Sundar Pichai, novo presidente do Google: o executivo virou motivo de orgulho nacional na Índia (Justin Sullivan/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 4 de setembro de 2015 às 05h56.
São Paulo — Quando ingressam no prestigiado Instituto de Tecnologia de Kharagpur, na Índia, os estudantes são chamados de “KGPians”. O apelido é uma referência à cidade de 290 000 habitantes a oeste de Calcutá, mas serve de reconhecimento entre os membros da elite acadêmica.
Fundada em 1951, a universidade é uma das melhores da Índia e formou políticos e empresários notórios. Mas nenhum ex-KGPian se tornou um símbolo de orgulho nacional tão celebrado quanto o executivo Sundar Pichai, nomeado presidente da empresa de tecnologia Google recentemente.
Pichai (pronuncia-se pi-tchái), de 43 anos, seguiu o caminho dos sonhos dos jovens indianos. Ele deixou o país em 1993 para fazer um mestrado nos Estados Unidos, na Universidade Stanford. Desde que entrou no Google, em 2004, passou por áreas importantes, mas era desconhecido até se tornar vice-presidente sênior em 2011.
E agora o indiano, que nasceu em uma modesta família de classe média, passou a liderar os negócios-chave do Google após a criação da holding Alphabet em agosto. Na nova estrutura, Pichai cuida das divisões de buscas, mapas, YouTube, Android e publicidade. Esta última corresponde a 90% do faturamento de 34,9 bilhões de dólares em 2015.
Já as áreas que miram o futuro, como o projeto do carro sem motorista, viraram empresas separadas, sob liderança dos fundadores Sergey Brin e Larry Page. A história de Pichai é o mais recente caso de sucesso de executivos nascidos na Índia e que chegaram aos cargos mais altos em empresas globais.
No ano passado, Satya Nadella tornou-se presidente da Microsoft e Rajeev Suri assumiu a empresa de telecomunicações Nokia. Também há exemplos fora da tecnologia. Ajay Banga é presidente da administradora de cartão de crédito Mastercard. E Indra Nooyi lidera a empresa de bebidas e alimentos Pepsico.
Um levantamento feito por EXAME mostra que a Índia é o segundo país que mais exporta presidentes de empresas. A reportagem analisou a nacionalidade dos líderes das 250 maiores companhias de capital aberto do mundo. Entre elas 22%, ou 56 empresas, têm presidentes estrangeiros.
O maior grupo é o do Reino Unido, seguido pelos indianos. Os brasileiros não fazem feio: há quatro deles na lista, como Bernardo Hees, presidente da multinacional de alimentos Kraft Heinz. Porém, as companhias lideradas por indianos são as mais valiosas: as ações das seis empresas somam 1 trilhão de dólares, 14% mais do que as dez lideradas por britânicos.
Por que os executivos de um país com 267 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza têm feito tanto sucesso no mundo corporativo? Uma das explicações vem do perfil das empresas em que atuam.
Quase todas estão em países de língua inglesa, o que é uma porta de entrada para indianos que dominam o idioma desde a infância, em razão da influência de 89 anos de colonização britânica. Além disso, são companhias com uma complexa operação global, o que cria oportunidades para profissionais estrangeiros.
Outra razão é o alto nível de qualificação dos indianos que migram para o exterior. De acordo com o centro de pesquisas Pew, 70% dos indianos que vivem nos Estados Unidos têm diploma de ensino superior — nível muito acima da média americana, de 28%.
“Não é coincidência que eles tenham alcançado posições de destaque com tanta rapidez no setor de tecnologia”, diz o economista Pankaj Ghemawat, professor da escola de negócios Iese, em Barcelona, e da Universidade de Nova York. “A Índia tem instituições de ensino de alta qualidade, o que faz com que os alunos sejam assediados pelas maiores empresas da área.”
Na Universidade Manipal, no sul do país, 20% dos estudantes fazem cursos no exterior após a graduação. “A competição na Índia é muito alta, e os jovens são incentivados desde cedo a estudar fora do país para conseguir boas posições nas empresas e ter um bom padrão de vida”, diz Vinod Thomas, diretor da universidade.
Depois dos estudos, alguns ex-alunos são contratados por multinacionais. É o caso de Suri, da Nokia, e Nadella, da Microsoft, que se formaram em Manipal. Outro ponto em comum entre os presidentes indianos é a construção de uma longa carreira. A maioria está há mais de 15 anos nas companhias que lidera.
O presidente da Microsoft entrou na empresa em 1992, aos 25 anos, e é o primeiro estrangeiro a liderar a companhia em quatro décadas. Nadella chegou ao topo sem criar inimigos e tem um estilo reservado, de acordo com os colegas. O jeito diplomático também é uma característica atribuída a Pichai, do Google.
Seria esse um estilo de gestão comum dos indianos? “Esses executivos reúnem inteligência, eficiência, profissionalismo e também humildade”, afirma Saibal Chattopadhyay, diretor do Instituto de Administração de Calcutá, a melhor escola de negócios da Ásia (entre os ex-alunos está Indra Nooyi, presidente da Pepsico).
Mas o economista Ghemawat, do Iese, diz que é difícil comprovar a hipótese de um estilo próprio de gestão. “Algumas pesquisas mostram que executivos indianos têm inteligência emocional alta e só ficam atrás de freiras e padres. Mas a influência de fatores culturais é subjetiva e não pode ser medida”, diz.
Seja pelo estilo mais leve, seja pela alta qualificação, o fato é que os imigrantes indianos nos Estados Unidos são muito bem-sucedidos. Dados do censo americano de 2013 mostram que os imigrantes têm, em média, 48 000 dólares de renda média, pouco abaixo da média americana, de 52 250. Já as famílias indianas têm uma renda anual média de 103 000 dólares.
Hoje, os indianos são o segundo maior grupo de imigrantes do país, com 2 milhões de pessoas, atrás apenas dos mexicanos. É na Califórnia, onde estão sediadas algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, que está a maioria dos indianos radicados nos Estados Unidos.
O pioneiro foi o bilionário Vinod Khosla, de 60 anos, que imigrou em 1976 e fundou a empresa de software Sun Microsystems em 1982 junto com três colegas. Hoje, ele tem uma empresa de investimento e é referência mundial em inovação. Segundo um estudo da fundação americana Kauffmann, os indianos são donos de um terço das startups fundadas por imigrantes na região do Vale do Silício.
“Em geral, os indianos que se mudam para os Estados Unidos vêm com o propósito de fazer carreira e são mais abertos ao risco”, diz Vivek Wadhwa, um dos autores do estudo e professor de empreendedorismo nas Universidades Stanford e Duke. Para Wadhwa, agora é a vez de a Índia aprender com seus expatriados a superar as diferenças sociais e religiosas que mantêm 23% da população na pobreza.
“A primeira onda de imigrantes, nos anos 90, construiu um mercado de tecnologia de 100 bilhões de dólares na Índia. Agora, é preciso entender que etnia, religião e castas não devem ser barreiras à oportunidade de ser bem-sucedido.” A nova geração de administradores bem formados deverá mostrar se a mudança é possível.