Revista Exame

O capitão do barco

O que qualquer tripulação espera é chegar a um porto seguro após a tempestade. Para isso, precisa ter a confiança de que o líder toma as medidas

 (Eugene Mymrin/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 9 de abril de 2020 às 05h00.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 14h54.

Neste momento, não adianta recorrer às biografias que você leu. Nenhum líder enfrentou, até aqui, algo capaz de assolar o mundo inteiro, sem precedentes, como o coronavírus. Então, o que resta a um líder, seja ele CEO ou não, é voltar aos fundamentos: pessoas, governança e gestão. Pessoas primeiro.

Pessoas têm necessidades diversas e simultâneas, que vão desde saber que terão o que comer, sentir que estão seguras, pertencer a grupos até se realizar no alcance de seu propósito. O coronavírus expôs várias dessas necessidades. Nunca o psicólogo americano Abraham Maslow, e sua teoria das necessidades humanas, esteve tão atual, porque oferece uma estrutura em nível coletivo para pensarmos a questão — não em nível individual, como propôs Sigmund Freud, criador da psicanálise.

O time precisa perceber que seu líder toma todas as medidas a seu alcance para preservar a saúde das pes-soas neste momento de alto risco, que mantém uma comunicação transparente, clara e respeitosa. Deixar seu time no escuro, por receio de possíveis demandas ou questionamentos, é o pior caminho. Isso significa que o líder deve comunicar ao time mesmo as medidas duras, mas necessárias. Isso é indelegável.

Por falar em medidas, para além daquelas necessárias para a redução do risco de contaminação pelo vírus, é preciso equilibrar as necessidades de perenidade do negócio. Pessoas e negócios são indissolúveis e inseparáveis. A segurança das pessoas não estará completa se elas não sentirem que o negócio para o qual dedicam grande parte das horas de seu dia, em escritórios, lojas, fábricas ou na própria casa, tem chance de sobreviver a esta crise. Aí entram a governança e a gestão. De forma simplificada, uma ajuda a assegurar a direção, a outra dita o ritmo da execução. As duas juntas devem levar a um desenvolvimento sustentável da organização.

A governança, por teoria, regula as relações entre as partes interessadas da organização. Na prática, nestes momentos de crise, o papel da governança é muito mais do que fiscalizar. Um conselho de administração, ou mesmo consultivo, ajuda e apoia o líder nas tomadas de decisão, que agora devem ser muito ágeis e em grande volume. Isso vai além dos tradicionais comitês de gestão de crise. É momento de avaliar as propostas de curtíssimo prazo e repensar como o negócio será no pós-crise. Mais cabeças precisam, de fato, pensar melhor juntas.

Avançando para a perspectiva do último pilar, o de gestão, a sobrevivência de um negócio tem relação direta com dois aspectos: a liquidez da organização e qual problema da sociedade ela se dedica a resolver. Alguns líderes talvez enxerguem a liquidez como algo traiçoeiro. Em tempos de bonança, muitos se perguntam: “Para que tanto dinheiro em caixa se há tantos investimentos atraen-tes mundo afora?” No entanto, em tempos de crise, a liquidez é, em geral, mais desejada do que detida. É papel do líder traçar alguns cenários possíveis de reação de seus clientes, do mercado em geral e de como seu negócio pode se comportar neste contexto. Essa análise deve ser dinâmica, reavaliando cada mudança relevante que se apresente. Com base nesses cenários, os próximos passos devem ser guiados pela avaliação de quanto de fôlego seu caixa oferece — essa avaliação deve dar o ritmo das mudanças necessárias. Quanto menor o caixa, quanto menos ciclos de vendas ele suportar, mais rápidas devem ser as decisões e a implementação das medidas.

Pode passar pela cabeça do líder aflito que as tais medidas são apenas de busca de eficiência, de rever sua organização, seus processos e suas operações. Isso é indispensável e urgente, mas insuficiente. É preciso agir no curtíssimo prazo, também com olhos para o médio e o longo prazo. Reflexões sobre como as transformações causadas pela pandemia podem se perenizar como expectativas, comportamentos e requerimentos de clientes e consumidores, sobre como sua oferta de valor ao mercado necessita ser adaptada, quanto sua organização está preparada para uma eventual retomada e que tipos de oportunidade podem surgir para os negócios que sobreviverem. Tudo isso precisa ser pensado e pesado pelo líder. Isso é seu papel estratégico.

Não é bom deixarmos de ponderar que tudo isso afeta de maneira diferente empresas de portes diferentes, de segmentos distintos. Empresas menores, que no Brasil respondem por importante parcela da economia e do emprego, obviamente têm menos fôlego do que grandes corporações. Por outro lado, devem ser mais flexíveis e mais ágeis para adaptar-se à transformação. Há alguns setores que fecharam as portas durante a quarentena, sem acesso aos clientes. Outros, depararam com dificuldades logísticas. Enfim, os desafios são diferentes, mas estão aí para todos, sem que exista um remédio único ou comprovado.

Em adição a todas essas necessidades internas, o líder estratégico olha seu entorno e avalia o que é possível compartilhar com a sociedade, com olhos de protagonista num momento em que a solidariedade deveria se sobressair à competição. Você pode doar um pouco do trabalho de seu time? Pode apoiar algum empreendedor menor, priorizando fornecedores locais? Pode conectar parceiros de negócios que estão com necessidades médicas? Pode compartilhar conhecimento? Seja qual for sua possibilidade, busque sempre fazer a diferença.

Esse é o perfil do ser humano que existe dentro de cada líder. O líder não é um ser superior, mas -comparo-o a um capitão: seja o de um barquinho ágil, seja o de um navio com menor velocidade de mudança, o que qualquer tripulação espera é chegar a um porto seguro após a tempestade.

Viviane Martins: engenheira de formação, é desde 2018 presidente da Falconi, uma das mais importantes consultorias de gestão e estratégia do Brasil | Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo

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