Revista Exame

Turquia, o BRIC da Europa

Com um crescimento econômico invejável e uma população jovem e ávida por consumo, a Turquia desponta como uma das mais vibrantes economias do Velho Continente

Mesquita Azul, um dos muitos encantos da cidade que já foi conhecida como Constantinopla: o turismo é apenas um dos motores da economia turca (Recep Bulat/Stock.Xchange)

Mesquita Azul, um dos muitos encantos da cidade que já foi conhecida como Constantinopla: o turismo é apenas um dos motores da economia turca (Recep Bulat/Stock.Xchange)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de março de 2011 às 19h34.

No século 19, o czar russo Nicolau i usou a expressão “o homem doente da Europa” para se referir à crise que atravessava o então império turco-otomano, que dominou vastas regiões da Europa, do Oriente Médio e da África. De tão doente, nas décadas seguintes o império se dissolveu, dando luz à Turquia moderna.

O rótulo de “homem doente da Europa”, porém, acompanhou o novo país ao longo de quase todo o século 20, com períodos de crescimento irregular, inflação galopante e dívida pública desgovernada. Mas a história guardou uma reviravolta. Hoje, o país vive seu melhor momento desde a glória otomana.

A inflação está sob controle, as contas nacionais estão equilibradas e a Turquia vive um longo período de prosperidade, despontando como uma das mais pujantes economias da Europa. Enquanto boa parte do continente ainda vive aterrorizada pelos efeitos da última crise financeira mundial, a Turquia deve registrar uma alta de quase 8% no PIB em 2010, segundo previsão do Fundo Monetário Internacional.

Em alguns momentos, e guardadas as diferentes proporções de tamanho da economia, o ritmo turco já é comparável ao de estrelas emergentes, como a China. No segundo trimestre do ano passado, o crescimento do PIB turco foi igual à expansão do país asiático — 10,3%. Em visita à região em 2010, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, chamou a Turquia de o “Bric da Europa”, uma referência ao grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China.

Diversos motores estão por trás do progresso. Pobre em recursos naturais, a Turquia se voltou para setores como indústria, construção e serviços. A sua impressionante história é um chamariz para turistas do mundo todo. Sua privilegiada posição geográfica, ao lado dos grandes mercados da Europa e da Ásia, possibilitou que se convertesse num de seus maiores fornecedores.


A Turquia é um dos maiores produtores europeus de veículos, cimento, eletroeletrônicos, móveis e vestuário. No total, as exportações do país dobraram de 2005 a 2008, para 100 bilhões de dólares — só a título de comparação, o Brasil, com um PIB quase três vezes maior, exportou 201 bilhões no ano passado. O país se tornou um dos mais atraentes polos de investimentos do mundo.

Na última década, o investimento estrangeiro direto na Turquia passou de 1 bilhão para 18 bilhões de dólares. Trata-se de uma taxa de expansão superior à que teve no mesmo período países desenvolvidos, como Reino Unido e França.

A entrada de investimentos se acelerou nos últimos anos graças a uma série de reformas cruciais realizadas pelo governo. No fim dos anos 90, a moeda turca chegou a desvalorizar 50% em relação ao dólar, e as taxas de inflação orbitavam em 80%. A Turquia era atormentada pelos “três demônios da economia”, expressão usada pelo economista inglês John Maynard Keynes numa palestra em dezembro de 1923 em Londres para se referir à má distribuição de renda, à volatilidade das expectativas dos investidores e à elevada taxa de desemprego.

A situação era tão grave que em 1999 o FMI foi chamado para apagar o incêndio da economia turca com um empréstimo de 15 bilhões de dólares. Em troca, o Fundo exigiu reformas estruturais, como a submissão à regulamentação bancária internacional e menos intervenção do Estado no setor privado.

Mesmo com o pacote salvavidas do FMI, em 2001 o país afundou em outra crise econômica. Foi então que o governo lançou um pacote de ações, como o aumento do superávit primário, o incentivo à privatização e uma política de metas de inflação — todas elas adotadas pouco antes pelo Brasil. Para evitar riscos sistêmicos e para aumentar o volume do crédito, o setor bancário ganhou uma agência reguladora e uma legislação consolidada.


Um dos ventos que também sopram a favor da Turquia é um fenômeno demográfico semelhante ao que ocorre no Brasil atualmente. Dois terços dos 78 milhões de turcos têm entre 15 e 64 anos, a faixa etária economicamente mais produtiva. A idade média de sua população é de 29 anos, a mesma do Brasil, e bem inferior aos mais de 40 anos da União Europeia. “Em 2050, o país terá 100 milhões de pessoas, 30% mais do que a França, o que o torna um dos mais atraentes mercados consumidores da Europa”, diz Christian Keller, economista do banco inglês Barclays para mercados emergentes da Europa.

O resultado desse crescente contingente de consumidores é que o mercado doméstico está em ebulição. Ao todo, nos últimos 25 anos foram construídos quase 300 centros de compras em toda a Turquia. Raridade no mundo islâmico, o país mantém inabalada sua fé na democracia e no capitalismo. Embalados pela alta do consumo, grupos varejistas, como o sueco H&M e o francês Carrefour, têm aumentado sua presença no país. A britânica Aston Martin, fabricante de carros luxuosos, abriu em 2010 sua primeira loja em Istambul, a cidade mais populosa e o mais vibrante centro comercial desde os tempos em que era conhecida como Constantinopla.

O desafio de manter um crescimento no longo prazo passa por resolver alguns entraves no modelo de desenvolvimento. Um deles é a criação de mais empregos. Atualmente, um em cada dez turcos se encontra fora do mercado de trabalho formal. É a segunda maior taxa de desempregados da Europa, só atrás da Espanha. Outra tarefa é investir em educação. Segundo o Banco Mundial, enquanto na União Europeia 23% da força de trabalho possui ensino superior, na Turquia esse número é de 13%.

Diferentemente dos países do Bric, a Turquia não melhorou seu índice de desenvolvimento humano — caiu da 79ª para a 83ª posição do último ranking de IDH das Nações Unidas. O nível ainda sofrível de desenvolvimento social é um dos argumentos dos críticos para adiar a adesão da Turquia à União Europeia, negociada oficialmente desde 2005 mas cada vez mais incerta.

Outras questões, como o islamismo e a invasão de Chipre em 1974, também são ponderadas. Recentemente, o economista turco Nouriel Roubini resumiu o desafio do país em uma palestra para economistas locais: “A Turquia está avançando bastante, mas precisa treinar muito sua população para sustentar esse crescimento”. Como se vê, são muitas as semelhanças com o momento vivido pelo Brasil.

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