Revista Exame

O que o Brasil precisa fazer para crescer em 2021

Uma expansão forte da economia não deveria ser um problema para o Brasil em 2021, com a ajuda do cenário externo. Mas será uma bela vitória se avançarmos 3,5%

 (Richard Drury/Getty Images)

(Richard Drury/Getty Images)

O FMI soltou há alguns dias novas projeções de crescimento. De acordo com o fundo, o produto somado de todos os países será 5,5% maior em 2021 do que no ano passado. Essa expectativa de retomada rápida se justifica pela manutenção de estímulos em economias relevantes e pela perspectiva de normalização das atividades com a crescente imunização das populações.

Há riscos. Mesmo que a vacinação seja um processo sem surpresas desagradáveis e que os efeitos econômicos deletérios da segunda onda não sejam muito maiores do que os já conhecidos, a pandemia produziu “passivos” que seguem aumentando e que requerem uma boa dose de engenharia política para ser absorvidos suavemente.

Entre esses passivos incluem-se, por exemplo, a ampliação de desigualdades dentro dos países e entre eles e o acúmulo de dívidas monstruosas. A ressaca está contratada e será preciso encontrar uma forma de distribuir os vários ônus de forma justa e palatável.

Outro perigo é o surgimento de pressões inflacionárias, especialmente em economias emergentes. É razoável pensar que por ora esse risco seja pequeno porque a crise produziu uma ociosidade cavalar.

Por isso, os juros estão baixos mundo afora, devendo ­conti­­­­nu­ar­­ assim por um bom tempo. Mas dá frio na barriga pensar no destino dessa liquidez toda num cenário de elevação paulatina da confiança e da demanda — a inflação, quando vem, chega chegando, sem avisar com muita antecedência.

Fatores positivos atenuam esses riscos. Há perspectiva de mais cooperação entre os países relevantes. Existe também a convicção da necessidade de manter estímulos enquanto não houver certeza de normalização e, nesse sentido, os Estados Unidos, a China e até a Europa parecem dispostos a manter o pé no acelerador, mesmo que arriscando ter um pouquinho mais de inflação.

Nesse diapasão, os mercados estão eufóricos. Talvez um pouco demais, mas não sem motivos. 

Normalmente, um cenário externo de contornos favoráveis deveria facilitar nosso desempenho, pois, como em boa parte dos países emergentes, o Brasil é bastante suscetível aos ciclos da economia mundial — nosso combustível é a poupança dos outros países. O principal duto por onde o humor de fora é transmitido para cá é a relação de preços dos produtos que exportamos e importamos, conhecida como “termos de troca”.

A boa notícia é que, no final do ano passado, os termos de troca estavam cerca de 9% mais favoráveis do que há um ano. Tipicamente, isso deveria ser acompanhado de fortalecimento do real, pois o país enriquece quando é capaz de comprar mais com cada unidade do que vende.

Desta vez, no entanto, o câmbio tem permanecido relativamente depreciado, em parte porque os juros domésticos caíram, outra boa notícia. Ou seja, o país enxerga preços favoráveis no shopping center global, custo de capital baixo, e nossos exportadores embolsam uma quantidade de reais maior para cada dólar faturado. No passado, isso soprou a favor do crescimento.

Na verdade, é possível “explicar” cerca de 80% dos ciclos da economia brasileira nas últimas décadas olhando apenas para o crescimento do PIB mundial e a variação dos termos de troca. Se o passado servisse de guia, (i) o ponto de partida deprimido, (ii) o cenário rosado do FMI para o mundo e (iii) a relação de trocas favorável ao Brasil seriam consistentes com crescimento superior aos cerca de 3,5% esperados pela média dos economistas.

Talvez mais para 4,5% ou até 5%. Por que, então, a despeito do empurrão do cenário externo, existe relutância em colocar fichas num cenário de crescimento melhor para 2021? Se não é por obstáculos fora das fronteiras, a explicação deve ser procurada dentro. O nó é que, infelizmente, faz tempo que o Brasil não é governado por quem inspire confiança (o saudoso interregno Temer, enquanto durou, é uma breve exceção). Como disse, salvo engano, Delfim Netto, crescer é um estado de espírito.

Além da gestão ignorante da crise sanitária, o Executivo nada faz para tornar a economia brasileira mais leve, mais justa e mais dinâmica. Para piorar, não se deve esperar nada muito diferente no futuro próximo, pois a inação e o curtoprazismo são os resultados esperados de um jogo entre um líder fraco e míope comendo nas mãos da fina flor da velha política.

Desgraçadamente, o Brasil precisa de uma liderança ativa para navegar a maior crise econômica mundial dos últimos 150 anos que se somou à herança macabra da lambança produzida em 2014 e 2015 por um governo cuja incompetência até então parecia insuperável.

Diante dessa tragédia, ver o país governado por um prodígio que teve a graça de herdar do anterior o ­bê-á-bá a ser feito, item a item, mas é incapaz de aquilatar a gravidade do momento e a urgência de tocar a bola para a frente e, para piorar, tem a alma entregue aos setores mais retrógrados do Congresso, será uma bela vitória se o Brasil de fato crescer 3,5% em 2021.

O bonde da história tem ficado dia após dia mais distante de nós.  

(Divulgação)

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