Revista Exame

O desafio da reconstrução: já chegamos ao fundo do poço?

As 500 maiores empresas brasileiras têm a pior rentabilidade desde 1974. A esperança é que elas tenham alcançado o fundo do poço e iniciem a virada.

Fábrica de cimentos da Votorantim: à espera da retomada do crescimento, a empresa reduziu a produção (Germano Luders/Exame)

Fábrica de cimentos da Votorantim: à espera da retomada do crescimento, a empresa reduziu a produção (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 17 de agosto de 2016 às 12h47.

São Paulo — Passar o Brasil a limpo, ainda que isso exija o sacrifício de todos. Esse é um sentimento que tomou conta de muitos brasileiros depois de um ano marcado por escândalos de corrupção envolvendo a maior empresa do país, a Petrobras, o governo da presidente afastada, Dilma Rousseff, e vários líderes do Congresso Nacional.

Na mira da Operação Lava-Jato, empresários poderosos sentiram pela primeira vez que não ficariam impunes e estão há meses presos na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Ninguém imaginou que um juiz de primeira instância, Sergio Moro, e um procurador-geral da República, Rodrigo Janot, até então desconhecidos do grande público, pudessem ir tão longe.

Em meio ao turbilhão de notícias político-policiais que sacudiram o Brasil, a economia encolheu 3,8% em 2015, e a elite empresarial do país levou um dos maiores tombos da história. Depois de cinco anos seguidos de crescimento, a receita das 500 maiores empresas caiu 4,6%, as dívidas subiram 12% e 178 000 empregos nessas companhias desapareceram de um ano para o outro.

O lucro de 18 bilhões de dólares em 2014 virou um prejuízo de 19 bilhões em 2015. A rentabilidade sobre o patrimônio ficou negativa em 4,9% — a pior taxa desde o lançamento da primeira edição de MELHORES E ­MAIORES em 1974.

Em 43 anos, esse indicador ficou abaixo de zero em apenas três ocasiões: em 1991, quando fracassaram os planos econômicos do governo Fernando Collor de Mello; em 1999, com a crise cambial no governo Fernando Henrique Cardoso; e no ano passado, com o aprofundamento da recessão na gestão de Dilma Rousseff. 

No ambiente conturbado do Brasil em 2015, quase todos os setores da economia acusaram o golpe. A construção civil viu seu PIB setorial encolher 7,6%, enquanto o PIB da indústria diminuiu 6,2%.

O consumo das famílias caiu 4%. “Claro que vários setores perderam receita, mas foram três das maiores empresas do país — Petrobras, Vale e Eletrobras — que empurraram o resultado das 500 maiores ladeira abaixo”, diz Ariovaldo dos Santos, coor­denador técnico da Fipecafi, fundação ligada à Universidade de São Paulo responsável pela coleta e pela análise das informações de MELHORES E MAIORES.

Juntas, a Petrobras, a mineradora Vale e a estatal de energia Eletrobras tiveram prejuízo de 23 bilhões de dólares no ano passado. A Petrobras fechou o segundo ano consecutivo no vermelho, sofrendo os efeitos da queda no preço do petróleo, do aumento do dólar e das perdas com a desvalorização de seus ativos e com os danos do petrolão.

A Vale também sentiu o impacto da alta do dólar, que pressiona suas dívidas, e da redução das cotações do minério de ferro. A Eletrobras fez provisões bilionárias para possíveis perdas em disputas ­judiciais com grandes consumidores de energia elétrica.

Excluindo os resultados dessas três gigantes de nossa economia, a elite empresarial do país fechou o último ano com lucro de 4,2  bilhões de dólares — ainda assim, esse valor representa apenas um quarto do ganho líquido obtido pelas 500 maiores empresas em 2014.

Apesar do cenário econômico ainda incerto, há quem aposte no início de uma leve retomada do crescimento do país no segundo semestre — teríamos então, finalmente, batido no fundo do poço. Os sinais de recuperação por ora são frágeis. O PIB no primeiro trimestre deste ano, apesar da contração de 0,3% em relação ao trimestre anterior, apresentou o melhor resultado desde o quarto trimestre de 2014.

A mudança de governo e a nova equipe econômica renovaram a esperança de que o Brasil pode finalmente começar a virar a página da crise, mas ainda é cedo para otimismo. Uma coisa é certa: sem o retorno da confiança na economia, o consumidor dificilmente voltará às compras.

Só quando a inflação e os juros começarem a ceder, os custos do crédito também cairão e poderão rea­nimar setores mais afetados pela crise, como o automotivo.

“Para comprar um veículo, as pessoas precisam ter clareza sobre o futuro, pois 70% das vendas são parceladas”, diz Santiago Chamorro, presidente da General Motors no Brasil, que no ano passado faturou 2,9 bilhões de dólares e ficou na 44a posição no ranking das maiores empresas.

Em conjunto, as montadoras que publicam balanços no país tiveram prejuí­zo de 183 milhões de dólares em 2015, ante um lucro de 118 milhões no ano anterior. As vendas de automóveis no mercado interno deverão alcançar 2,2 milhões de unidades em 2016. Chamorro prevê que o Brasil vai levar três ou quatro anos para retomar a pujança de 2013, quando foram vendidos 3 milhões de automóveis.

“Isso se o país fizer as reformas necessárias na economia.” Enquanto não ocorrem as reformas para, entre outras coisas, controlar a dívida pública e reduzir a carga tributária, o jeito é fazer o que está ao alcance. Na GM, Chamorro diz que são três as prioridades para enfrentar a crise: reforçar as vendas, eliminar desperdícios e melhorar o relacionamento com concessionárias e fornecedores.

A empresa mantém o plano de investir 6,5 bilhões de reais de 2015 a 2019 na renovação de produtos e na reforma de fábricas no Brasil, o terceiro maior mercado da montadora americana no mundo. A visão de que a crise é uma oportunidade para fazer uma boa revisão nos processos, nos produtos e na equipe é comum entre grandes empresas.

Assim como a GM, a Votorantim Cimentos aposta na rees­truturação organizacional, no enxugamento dos custos e na redução da produção para atravessar o mau momento da economia. Nos últimos nove meses, a Votorantim paralisou a operação de vários fornos e de duas fábricas, que poderão ser reativados em 2017 e 2018 se a economia voltar a crescer.

“Esperamos pela retomada das obras de infraestrutura no país”, diz Walter Dissinger, presidente da Votorantim Cimentos. “Toda crise uma hora acaba.” A receita da empresa caiu quase 20% no ano passado, para 1,6 bilhão de dólares, em consequência de uma retração de 9% no consumo brasileiro de cimento em 2015.

Mesmo com o cenário de incerteza, a Votorantim iniciou em dezembro a operação de uma nova fábrica no município de Edealina, em Goiás, e nos próximos meses deverá inaugurar a de Primavera, no Pará. “Estamos de olho no longo prazo. Estudamos como aumentar a produtividade e vamos nos preparando para quando a economia reagir”, afirma Dissinger.

Um fato curioso, que interfere tanto na indústria de cimentos quanto no varejo, pois afeta o consumo das famílias, é que a queda na renda per capita de 2014 para cá — 9%, em média — é próxima da registrada em duas outras crises recentes da história brasileira, a do período de 1981 a 1983, quando a dívida externa atingiu níveis astronômicos, e a do triênio 1989 a 1992, perío­do de alta inflacionária e crise política que culminou no impeachment de Fernando Collor de Mello.

“Até agora a recessão que vivemos é muito parecida com a desses dois períodos. Se a história se repetir, podemos vislumbrar uma trajetória de recuperação do PIB de 2016 a 2018”, diz Bráulio Borges, economista-chefe da consultoria LCA.

Ele prevê uma retração de 3,2% da economia brasileira neste ano, uma recuperação de 1,5% no ano que vem e um crescimento de 2,8% em 2018 — desde que a política não atrapalhe.

Para Borges, as reformas que vierem a ser adotadas pela nova equipe econômica não vão gerar expansão no curto prazo, mas poderão diminuir as incertezas de empresas e pessoas, que poderão antecipar investimentos e consumo, e dar um choque de confiança na economia.

É essa mudança no humor do mercado que o varejo espera para se recuperar do tombo de 4,3% sofrido em 2015 e das estimativas de que vai encolher mais 4,1% neste ano. Reagindo a isso, o maior grupo varejista do país também passa por mudanças.

Em 2016, a operação de “atacarejo” — lojas que misturam características de atacado e varejo — do Grupo Pão de Açúcar (GPA), com a rede Assaí, se tornará o maior negócio na área de alimentos da companhia, superando a operação de hipermercados.

“Tínhamos a visão clara de que a era do varejo convencional acabaria já em 2015, e nos preparamos”, diz Ronaldo Iabrudi, presidente do GPA, controlador também da Via Varejo. Os ajustes envolveram todas as unidades do grupo e resultaram no fechamento de 39 lojas de baixo desempenho das bandeiras Pão de Açúcar, Extra e Minuto e 11 lojas da Via Varejo.

Mas no ano passado também houve investimento de 2 bilhões de reais e a abertura de 118 lojas. “Com todos os ajustes, encerramos 2015 com um caixa líquido de 5  bilhões de reais”, afirma Iabrudi. Apesar disso, os resultados do GPA e da Via Varejo ainda não são bons.

Enquanto o primeiro viu as vendas no ano passado cair 7%, para 6 bilhões de dólares, o segundo encolheu 22%, para pouco mais de 5 bilhões de dólares. Os números não desanimam Iabrudi, que espera colher os resultados da reestruturação no longo prazo. “Vamos investir mais 1,5 bilhão de reais neste ano. Só o Assaí ganhará mais 15 lojas”, diz.

Não são apenas os indicadores ruins da macroeconomia que atingem as empresas. Alguns setores se ressentem também do surgimento de novas tecnologias.

É o caso das empresas de telecomunicações e televisão a cabo, que vêm perdendo receita com a expansão dos serviços gratuitos de men­sagem eletrônica, como o WhatsApp, e de filmes pela internet, como o Net­flix — que usam, a infraestrutura das empresas de telefonia. Isso, somado a uma saturação do mercado, tem reduzido as margens das operadoras.

Os dados de MELHORES E MAIORES mostram que as empresas de telecomunicações tiveram queda de 500% nos lucros em relação a 2014 — uma virada de 906 milhões de dólares de ganho para 3,7 bilhões de prejuízo.

A saída é olhar para outras fronteiras de expansão, como a internet das coisas — a comunicação automática entre dispositivos —, que permite vários serviços que se encaixam no conceito de cidades inteligentes, como o controle do tráfego. “Fomos pioneiros no 3G, no 4G e seremos no 6G.

Vamos criar produtos e parcerias para avançar nesse mercado”, diz José Antônio Guaraldi Félix, presidente no Brasil da mexicana América Móvil, que controla a operadora Claro. Para abrir novos mercados, porém, as empresas do setor precisam reduzir o endividamento, que diminui a capacidade de investimento. A Claro, além do prejuí­zo de 481 milhões de dólares, viu sua dívida crescer 81% em 2015.

“Apesar do cenário adverso, esperamos um crescimento de 3% na receita deste ano e já começamos a ter resultados melhores”, afirma Félix.
A alta volatilidade do dólar do segundo semestre de 2015 para cá pegou no contrapé não somente a Claro e suas dívidas em moeda estrangeira.

Muitas empresas viram os custos se elevar a níveis preocupantes quando a moeda americana chegou a 3,90 reais no fim do ano passado e rompeu a barreira de 4 reais no começo deste ano. Com 50% das despesas operacionais e 70% das dívidas em moeda estrangeira, as empresas de aviação foram as que mais sentiram o impacto da variação cambial.

O resultado foi um prejuízo líquido somado das companhias aéreas brasileiras de mais de 5 bilhões de reais em 2015, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas Aéreas. “A dependência do câmbio é grande. O querosene de aviação, que representa 38% dos custos, é cotado em dólar”, diz Antonoaldo Neves, presidente da companhia aérea Azul.

Mesmo empresas exportadoras, que são favorecidas por receber as vendas em moeda americana, sofreram o efeito da variação cambial na ponta dos insumos. A cooperativa catarinense Aurora Alimentos viu sua parcela de vendas ao mercado externo aumentar de 22% para 27% da receita no intervalo de um ano.

Com isso, o faturamento cresceu 3,7%, para 1,9 bilhão de dólares no ano passado, e subiu nove posições no ranking das 500 maiores empresas. A Aurora, contudo, uma das maiores produtoras de carnes de frango e suína do Brasil, recentemente começou a sentir o impacto da alta do preço do milho, principal componente da ração.

Atraídos pela alta do dólar, os produtores brasileiros de milho exportaram mais de um terço da colheita do ano passado, zerando o estoque nacional e jogando o preço do insumo nas alturas.

Com a cotação do grão acima de 40 reais a saca, os produtores de milho estão festejando, mas a Aurora passou a trabalhar com margens negativas na venda de alguns produtos, de acordo com Mário Lanznaster, presidente da cooperativa. Até segunda ordem, a Aurora congelou seu plano de investir 350 milhões de reais em um novo frigorífico e vai conceder férias coletivas a parte dos empregados em julho.

“Demorou, mas a crise chegou até nós”, afirma Lanznaster. De todo modo, ele ainda espera que a Aurora repita em 2016 o desempenho do ano passado, sobretudo se o Senado confirmar o impeachment de Dilma. “A mudança de governo é necessária para que o Brasil volte a competir.” As expectativas, aliás, estão concentradas na arena da política.

Por ora, os dirigentes das empresas dão um voto de confiança ao presidente interino Michel Temer, mesmo com a turbulência gerada pelo envolvimento de membros do governo em casos de corrupção. Até o fechamento desta edição em 23 de junho, três dos ministros nomea­dos por Temer haviam caído por suspeitas de desvios trazidas pela Lava-Jato.

O próprio Temer viu o nome envolvido na delação premiada de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. Há muita incerteza no ar, portanto. Ainda assim, os comandantes de empresas preferem apostar num cenário melhor. “Arrisco a dizer que poderemos retomar o crescimento na segunda metade do ano”, diz Chamorro, da GM. Tomara que a política permita que Chamorro acerte. 

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