Azevêdo, da OMC: “Esse não é um choque estrutural, mas temporário” | Seong Joon Cho/Bloomberg/Getty Images / (Seong Joon Cho/Bloomberg/Getty Images)
Filipe Serrano
Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às 05h00.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 15h40.
Embora grave, a crise provocada pela epidemia do novo coronavírus Covid-19 na China tende a causar um choque apenas temporário caso a situação volte ao normal no curto prazo. Essa é a avaliação do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio. Em entrevista à EXAME, ele defende que a abertura comercial dos países é um antídoto para evitar prejuízos mais graves em casos como esse. “Manter o comércio internacional aberto continua sendo a ferramenta mais valiosa para absorver os choques”, diz.
Qual é a avaliação que o senhor faz dos impactos da epidemia do coronavírus para o comércio mundial?
Ainda é difícil avaliar. Primeiro, porque os dados para essa análise ainda não estão disponíveis. Segundo, porque outros choques econômicos estão impactando a economia global — particularmente as tensões comerciais, que, apesar de terem arrefecido, permanecem.
A escala desta crise tem surpreendido?
Os sinais indicam efeitos semelhantes aos vírus de epidemias anteriores, como a sars. O Covid-19 afeta, sobretudo, a economia chinesa, mas as cadeias globais de produção transmitem os efeitos a outros países. Os impactos econômicos podem variar de moderados a expressivos, de localizados a globais. A escala da crise dependerá da duração e extensão geográfica da epidemia.
A epidemia vem em má hora para o comércio e para a economia global? Por quê?
O crescimento do comércio mundial já vinha num patamar abaixo das taxas históricas, principalmente pela incerteza causada pelas tensões comerciais. Os distúrbios econômicos causados pela epidemia não contribuem para melhorar o quadro.
Quais indústrias podem ser as mais prejudicadas no mundo?
Turismo, viagens e transportes. Os setores com cadeias de valor mais globalizadas, que utilizam muitos bens intermediários da China, também sofrem — como automóveis e equipamentos eletrônicos. A demanda chinesa por matérias-primas, energia e componentes também deve cair no curto prazo.
Qual é o risco para a economia e o comércio da América Latina e, particularmente, para o Brasil, em sua avaliação?
Provavelmente moderado. O México poderá sofrer mais, por utilizar muitos bens intermediários da China em sua produção.
É necessária uma ação conjunta dos países para se preparar para distúrbios no comércio mundial como esse?
Em termos de cooperação econômica, manter o comércio internacional aberto continua sendo a ferramenta mais valiosa para absorver os choques. Isso favorece o acesso a fornecedores alternativos de insumos de produção, no caso de interrupção do fornecimento. Além disso, a manutenção dos fluxos de comércio contribuirá para uma recuperação mais rápida quando o coronavírus estiver controlado.
Poderemos ver uma mudança na estrutura das cadeias de valor globais, baseadas principalmente na Ásia, depois desse caso?
Se a crise for de curta duração, de alguns meses, as empresas usarão estoques e buscarão alternativas temporárias. Se os efeitos econômicos persistirem, as empresas começarão a procurar novos fornecedores. Mas o que a história econômica sugere, nesses casos, é que as coisas tenderão a voltar ao que eram antes. Esse não é um choque estrutural, mas temporário.