Luiz Batista. Mas isso está prestes a mudar


	Luiz Batista, da Máquina de Vendas: holding criada três anos depois da fusão
 (Divulgação)

Luiz Batista, da Máquina de Vendas: holding criada três anos depois da fusão (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 19 de outubro de 2013 às 19h10.

São Paulo - Numa sala do subsolo do hotel Unique, no bairro do Ibirapuera, em São Paulo, o empresário mineiro Ricardo Nunes sobe num pequeno palco e assume o microfone. À sua frente, está uma plateia formada por fornecedores e credores da Máquina de Vendas, empresa resultante da fusão das redes Ricardo Eletro, de Nunes, e Insinuante, de seu sócio baiano Luiz Carlos Batista.

Criada há três anos, a Máquina de Vendas é a terceira maior varejista de eletroeletrônicos do país e deve ter receita líquida de cerca de 7,5 bilhões de reais em 2013. Foram anos turbulentos, em que maus resultados se somaram à condenação em primeira instância de Nunes por subornar um fiscal da Receita Federal em 2011.

Os empresários convocaram a plateia para, em suas palavras, “agradecer” pelo apoio no período. No palco, Nunes arranca risadas nervosas dos convidados ao discorrer sobre a adaptação por que passou nos últimos anos.

“Toda hora vinham me falar de balanço auditado, de resultado. Era Price pra lá e pra cá. Eu dizia: ‘Gente, me deixe vender!’ ” O sócio Batista, não sem certa condescendência, toma o lugar no palco e brinca: “Esse é o nosso Silvio Santos”.

A reunião do dia 25 de setembro foi, sobretudo, uma prestação de contas. A Máquina de Vendas passa por uma transformação profunda — que, caso seja concluída, tirará muito da influência de Ricardo Nunes e fará de Luiz Batista a face preponderante da empresa. Após um longo processo, os sócios finalmente concluíram a formação de uma holding, constituída no dia 8 de agosto.

Na prática, portanto, a Máquina de Vendas nem sequer existia formalmente. Embora negociassem em conjunto com a indústria, as empresas do grupo eram entidades jurídicas independentes — o que criava uma confusão tanto para os fornecedores quanto para os bancos, já que não havia, por exemplo, uma garantia única dos créditos concedidos às empresas.

Como a Ricardo Eletro não tinha balanços auditados, levou anos até que os números parassem de pé e o sócio baiano se dispusesse a criar uma entidade jurídica única (responsável pelos passivos das duas empresas). Oficialmente, a companhia afirma que o processo levou tanto tempo porque foi preciso constituir novas empresas para incorporar as três varejistas adquiridas desde 2010.

Além de apresentar a holding, a reunião de setembro serviu para mostrar os números parciais de 2013. A boa notícia: após um prejuízo de 68 milhões de reais no ano passado, a empresa teve um lucro de 40 milhões de reais no primeiro semestre.

A criação da holding é apenas uma etapa, talvez a mais visível, num processo que está longe de acabar. Em 2010, quando anunciaram a criação da Máquina de Vendas, Nunes e Batista afirmaram que a empresa teria controle compartilhado e que caberia ao mineiro a presidência e o comando da política comercial, enquanto Batista ficaria na retaguarda. 

O arranjo era explicado pelas características de cada sócio, sobretudo Nunes, tido como um “vendedor nato”. Mais cerebral, Batista tornou-se responsável pela estratégia da empresa — coube a ele negociar as três aquisições que ajudaram a fazer o faturamento da Máquina de Vendas dobrar em três anos. Mas, embora os sócios neguem publicamente, o modelo se esgotou.

Em julho, o banco Bradesco foi contratado pelos sócios para organizar a venda de uma participação na Máquina de Vendas para um fundo de investimento. Foram contatados Gávea, Advent, Carlyle, TPG e KKR, entre outros. Segundo executivos de três fundos que negociaram com a empresa, o objetivo do processo é diminuir a participação acionária de Ricardo Nunes — e, ao fim, transformá-lo num acionista minoritário com menos poderes.


Para os sócios, é um passo para a sonhada abertura de capital. A condenação de Nunes a três anos de prisão por corrupção ativa poderia atrapalhar a abertura, já que criaria um problema de imagem perante potenciais investidores. Nunes, que está recorrendo da condenação, tem 47% das ações; e três membros da família Batista, 53%.

Pelo que foi proposto aos fundos, o mineiro venderia até metade de suas ações. Procurado, Nunes diz que, como é o maior acionista individual, é natural que venda mais ações do que os demais — sua participação poderia chegar a 27% ao fim do processo.

Meta de lucros

Em paralelo à negociação para diminuir sua participação acionária, Nunes vem perdendo poder no dia a dia. Seu jeitão de vendedor agressivo — ele se tornou uma figura conhecida no setor por aparecer nos anúncios da Ricardo Eletro alardeando promoções — de fato ajudou a impulsionar o crescimento da rede.

As vendas da Ricardo Eletro dobraram nos últimos três anos, enquanto o faturamento da Insinuante cresceu apenas 6%. Mas na hora de dar lucro... Até a criação da holding, a Ricardo Eletro tinha prejuí­zos crônicos e patrimônio líquido negativo. Embora cada empresa da Máquina de Vendas tivesse certa autonomia, a central de compras ficou em Belo Horizonte, comandada por Ricardo e pelo filho de Luiz Batista, Caio, que ocupava oficialmente a diretoria comercial da rede. Mas a execução foi se tornando confusa. 

“Definíamos as estratégias de vendas com cada diretor, e eles negociavam com os fornecedores”, diz um diretor da Máquina de Vendas, que pediu para não ser identificado. “Mas o Ricardo entrava em cada sala e mudava tudo, do volume de pedidos aos preços. A estratégia ia por água abaixo.”

A confusão na política comercial criou atritos com fornecedores, inicialmente entusiasmados com o projeto da Máquina de Vendas, um concorrente de peso para a poderosa Viavarejo. A solução foi tirar a negociação das mãos de Nunes. A central de compras deve mudar para São Paulo, onde fica a operação de internet do grupo, e será responsabilidade de um novo diretor comercial — André Shinohara, ex-diretor de Fast Shop e Submarino.

Como Nunes ainda é presidente da empresa, é difícil saber até onde vai a desidratação em curso. Ele afirma que a perda de influência na área comercial é reflexo da maior profissionalização da empresa.

Continuar nessa transição não vai ser fácil. A venda a fundos de private equity está andando devagar. Executivos de fundos que abandonaram o processo de venda afirmam que a empresa, endividada, precisa de uma injeção de capital para melhorar suas finanças. “Não faz sentido dar dinheiro a um dos sócios, e não à empresa”, diz o gestor de um fundo.


Diante disso, o Bradesco já informou que a empresa está aberta a uma injeção de dinheiro, somada à venda das ações de Nunes. Oficialmente, a Máquina de Vendas informa que sua dívida, equivalente a quase uma vez e meia a geração de caixa prevista para 2013, é baixa, e que a companhia não precisa de dinheiro.

Além de ajudar a resolver seu problema societário, a chegada de um fundo é vista por Batista e Nunes como a melhor forma de dar um salto na gestão do grupo. “Isso nos ajudaria a melhorar a governança”, diz Batista. Mesmo após a constituição da holding, a Máquina de Vendas é um agrupamento de redes regionais com graus de autonomia distintos.

Além da mineira Ricardo Eletro e da baiana Insinuante, há a City Lar, do Centro-Oeste, a Eletroshopping, de Pernambuco, e a Salfer, do sul do país. Todas foram compradas por meio de troca de ações e têm seus fundadores como sócios minoritários. “Nunca deixaremos de respeitar a experiência regional de cada rede”, afirma Batista. Entre as regionais, por enquanto só a City Lar usa os serviços compartilhados em Salvador. 

Tornar uma empresa com essa estrutura mais eficiente tem sido difícil, mas os resultados começam a aparecer. Até agora, Ricardo Eletro e Insinuante foram as que mais avançaram na integração, reformulando seus centros de distribuição, unificando o sistema de informática e compartilhando serviços de apoio.

Os custos dessa transição, argumentam Batista e Nunes, foram determinantes para os prejuízos nos primeiros anos após a fusão. A estratégia de crescimento a qualquer custo também está mudando. O próprio Nunes diz que o objetivo hoje é dar resultado. “A meta não é abrir loja, não é mais entrar na cidade de São Paulo, onde não estamos, é retorno. Queremos que a Máquina tenha o melhor resultado do segmento”, diz Nunes.

A empresa planeja atingir uma geração de caixa de 380 milhões de reais em 2013 — caso consiga, terá margem operacional pouco inferior à da rival Viavarejo, que se prepara para a abertura de capital. Será sinal de que a máquina de vender está aprendendo, três anos depois, a lucrar também.

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