Revista Exame

O Brasil que não para

Na prática, independentemente da pandemia, muitos setores da economia considerados essenciais no país continuam operando

Colheita de soja em Mato Grosso do Sul: a chuva não ajudou, mas a safra já tem comprador certo  (Alexis Prappas/Exame)

Colheita de soja em Mato Grosso do Sul: a chuva não ajudou, mas a safra já tem comprador certo (Alexis Prappas/Exame)

Um dos motivos dos atritos do presidente Jair Bolsonaro com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido no dia 16 de abril, dizia respeito à extensão das medidas de distanciamento social para enfrentar a pandemia do novo coronavírus. Mandetta defendia o isolamento horizontal — para toda a população —, diferentemente de Bolsonaro, que quer a manutenção da quarentena apenas para as pessoas do grupo de maior risco, como os idosos e os doentes crônicos. O argumento do presidente é que é necessário voltar o mais rápido possível à “normalidade”, com a reabertura do comércio e a retomada das aulas nas escolas, para evitar uma crise econômica mais grave. Na prática, porém, independentemente da pandemia, muitos setores da economia considerados essenciais no país continuam operando, alguns em ritmo mais lento, outros a plena carga. Um dos exemplos mais notórios é o agronegócio, que está colhendo neste ano a maior safra de grãos da história do país — quase 252 milhões de toneladas, 10 milhões acima da safra passada. Transporte, siderurgia, bens de consumo, construção, varejo, papel e celulose são outros exemplos de setores que não deixaram de funcionar. A seguir, algumas empresas que, apesar das dificuldades, continuam fazendo a economia girar. Todas elas afirmam estar seguindo os protocolos de segurança para preservar a saúde de seus empregados. As fotos foram feitas na terceira semana de abril.


AGRONEGÓCIO (foto acima)

O produtor Persio Ailton Tosi, de 71 anos, tem duas fazendas no município de Ribas do Rio Pardo, em Mato Grosso do Sul, onde planta grãos e cria gado. Está terminando de colher sua área de soja e tem uma única queixa: a chuva — ou melhor, a falta dela — reduziu a produtividade, que já não seria muito alta porque uma das áreas é nova. A previsão é colher cerca de 2.200 toneladas em 1.000 hectares. O clima não ajudou, mas Tosi tem preocupação zero em relação ao destino dos grãos. Toda a produção já havia sido vendida no mercado futuro no ano passado. O produtor também não perde o sono com os possíveis impactos do coronavírus no mercado global de grãos. “O agronegócio não para nunca. O mundo precisa comer”, afirma.


BENS DE CONSUMO

Maior empresa de alimentos e bebidas do mundo, a suíça Nestlé tem 20 fábricas no Brasil. Todas estão operando normalmente, produzindo itens como leite em pó, café, cereais e produtos que abastecem hospitais. “Nosso foco tem sido reforçar esses produtos que já fabricamos e que agregam valor nutricional para as famílias brasileiras”, diz Ismael Souza, gerente da fábrica da Nestlé no município paulista de Araras, primeira unidade instalada pela multinacional no país, em 1921. Desde o início da pandemia, a companhia doou mais de 500 toneladas de alimentos, 1,5 milhão de ovos de Páscoa, 200.000 doses de café, 10 toneladas de ração animal e 480.000 máscaras cirúrgicas a diversos hospitais, ONGs, instituições e governo.

Fábrica da Nestlé em Araras, São Paulo: a unidade concentra a produção de Nescau e Nescafé | Germano Lüders


VAREJO

No dia 21 de março, a Via Varejo, rede que controla as operações da Casas Bahia, do Ponto Frio e do site Extra.com, decidiu fechar as lojas físicas que ainda estavam abertas após o início da pandemia da covid-19. De um dia para o outro, isso significou uma redução de 70% no faturamento. Um mês depois, essa perda caiu para menos de 50% graças ao aumento das vendas digitais. “Em três dias, criamos uma plataforma online com uma robusta inteligência de dados que permitirá que nossos 20.000 vendedores continuem em atividade, trabalhando de casa, de forma segura”, diz Roberto Fulcherberguer, presidente da Via Varejo. Pelo modelo criado, os vendedores auxiliam os clientes, que fecham diretamente a compra no site das marcas.

Centro de Distribuição da Via Varejo: lojas fechadas, vendas digitais crescentes | Leandro Fonseca


TRANSPORTE

Em março, o terminal portuário do Complexo do Pecém, no Ceará, movimentou quase 1,6 milhão de toneladas de cargas, 9% mais do que no mesmo mês do ano passado. A maior parte do embarque e desembarque estava programada para antes do início da pandemia. A partir de abril, deve haver um impacto negativo. Em qualquer cenário, as operações devem continuar. “É por aqui que chega boa parte dos alimentos e remédios que abastecem o Ceará e estados vizinhos”, diz Danilo Serpa, presidente do Complexo do Pecém.

Cargas no Complexo do Pecém, no Ceará: porta de entrada de remédios e alimentos | Marília Camelo


SIDERURGIA

A siderurgia é um setor considerado essencial para indústrias que atuam no combate ao coronavírus, como a de equipamentos médico-hospitalares. Para atender a esse e outros segmentos, a ArcelorMittal, líder mundial na produção de aço, mantém suas operações, mas reduziu temporariamente a produção em algumas unidades. “Estamos adequando nossa produção à demanda, de modo a assegurar o equilíbrio financeiro”, diz Jefferson De Paula, presidente da ArcelorMittal Aços Longos para a América Latina.

Usina de João Monlevade, em Minas Gerais: aço para hospitais de campanha | Leo Drumond/Nitro


PAPEL E CELULOSE

Maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil, a Klabin está operando com plena capacidade em suas 18 fábricas no país. O negócio tem sido beneficiado pela alta no consumo de leite, sucos e alimentos frescos por famílias em quarentena, o que resulta em maior demanda de embalagens de papel. Itens como papel higiênico, fraldas e absorventes também são resilientes na crise. “Com o câmbio favorável, as exportações vão bem”, diz Flávio Deganutti, diretor do negócio de papéis da Klabin. Apesar do ambiente de incerteza, a meta é ter um desempenho melhor do que a economia do país. “Se o PIB crescer, vamos crescer mais. Se o PIB cair, cairemos menos”, diz Douglas Dalmasi, diretor de embalagem da Klabin.

Fábrica da Klabin em Jundiaí, São Paulo: produção plena para atender à alta demanda | Germano Lüders


CONSTRUÇÃO CIVIL

Balneário Camboriú, em Santa Caratina, deve ganhar até dezembro o maior edifício residencial da América Latina. O empreendimento, batizado de Yachthouse by Pininfarina, conta com duas torres de 281 metros e 81 andares. “Cerca de 500 pessoas estão trabalhando nas obras”, diz Alcino Pasqualotto Neto, presidente da construtora Pasqualotto & GT. O preço dos apartamentos inicia em 4,2 milhões de reais. O jogador Neymar comprou quatro — um deles, na cobertura, está avaliado em pelo menos 25 milhões de reais.

Torres no Balneário Camboriú, Santa Catarina: uma das coberturas é do jogador Neymar | Eduardo Marques/Tempo Editorial

 

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