Obra no Distrito Federal: o Brasil precisa acelerar os investimentos em infraestrutura e tem oportunidades em parcerias público-privadas (Dado Galdieri/Bloomberg//Getty Images)
Gilson Garrett Jr
Publicado em 17 de novembro de 2022 às 06h00.
Os desafios econômicos do próximo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), são enormes. A começar por colocar dentro do orçamento as principais promessas de campanha: o Auxílio Brasil de 600 reais e o aumento real do salário mínimo. Para o economista brasileiro José Scheinkman, professor na Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, e conselheiro da Cosan, Lula recebe o país em uma situação mais difícil do que encontrou 20 anos atrás, quando assumiu o primeiro mandato em 2003.
Outro desafio que bate à porta é o preço dos combustíveis, que deve aumentar assim que o eleito assumir o cargo. A EXAME conversou com Scheinkman sobre as estratégias indutoras de crescimento que poderão ser adotadas a partir do próximo ano.
A situação fiscal é muito complicada. O Orçamento que foi submetido ao Congresso não contempla promessas de campanha. Tanto Lula quanto Bolsonaro prometeram os 600 reais de Auxílio Brasil, mas isso precisa caber dentro do Orçamento. A questão é como será feito. Outro ponto que precisa de uma solução rápida é o preço dos combustíveis. Foram retirados impostos estaduais.
Evidentemente os estados não poderão suportar essa diferença por um tempo indefinido. Em 1o de janeiro o preço dos combustíveis voltará a subir. Na verdade, eu acho que nós deveríamos pensar em outras soluções para a questão dos combustíveis.
O Brasil tem uma capacidade muito grande de tornar-se uma potência verde. A ideia de diminuir o preço do imposto de combustível é um erro. Nós temos de sinalizar o preço do mercado para que as pessoas tenham consciência de que nós precisamos gastar menos combustível.
Em 2002, Lula falava que havia recebido uma herança maldita, mas na verdade recebeu um país muito bem arrumado, com estabilização da moeda, mecanismos de controle dos gastos fiscais, um Banco Central realmente de Primeiro Mundo.
Tanto que a maioria dessas conquistas foi mantida. Agora chegamos a uma situação muito pior do ponto de vista fiscal. Ele vai precisar lidar com esse novo Parlamento, que eu acho que é ainda mais pró-orçamento secreto do que o último.
Isso vai realmente deixar a vida muito mais difícil para o governo central. Foram feitas muitas concessões, sem precedentes, dando poder ao Parlamento para fazer despesas discricionárias.
Um economista precisa pensar como vai ser o benefício para a população como um todo, e não para aquele empresário que vai receber um dinheiro. Todas as empresas que produziram computador no Brasil desde a Lei da Informática [de 1991] se deram bem, mas o restante da população tem de comprar um computador caro.
Um exemplo em que o governo precisou e precisa estar é no desenvolvimento da vacina contra a covid-19: faz sentido o poder público pagar, porque tem uma externalidade muito grande. Se eu me vacino, eu protejo não só a mim como todo mundo. Isso é a chamada externalidade positiva. Então esse é um caso clássico que faz muito sentido o governo subsidiar.
É importante para o país melhorar sua infraestrutura. Há certas partes da estrutura americana que funcionam pior do que deveriam, dado o nível de riqueza do país. Se comparar uma estrada dos Estados Unidos com uma europeia, são diferentes. Um aeroporto asiático com um dos Estados Unidos também são incomparáveis.
Então você obviamente poderia gastar mais dinheiro na infraestrutura e fazer essas coisas funcionarem melhor porque elas também beneficiariam um grande número de pessoas. Só que também é possível achar outros meios de financiamento. Dou sempre como exemplo o metrô de Tóquio, que é um dos melhores do mundo e não recebe subsídio.
Como se equaciona isso? Dando às companhias que gerem o sistema o direito de construir um shopping subterrâneo junto com as estações. E às vezes até um terreno em que é possível construir um edifício. Dessa maneira, conseguem uma taxa de retorno boa. O Estado tem de agir para dar a concessão, determinar se as linhas estão na direção certa, na externalidade, e isso tudo exige intervenção estatal. No Brasil, a maioria dos investimentos poderiam ser feitos com parceria público-privada.
O crescimento do consumo não funciona por uma determinação do governo. Não existe uma mágica para fazer isso, e nenhum governo do mundo consegue. Então eu acho que há muitas ações que poderiam ser feitas e que resultariam em um aumento do consumo. No primeiro governo Lula, ele conseguiu bancar o custo fiscal de aumentar o salário mínimo.
Essa é uma política importante para o Brasil porque é um valor de pagamento de muitos funcionários ligados ao governo, como também as aposentadorias, que são indexadas pelo salário mínimo. Só que para fazer isso é preciso ter uma condição fiscal adequada e não gerar sérios problemas de inflação.
O Brasil também precisa de um sistema de imposto mais são, que dê retorno para a economia brasileira e assim aumente o consumo. Temos um sistema de imposto completamente irracional, fazemos o que nenhum país do mundo faz. E quando vêm sugestões para mudar, eles conseguem piorar. Precisamos de um sistema tributário que distorça menos a economia. Temos a necessidade de um imposto sobre o valor adicionado real de fato.
Fala-se muito do desenvolvimento de biotecnologia para aproveitar a biodiversidade da Amazônia. Muitas empresas captam insumos sem derrubar a floresta. Acho que é papel do próximo governo fazer um diagnóstico das oportunidades de aproveitar a floresta intacta.
Quando se fala do crédito de carbono, existe um problema que é como fazer chegar esse dinheiro aos lugares certos. Aí entra a diplomacia, e o Brasil deve apresentar uma proposta, sendo protagonista mundial novamente na questão ambiental.
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