Sede da Bovespa: os investidores estrangeiros estão tirando dinheiro do país e as empresas brasileiras estão evitando captar recursos no mercado de capitais agora (.)
Da Redação
Publicado em 2 de agosto de 2013 às 11h38.
São Paulo - Um grupo de executivos do Banco do Brasil passou a primeira semana de junho em reuniões com investidores europeus em Londres, Frankfurt, Munique e Paris. O objetivo era aproveitar o sucesso da abertura de capital da empresa de seguros do banco, a BB Seguridade, ocorrida dois meses antes — que foi a maior do mundo em 2013 —, para convencer os investidores a colocar mais dinheiro no banco.
O plano era emitir títulos de dívida e captar, no mínimo, 500 milhões de euros, ou 1,5 bilhão de reais. As conversas começaram bem, mas, em questão de dias, a coisa desandou. De uma hora para outra, ninguém queria saber de investir numa empresa brasileira, por melhor que fosse. “Foi apenas por educação que não desmarcamos as reuniões, mas a verdade é que ficou claro que não havia clima para fazer a operação”, diz um executivo ligado à oferta.
O humor mudou depois de Ben Bernanke, presidente do banco central americano, ter dito que reduzirá o programa de estímulos à medida que a economia americana demonstrar sinais de que começa a engrenar. Ainda não se sabe como, nem quando, muito menos quais impactos isso terá para os Estados Unidos ou para os mercados emergentes. Na dúvida, os investidores colocaram o pé no freio. No Brasil, o que veio em seguida foi um susto que não se via desde a crise de 2008 — o dólar em forte alta e a bolsa em queda livre.
As empresas brasileiras sentiram o baque. Até poucos meses atrás, elas estavam levantando dinheiro como nunca no exterior, e a um custo baixo. Em 2012, captaram 51 bilhões de dólares com a venda de títulos de dívida, o maior volume entre os países emergentes. Em junho deste ano, porém, não houve captação lá fora.
As empresas que estavam em meio a reuniões com investidores para lançar papéis, como a empresa da divisão de óleo e gás do grupo Odebrecht, adiaram os planos. “Até conseguiríamos captar, mas o custo seria uns 20% maior que o de apenas um mês atrás, não valeria a pena”, diz o diretor de uma companhia brasileira que esteve com investidores na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos.
O impacto para as empresas que pretendiam emitir ações na bolsa também foi grande. A Votorantim Cimentos e a companhia aérea Azul interromperam o processo de abertura de capital. A empresa de energia CPFL Renováveis decidiu prosseguir com a operação depois que o BTG Pactual e o fundo de pensão Previ garantiram a compra de parte dos papéis.
O desempenho da economia brasileira vem decepcionando há mais de um ano. Mas, como os juros lá fora estavam baixíssimos e algumas empresas nacionais apresentavam bons resultados, os investidores achavam que o risco de aplicar aqui valia a pena.
O cenário mudou quando os juros nos mercados futuros nos Estados Unidos começaram a subir — e a perspectiva passou a ser de novas altas, à medida que a economia se recupera. “Os investidores estão reavaliando as carteiras.
O Brasil, por causa de problemas internos, está entre os que mais estão sofrendo com a saída de recursos”, diz Maurício Oreng, economista do banco Itaú. Nesse novo ambiente, o baixo crescimento do PIB, a alta da inflação, as idiossincrasias do governo e o fato de as agências de rating estarem revisando a classificação de risco do país ganham um novo peso. É como se o Brasil tivesse ficado mais caro.
O impacto da alta do dólar nos resultados das empresas é outra incerteza que tem afastado os investidores. Em 2008, a variação do câmbio teve consequências dramáticas. Na época, o problema eram os investimentos de altíssimo risco feitos por certas empresas que apostavam na queda do dólar nos mercados futuros.
Quando a moeda subiu 60% de agosto a dezembro de 2008, elas perderam feio — ao todo, estima-se que o prejuízo tenha sido de 10 bilhões de reais. Entre as mais prejudicadas, estavam a fabricante de celulose Aracruz e a companhia de alimentos Sadia, que foram vendidas.
Hoje, o risco de prejuízos desse tamanho é menor. A alta do dólar foi mais branda, cerca de 10% no ano, e as empresas estão mais conservadoras. Ainda assim, é provável que muitas percam dinheiro.
Para as empresas que já vêm passando por momentos difíceis, a variação do dólar e a fuga dos investidores tornam o cenário à frente especialmente desafiador. Para a Votorantim Cimentos — que é rentável e não tem necessidade urgente de capital —, basta esperar um melhor momento do mercado para tentar de novo. Mas há empresas em situação menos confortável.
É o caso das companhias aéreas Gol e Latam (resultado da fusão da chilena Lan com a brasileira Tam). Para cumprir seu plano de investimentos, a Latam aprovou em junho aumento de capital de 1 bilhão de dólares por meio de emissão de ações. Como precisa do dinheiro, a companhia diz que vai em frente, apesar da crise.
A Gol está numa situação especialmente complicada, porque tem 70% das dívidas e 60% dos custos em dólar — e quase todas as receitas em real. Se o dólar ficar em torno de 2,13 reais ao longo do ano, os analistas estimam que o prejuízo da Gol no ano poderá dobrar (a empresa não comentou). A Latam também tem custos em dólar, mas conta com um sócio estrangeiro, o que ameniza o impacto.
E para as que têm dívidas em dólar? A consultoria Economática analisou o balanço de 114 empresas abertas que divulgam suas dívidas atreladas ao câmbio — e concluiu que elas podem perder 28 bilhões de reais de março a junho. O cálculo não considera que algumas contrataram proteção (hedge) contra a alta do dólar nos mercados futuros e, por isso, podem perder menos.
Um relatório do banco Credit Suisse aponta que, ainda assim, empresas como Petrobras e Usiminas poderiam ter lucros menores com a variação cambial. Estima-se que o lucro da Petrobras caia 20%. A situação da empresa de saneamento Sabesp também preocupa. A companhia tomou uma linha de crédito em dólares com o Banco Mundial para projetos de infraestrutura.
Hoje, 37% de sua dívida é internacional — e, segundo analistas, sem hedge (a Sabesp não comentou). “A empresa subestimou o risco cambial”, diz Gabriel Salas, analista do banco J.P. Morgan. É um risco que voltou para ficar.