Alain Belda, 63 anos, que começou a carreira na Alcoa como trainee e hoje ocupa o cargo de presidente mundial da maior fabricante de alumínio do planeta, com faturamento anual de 30,4 bilhões de dólares (--- [])
Da Redação
Publicado em 17 de setembro de 2013 às 20h52.
No curso das grandes carreiras, é possível detectar com nitidez os momentos decisivos que transformaram executivos promissores em lendas do mundo dos negócios. Jack Welch tornou-se Jack Welch quando, alçado ao comando da General Electric, no início dos anos 80, promoveu a maior reestruturação de sua história e a partir dali traçou uma nova estratégia para a companhia.
Duas décadas depois, os lucros da GE tinham sido multiplicados por 8 e o responsável pela guinada era colocado no mesmo patamar de mitos como Henry Ford. Numa eleição promovida pela revista americana Fortune na virada do milênio, Welch foi apontado por seus pares como o executivo do século 20.
Outros nomes chegaram ao Olimpo corporativo depois de demonstrar um lado visionário ou simplesmente intuitivo apostando -- muitas vezes contra todas as evidências -- em inovações. É o fator coragem. Os Mustang não existiriam sem Lee Iacocca, que promoveu um tour de force pelos corredores da Ford para convencer os diretores de que valia a pena investir no modelo esportivo.
Lançado no começo dos anos 60, os possantes e estilosos Mustang salvaram a montadora da falência. A Disney também foi tirada de um período de vacas magras nos anos 80 por novas idéias trazidas por Michael Eisner. Ele ergueu parques temáticos, abriu centenas de lojas e reviveu a divisão de filmes com sucessos como Aladim e O Rei Leão. Ao final de sua gestão, a Disney tinha se transformado num império global avaliado em 60 bilhões de dólares.
Os especialistas em administração costumam gastar um bom tempo na análise desses e de outros casos de sucesso. Um ponto até hoje muito menos explorado são as circunstâncias que envolvem o surgimento do momento mágico que pode mudar -- para o alto -- o patamar de carreira de um executivo.
Uma pesquisa exclusiva feita pela consultoria de recursos humanos Hay Group para EXAME ajuda a lançar luzes sobre essa questão. No levantamento, foram ouvidos quase 400 altos executivos de mais de 60 empresas com operação no país. O trabalho determina como a chance de ouro se apresentou na vida de cada um deles, que fatores conspiraram a favor de seu aparecimento e quais habilidades foram consideradas importantes para agarrá-la.
Os resultados obtidos mostram que não há mágica no processo de ascensão profissional. Exceções existem, evidentemente, mas a regra é que as oportunidades são oferecidas a executivos maduros, que demonstraram ao longo da carreira um histórico de resultados consistentes e possuem capacidade de liderança para comandar os negócios em momentos-chave, sejam eles de bonança ou de crise.
Os resultados da pesquisa contrariam também vários outros chavões do mundo dos negócios, como a idéia de que uma brilhante carreira acadêmica ou o desenvolvimento de um conjunto superior de habilidades técnicas são determinantes para um profissional chegar ao topo. É claro que um currículo luminoso tem valor, mas ele é um ponto de partida, e não de chegada.
Apenas 20% dos executivos pesquisados fizeram a melhor faculdade de suas respectivas áreas (veja quadro acima). Na lista de características consideradas importantes para agarrar uma grande oportunidade profissional, qualidades subjetivas como iniciativa, coragem, capacidade de comunicação e bom relacionamento com as pessoas aparecem entre as mais citadas, à frente de questões como experiência de mercado e visão de negócios.
"O DNA de alta performance dos grandes profissionais tem hoje uma composição muito diferente", afirma Marcos Piccini, consultor do Hay Group e um dos coordenadores da pesquisa.
O executivo Antonio Maciel Neto, de 49 anos, é um exemplo desse mix de qualidades. Ele recebeu a grande oportunidade na carreira depois de comandar processos de reestruturação na fabricante de pisos cerâmicos Cecrisa e no grupo Itamarati, do empresário Olacyr de Moraes.
A chance oferecida envolvia o desafio de realizar outra guinada, muito mais difícil, complexa e ambiciosa: a recuperação dos negócios da Ford no Brasil. "Para um engenheiro mecânico de formação, como eu, era um convite espetacular", afirma Maciel. Ele assumiu o comando da montadora em 1999.
Nos sete anos em que esteve à frente da operação, realizou ajustes nas operações, lançou produtos novos, como o festejado EcoSport, e transformou a filial brasileira numa das mais rentáveis da Ford no mundo. Ao final de 2006, trocou a fábrica pela presidência da Suzano Papel e Celulose.
Caso Maciel não tivesse competências técnicas mínimas, é provável que ele jamais tivesse se aproximado da presidência de uma grande empresa. E é muito provável que outros executivos tivessem aptidões iguais ou superiores nessa área. O que fez a diferença, no caso de Maciel e de outros homens e mulheres que chegaram ao topo da carreira, foi a capacidade de unir isso a fatores como liderança, comunicação e uma dose de ousadia.
Algo que Jack Welch, em seus tempos de GE, chamava de "guts". "É como a disputa entre os 100 melhores tenistas do mundo. O que faz um ou outro sobressair são detalhes como capacidade de concentração e equilíbrio emocional", afirma Piccini. Segundo o consultor, na alta hierarquia do mundo dos negócios ocorre algo semelhante. "Muitas vezes, o 'algo mais' está relacionado ao desenvolvimento de habilidades subjetivas."
A valorização dos profissionais com esse perfil ocorre porque as empresas, cada vez mais, entendem que eles são capazes de entregar melhores resultados do que aqueles cuja genialidade se limita a certos campos. Alguns trabalhos chegaram a quantificar a diferença. Um deles, elaborado a pedido da IBM, comparou em 2001 o desempenho de 21 gerentes-gerais.
Deles, 11 foram classificados como líderes natos. Segundo a pesquisa, por criar dentro das unidades um clima estimulante e de alto desempenho, eles obtiveram 711 milhões de dólares a mais de lucros para a companhia do que o restante de seus pares.
Outro estudo, realizado pela dupla de consultores americanos em recursos hu manos Adrian Gostick e Chester Elton, trouxe resultados semelhantes.
Nos últimos dez anos, por meio de entrevistas realizadas com cerca de 200 000 executivos dos Estados Unidos, eles chegaram à conclusão de que os profissionais responsáveis pelos melhores resultados foram os que estabeleceram metas claras aos subordinados, estimularam a participação deles nas decisões e usaram mecanismos de meritocracia com muito mais freqüência que os chefes que atingiram performance inferior.
Em alguns casos, os resultados dos executivos que se destacaram foram três vezes superiores aos dos demais. "A figura do 'chefe durão', que decide tudo sozinho, é uma coisa que tende a fazer parte do passado", afirmou Gostick a EXAME.
A importância de uma liderança eficiente para as empresas é tão grande que, muitas vezes, depois que detectam um talento, elas podem deslocá-lo para áreas completamente diferentes dentro da organização, dependendo das necessidades.
Segundo a pesquisa do Hay Group, a grande chance na vida de mais da metade dos executivos ouvidos envolveu uma grande mudança de área -- como um vendedor que é convidado para assumir o cargo de diretor financeiro de uma companhia.
"Um executivo não pode ter medo de enfrentar desafios, pois o acúmulo dessas experiências enriquece seu currículo", afirma Roberto Lima, de 56 anos, que passou ao longo de sua carreira por setores distintos, como têxtil, financeiro, hotelaria e telecomunicações, ocupando funções diferentes -- de tesoureiro na Rhodia a presidente da operadora de celulares Vivo, cargo que ocupa desde 2005.
Dizer o que vem a seguir pode não ser a coisa mais estimulante do mundo, mas vamos lá: chegar ao topo requer muita, muita paciência. Não é à toa que estamos falando aqui de casos como o de Maciel ou de Lima, homens de negócios na casa dos 50 anos.
A noção de que as melhores chances se encontram sempre do lado de fora da empresa em que um executivo está --daí a necessidade de trocar constantemente de emprego para evitar a estagnação profissional -- também é desmentida pelos fatos. (Mais da metade dos entrevistados está na mesma empresa há mais de cinco anos.)
Essas idéias ficaram muito em voga nos anos 80, a chamada "era yuppie". Naqueles tempos, "aos 40, ou o sujeito estava fazendo 1 milhão de dólares por ano ou era tímido e incompetente", como descreve Tom Wolfe no livro A Fogueira das Vaidades.
O deslumbramento com as possibilidades de sucesso relâmpago deu lugar à realidade de que não há atalhos no processo de crescimento profissional sustentável. Pode-se enganar um patrão ou um acionista por algum tempo. Não se pode enganar a todos o tempo todo. Em algum momento é preciso mostrar os números.
De acordo com o levantamento do Hay Group, a maioria das empresas proporcionou pelo menos três oportunidades de ascensão aos executivos entrevistados. As chances surgiram, em geral, por meio de um convite do chefe imediato ou de outro líder da companhia.
A idade em que os profissionais dizem ter recebido a oportunidade de ouro na carreira foi entre 40 e 49 anos -- faixa que permite que as histórias profissionais sejam, de fato, construídas. "O caminho até o topo ocorre pelo acúmulo de resultados consistentes ao longo da carreira", afirma Piccini.
Uma história que ilustra de forma cristalina essa realidade é a de Alain Belda, de 63 anos, presidente mundial da americana Alcoa, a maior produtora de alumínio do planeta, com faturamento global de 30,4 bilhões de dólares por ano e 123 000 funcionários espalhados por 44 países.
Nascido no Marrocos e naturalizado brasileiro, Belda ingressou na subsidiária da Alcoa em 1969 como trainee. Quase quatro décadas depois, ocupa hoje o cargo de presidente mundial, depois de galgar, pacientemente, todos os degraus até o topo da hierarquia da empresa. Em 1979, tornou-se presidente da filial brasileira. Sob seu comando, as vendas anuais foram do patamar de 90 milhões de dólares para o de 1 bilhão.
O sucesso da operação brasileira gerou um convite para Belda mudar-se para os Estados Unidos e assumir a vice-presidência mundial da Alcoa em 1994. Três anos depois, o board da companhia o convidou para o mais alto dos postos. "Quando me chamaram para ser o presidente mundial, perguntei: vocês têm certeza, 'um cucaracha'?
A empresa tinha uma cultura muito americana e a proposta era surpreendente", afirma ele. "Em quase quatro décadas de Alcoa, senti medo de ficar parado no mesmo lugar, mas essa sensação ficou para trás por causa das oportunidades que foram surgindo dentro da empresa." No momento, o executivo encontra-se à frente de uma operação importante envolvendo a compra de sua maior concorrente, a canadense Alcan, por meio de tentativa de tomada hostil de controle estimada em mais de 28 bilhões de dólares.
Apesar de a formação acadêmica não ser determinante para o sucesso, a maioria dos executivos continua investindo em estudos mesmo quando chegam em posições privilegiadas na carreira. Maciel, o presidente da Suzano, por exemplo, reserva pelo menos uma semana do ano para fazer uma imersão em cursos de aperfeiçoamento e atualização.
Recentemente, participou de um programa especial de administração para presidentes de companhias na Harvard Business School, nos Estados Unidos. A executiva Cristina Palmaka, de 38 anos, teve uma preocupação semelhante. "Tenho diploma em ciências contábeis, mas não freqüentei o melhor curso dessa área", afirma ela, que é atualmente a diretora-geral do grupo de sistemas pessoais da HP para a América Latina.
Para completar sua formação, Cristina investiu num MBA pela Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, que incluiu um intercâmbio de seis meses na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. "A maioria das pessoas que chegam ao topo pagou um preço para continuar fazendo aquilo pelo qual são apaixonadas", afirmou a EXAME Stewart Emery, um dos autores do livro Sucesso Feito para Durar, recém-lançado no Brasil.
"Isso pode significar chegar mais cedo ao escritório todos os dias ou apostar em projetos nos quais poucos acreditam."A escalada de Belda e de outras celebridades do mundo dos negócios sempre gera debates sobre até que ponto o perfil de liderança é um talento inato. Segundo a linha mais moderna de especialistas em recursos humanos, está claro hoje que não existe um dom natural que determina o sucesso.
As habilidades executivas podem ser aperfeiçoadas ao longo da carreira. A executiva Maria Eduarda Kertesz, de 33 anos, é um exemplo disso. "Aprendi ao longo da minha carreira como é importante mobilizar e entusiasmar os subordinados", diz ela.
Esse ensinamento revelou-se fundamental numa grande oportunidade profissional, quando Maria Eduarda assumiu a diretoria de marketing da Johnson & Johnson no Brasil, em 2003. Na época, ela precisou comandar uma reestruturação do departamento.
"Fiz com que nosso time de marketing deixasse de ter uma posição passiva e batalhasse por resultados melhores", afirma ela. Em três anos, as vendas cresceram cerca de 40%. Os resultados viraram uma promoção a vice-presidente da unidade de negócios de Johnson's Baby para a América Latina.
A carreira do executivo Paulo Sérgio Kakinoff, de 32 anos, tem altas doses desse tipo de abnegação que leva grandes executivos ao caminho do topo. Apaixonado por carros, ele ingressou na Volkswagen em 1993 como estagiário da área de vendas e marketing.
Cinco meses depois, surgiu a oportunidade de fazer uma grande apresentação para mostrar à rede concessionária como lidar com um carro que estava chegando ao mercado na época, o Golf. Mesmo com pouco tempo de empresa, Kakinoff assumiu a responsabilidade de fazer o trabalho.
"Sem que meus superiores soubessem, levei para a fábrica um saco de dormir e literalmente acampei por lá durante um mês", afirma ele. Nesse período, Kakinoff calcula ter desmontado e remontado o veículo três vezes para conhecer todas as suas características. "Fiquei íntimo até do mais insignificante dos parafusos", diz Kakinoff.
Desde então, sua carreira na Volkswagen tem evoluído de forma rápida. (E, nesse ponto, Kakinoff é uma exceção à regra.) Em janeiro, ele foi transferido para a matriz, na Alemanha, como presidente mundial do comitê de desenvolvimento de marketing da montadora.
Kakinoff é um exemplo de uma nova geração de executivos cuja carreira se movimenta dentro da lógica de um mundo de negócios globalizado. Em alguns mercados, como o de tecnologia, o início da carreira de profissionais brasileiros já ocorre no exterior.
No Brasil, o maior vigor de alguns setores, a expansão do mercado financeiro, a onda de fusões e aquisições e a expansão mundial de grupos nacionais têm gerado uma mobilidade raras vezes vista no mercado de executivos.
"Depois de avaliar e comprar uma empresa, é preciso colocar no comando algum talento qualificado para gerar os resultados esperados", afirma Guilherme Dale, consultor sênior da Spencer Stuart, escritório especializado em recrutamento e recolocação de altos executivos. "Ninguém pode reclamar hoje que faltam oportunidades para subir na carreira."