Pedro Bianchi (à esq.) e Ricardo Nunes: em busca de um novo presidente para a companhia (Leandro Fonseca/Exame)
André Jankavski
Publicado em 30 de agosto de 2018 às 05h05.
Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 05h05.
A Rua da Concórdia, no Recife, e as vias que ficam em seu entorno são conhecidas por ter o comércio de eletrodomésticos e produtos eletrônicos mais movimentado da capital pernambucana. Grandes e pequenos varejistas lutam pela atenção do consumidor, frequentemente gritando os preços das ofertas do dia. Uma rede de varejo que quer crescer no Recife precisa estar ali, mas a Máquina de Vendas levou essa regra ao extremo. Por causa de aquisições mal digeridas, a empresa chegou a ter, em 2016, 12 lojas das marcas Ricardo Eletro, Insinuante e Eletroshopping na região da Concórdia.
A distorção foi corrigida nos anos seguintes — hoje, a companhia tem apenas três lojas no local. Mas a situação esdrúxula ajuda a explicar por que a Máquina de Vendas, que já foi a segunda maior varejista de eletroeletrônicos do país, entrou em crise. Desde 2014, o faturamento caiu 45%, centenas de lojas foram fechadas, e milhares de funcionários demitidos. Recentemente, a companhia iniciou mais uma tentativa de colocar a casa em ordem — desta vez, com um novo dono.
Em agosto, a gestora brasileira de fundos de participação Starboard negociou um acordo para comprar 72,5% da Máquina de Vendas por 250 milhões de reais. Especializada em reestruturar empresas em dificuldades, a Starboard estava trabalhando na reorganização da Máquina de Vendas desde janeiro de 2017. “Desde o início, enxergávamos um grande valor na companhia que não estava sendo bem aproveitado”, diz Pedro Bianchi, sócio da Starboard.
A compra, fechada no dia 24, foi acertada assim que a empresa iniciou seu processo de recuperação extrajudicial e montou um plano para renegociar a dívida de cerca de 1,5 bilhão de reais com fornecedores. “Sem a volta dos fornecedores, seria impossível fazer qualquer plano de recuperação da empresa”, diz Ricardo Nunes, fundador da Ricardo Eletro, e que, no novo arranjo, terá 15% da Máquina de Vendas.
Nos últimos anos, fabricantes como Electrolux, Samsung e Whirlpool se reuniram diversas vezes com a Máquina de Vendas para tentar resolver o problema dos pagamentos em atraso. Como as soluções apresentadas não deram certo, eles passaram a atrasar o repasse de produtos — alguns interromperam totalmente as vendas. Com isso, a companhia perdeu espaço para a concorrência: hoje, é a terceira maior rede de varejo de eletroeletrônicos do país, com faturamento de 5,2 bilhões de reais, 65% menor do que o do Magazine Luiza, o segundo colocado (a primeira posição é da Via Varejo).
Nas últimas semanas, a empresa finalmente conseguiu chegar a um acordo com seus principais fornecedores, segundo Nunes e Bianchi. Reuniu 20 deles, que respondem por cerca de 80% da dívida, e propôs pagar o que deve de forma parcelada mas sem desconto, para os que retomarem a entrega de produtos. Pelo acordo, o valor mínimo de entrega deve ser equivalente à metade da dívida que a Máquina de Vendas tem com o fornecedor: se ele tem 500 milhões de reais a receber, precisa repassar 250 milhões em produtos. A varejista prevê o pagamento da dívida remanescente em até quatro anos. A Máquina de Vendas estima que terá 800 milhões de reais em crédito no novo acordo.
Mas nem todos os fornecedores concordam com o acordo. EXAME apurou que a coreana LG ficou fora do acordo (a LG não deu entrevista). Para quem decidir não participar, a proposta da Máquina de Vendas é pagar a dívida com desconto de 60% e somente depois que os fornecedores que fecharam o acordo receberem. Além disso, executivos próximos à varejista dizem que credores de valores menores, como os donos dos imóveis onde ficam as lojas da companhia, ainda não foram chamados para negociar.
As propostas fazem parte do plano de recuperação extrajudicial, que precisa ser homologado pela Justiça para ser implementado. Segundo Bianchi, isso deverá acontecer em três meses. Até o plano ser aprovado, a empresa está sendo comandada por Bianchi e Nunes, mas isso deve mudar. A companhia está procurando um presidente no mercado. EXAME apurou que alguns executivos da concorrência foram sondados, mas recusaram o convite (Bianchi e Nunes negam). O plano é que Nunes seja copresidente, responsável pelas áreas de marketing e vendas, e outro profissional cuide dos demais departamentos. Bianchi deve ser o presidente do conselho de administração.
Achar um presidente é apenas um dos desafios da Máquina de Vendas. O outro, comum a todas as empresas que atuam no varejo de eletroeletrônicos, é investir para integrar seus sistemas de vendas nas lojas e no site e aprimorar a logística. Via Varejo e Magazine Luiza vêm fazendo isso há anos. A Máquina de Vendas, em razão das dificuldades financeiras, ficou para trás, segundo especialistas no setor. “A empresa cresceu bastante num momento em que fazer aquisições e abrir lojas fazia a diferença. Hoje, a expansão depende muito de tecnologia e ganhos de eficiência”, diz Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, consultoria especializada em varejo.
É verdade que a companhia fez algumas melhorias. Durante uma reestruturação em 2017, coordenada pela consultoria McKinsey (que foi contratada pelos bancos que são credores da Máquina de Vendas), os sistemas de vendas foram unificados — dos oito que funcionavam de forma paralela até então, sobrou apenas um. Também foram extintas as bandeiras das empresas compradas: Insinuante, Salfer, City Lar e Eletroshopping. Apenas a Ricardo Eletro continua. Ainda assim, algumas dificuldades persistem.
Um exemplo ajuda a mostrar o problema da logística. EXAME fez uma simulação de compra pela internet do celular mais vendido no Brasil pelos sites de Ricardo Eletro, Magazine Luiza e Casas Bahia, controlada pela Via Varejo. O local de entrega seria a Rua da Concórdia, citada no início desta reportagem. Mesmo com três lojas na região e tendo no Nordeste um de seus principais mercados, a entrega prometida pela Ricardo Eletro era três dias úteis mais demorada que a dos concorrentes e o frete era 50% mais caro. “Nosso plano de integração dos canais está em execução e teremos mais novidades nos próximos meses ”, diz Nunes.
Em cinco anos, a gestora pretende vender sua participação a um concorrente ou na bolsa por meio de uma abertura do capital. Uma venda também poderia resolver a situação com os bancos. A dívida com as instituições financeiras, de cerca de 1,5 bilhão de reais, foi renegociada no fim de 2017. Na ocasião, foi criada uma empresa, a MV Participações, controlada por Nunes e Luiz Carlos Batista, antigo sócio da Insinuante e que, no novo arranjo, terá 12% do capital da Máquina de Vendas. A MV emitiu 1,5 bilhão de reais em títulos de dívida, comprados pelos bancos. Se Batista e Nunes venderem suas participações na Máquina, os bancos vão receber primeiro. Executivos do setor de varejo acham o plano de reestruturação da companhia ambicioso demais. “É necessário pelo menos 1 bilhão de reais para ajustar a operação”, diz um deles. Se a empresa aprendeu com seus erros do passado, a nova tentativa pode funcionar.