Renato Lima: “Temer foi perspicaz ao chamar para si a responsabilidade pela segurança pública” (Karime Xavier / Folhapress/Exame)
Leo Branco
Publicado em 1 de março de 2018 às 13h45.
Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 15h55.
São Paulo — O cientista social Renato Sérgio de Lima é responsável pelo banco de dados mais atualizado de criminalidade no Brasil — mais até do que o do governo federal, que sofre com a falta de estrutura do Ministério da Justiça. Com o vácuo da União no tema, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG fundada por Lima em 2006 e financiada por empresas e governos, tem sido a principal fonte de registros sobre o impacto — positivo ou não — de políticas públicas no combate à violência.
Com base no histórico da atuação militar em segurança no Rio de Janeiro, Lima avalia que a intervenção federal só será bem-sucedida se, além de ocupar favelas violentas, conseguir implantar uma gestão mais técnica nas polícias fluminenses. Mas, para ele, uma coisa é certa: mesmo se vier a ser fracassada, a ação no Rio de Janeiro vai tornar o tema da segurança pública a prioridade dos candidatos à eleição em 2018.
A intervenção federal no Rio de Janeiro pode ser bem-sucedida?
Pode, se o interventor no Rio tiver autonomia para fazer um expurgo nas indicações políticas em cargos-chave para a estratégia de combate à violência. Uma das causas da queda na criminalidade em São Paulo foi um ato corajoso do ex-governador Mário Covas de dar autonomia ao gestor da Secretaria de Segurança para não aceitar indicações políticas na chefia dos batalhões e das delegacias. Com técnicos nessas posições, ganhou força a análise criteriosa de dados criminais, responsável pela redução de crimes em outros lugares do mundo, como os Estados Unidos.
A força policial fluminense não seguiu essa tendência?
Houve avanços na gestão policial fluminense, mas as indicações políticas para os cargos de liderança seguiram a norma. Ainda hoje, muitos comandos são geridos por indicados de deputados estaduais ou vereadores. O resultado: decisões táticas, como o itinerário das patrulhas, são definidas com critérios políticos, e não com base em dados. Apenas quando essa lógica for quebrada será possível obter bons resultados. Só ocupar os morros com tropas do Exército é pouco para enfrentar o crime organizado.
Qual a chance de essa mudança de gestão policial de fato acontecer?
A margem de ação do interventor é pequena. Ainda não está claro o mandato que o governo federal está dando para o Exército atuar. Mexer na gestão das polícias vai criar muita resistência das forças de segurança fluminenses. Por outro lado, colocar tropas numa favela dá muita visibilidade. Provavelmente, as forças interventoras vão apostar nessas operações para tentar elevar a sensação de segurança da população e mostrar que mandam ali.
Esse tipo de ação pode ser eficaz?
Não creio. As forças de segurança brasileiras seguem um modelo de combate com trincheiras, típico da Primeira Guerra Mundial. A guerra moderna é feita com aviões e drones capazes de quebrar a capacidade de logística do oponente. Mas, no combate à violência urbana, não fazemos um patrulhamento eficiente de rotas de drogas e armas em rodovias e portos. Vamos para o confronto de peito aberto e sem proteção. É uma opção burra.
Como a intervenção pode influenciar as eleições em 2018?
A segurança pública será o principal assunto da campanha. O segundo lugar do deputado Jair Bolsonaro nas pesquisas eleitorais reflete um pedido de socorro da população. Os brasileiros querem voltar a ter um mínimo de previsibilidade em sua vida. Hoje, estamos reféns da violência. Por isso, o presidente Michel Temer foi perspicaz ao chamar para si a responsabilidade pelo tema.
O presidente pode se beneficiar caso a intervenção dê certo?
É difícil prever, porque dificilmente os possíveis candidatos à Presidência em 2018, incluindo Bolsonaro e Temer, sabem o que fazer com a intervenção caso vençam as eleições. Uma coisa é certa: a medida bagunçou por completo o arranjo institucional de segurança montado na Constituição de 1988. É provável que a duração seja prorrogada. Ou ainda que ela obrigue o Congresso a discutir políticas públicas para conter a escalada da violência, coisa que não fez nas últimas três décadas. Um exemplo: o artigo 144 da Constituição, que aborda a segurança pública, nunca foi regulamentado, como está previsto na lei. Quem se eleger agora vai ter de retomar essa discussão inadiável.