Paula Louzano: para mudar o jogo da educação, é preciso mexer com o professor (Divulgação/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 26 de setembro de 2019 às 05h48.
Última atualização em 26 de setembro de 2019 às 17h45.
Pedagoga pela universidade de São Paulo, com mestrado em educação comparada pela Universidade Stanford e doutorado em política educacional pela Universidade Harvard, a brasileira Paula Louzano é uma das maiores especialistas do Brasil em educação comparada e políticas públicas para a educação. Ela liderou o Programa de Especialização Docente para formação de professores de matemática em parceria com sete universidades brasileiras, usando o conhecimento de formação de professores da Stanford.
O programa existe desde 2015. Há dois anos, Paula dirige a Faculdade de Pedagogia da Universidade Diego Portales, no Chile. A experiência no país com os melhores resultados em educação da América Latina e seu sólido conhecimento da realidade do ensino brasileiro fazem dela uma das críticas mais afiadas da forma de tomar decisões e conduzir políticas públicas em educação no Brasil. Paula Louzano conversou com EXAME quando esteve no país para participar do Seminário Internacional de Educação Básica: Gestão Pedagógica e os Resultados de Aprendizagem, realizado em Fortaleza em agosto pelo Instituto Unibanco.
A senhora é uma crítica contundente da forma como o Brasil reage às experiências de outros países. O que está errado?
Quando se está atrasado na agenda, como é o nosso caso, é muito importante olhar para as soluções que outros países buscaram. Quando olhamos para uma política internacional, olhamos também para a trajetória da implementação. Os erros e acertos nesse percurso são riquíssimos, podem nos ajudar inclusive com políticas que não sejam as mesmas, mas que em algum momento do processo enfrentam questões semelhantes na implementação. O pesquisador Michael Fullan [especialista canadense em reforma educacional] diz que a ideia é 25% e a implementação é 75% da solução. Essa é uma das principais perdas que o Brasil tem ao se recusar a fazer essa análise. O Brasil olha muito pouco para fora. Existe uma cultura de usar nossas diferenças como uma barreira para a discussão comparada: “o Brasil é muito grande, ou é muito diverso, ou é muito pobre para ser comparado”. Com essas desculpas, perdemos chances de aprender, de errar menos e de acertar mais com menos dor.
Como é no Chile?
No Chile, é o contrário. O Chile sempre se sentiu geograficamente muito isolado. Ele tem o Polo Sul de um lado, em cima está o Deserto de Atacama. O país sempre buscou uma conexão com o mundo. Lá o modus operandi não é ideológico. Quando têm uma questão, o primeiro movimento é dizer: “Vamos ver como outros países resolveram esse problema”. Depois desse levantamento, eles se alinham ideologicamente, porque isso faz parte do mundo político. Mas isso não significa que o Chile só copie. Há muita coisa que só existe no Chile.
Desde os anos 2000, o Chile deu um salto no Pisa, avaliação internacional de estudantes, e tornou-se o país latino-americano mais bem colocado nos rankings de leitura, matemática e ciências. Como foi o processo?
O primeiro movimento do Chile, no início da democracia, em 1990, foi reformular o currículo para uma fase de mais participação política e cidadania. Dez anos depois, o país postulou a entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A organização fez, então, um raio-X da educação no país e o diagnóstico foi ruim: o Chile tinha um currículo rico que apontava para a sociedade do conhecimento, mas seus professores não eram capazes de trabalhar com esse currículo nem as faculdades sabiam formar novos professores para ele. Foi uma chamada à realidade para o Chile.
O Brasil pleiteia uma vaga na OCDE. É uma oportunidade para a educação?
Tudo vai depender da reação à análise da OCDE. Quando você convida uma instituição que entende daquele assunto para ajudá-lo, você ouve o que ela tem a dizer, por mais doído que seja, e passa a trabalhar com base no diagnóstico. Não se pode pensar em entrar na OCDE para ficar rebatendo as críticas com “mas eu sou grande, eu sou diferente”. Mudar a educação é uma decisão de país. Implica uma série de medidas impopulares e o jeito de lidar com elas é buscar consenso, ser capaz de colocar pessoas que não se toleram para sentar juntas e não abrir a porta enquanto não conversarem.
Que medidas impopulares o Chile tomou para melhorar a educação?
Muitas. Vou falar sobre uma que é rechaçada veementemente no Brasil: avaliação da qualidade da aula de cada professor. Depois de concluir que isso era fundamental para a correção de rota, o governo passou a trabalhar o consenso em torno da questão. O sindicato dos professores chileno produzia a mesma grita que o brasileiro produz aqui sobre esse assunto. O governo chamou o sindicato para a mesa e apresentou todos os dados que corroboravam a estratégia de avaliação. Foram três anos de negociação. Outra medida que eles tomaram foi elevar o imposto sobre valor agregado de 18% para 20% para aumentar a remuneração dos professores em 30%. A medida faz parte da estratégia de valorização da carreira. A busca da qualidade levou o Chile a fechar dezenas de cursos de pedagogia e a proibir o ensino online da carreira. Aumentaram a nota para ingressar em pedagogia e a carga horária do graduando dentro de sala de aula, porque entenderam que sem a prática não se aprende a dar aula. Os estágios começam no segundo ano. Enquanto isso, no Brasil, 60% dos alunos de pedagogia estão matriculados em cursos a distância ou semipresenciais, sem controle efetivo da qualidade. Hoje, os dois únicos cursos geridos pelo Estado são medicina e pedagogia. O princípio para ambos é o mesmo: rigor na formação teórica e prática antes que os profissionais tenham contato com pacientes ou alunos sem supervisão.
A senhora estudou e viveu nos Estados Unidos. Como é a discussão lá?
Os Estados Unidos estão sempre patinando em educação básica porque não tomaram a decisão como país de transformar a carreira do professor. Lá existem nichos de excelência, mas observe os resultados nacionais. Estar mais de 30 colocações distantes dos primeiros lugares não é condizente com todo o potencial e recurso que os Estados Unidos têm.
O Brasil vive um momento de muita polarização política. É possível buscar consenso nesse contexto?
É difícil, mas é possível. O Chile também pode servir de inspiração. O país passou por uma transição complexa da ditadura para a democracia. O não a Pinochet ganhou só de 56% a 44%. No Brasil, as polaridades existem dentro de uma democracia. No Chile, não era assim. Todos os governos da fase democrática tiveram a sabedoria de perceber que tinham de buscar consenso de todos os setores. Uma quebra de paradigma não se dá por decreto. Ela precisa de um processo de convencimento e negociação.
Em algum momento o Brasil conseguiu esse consenso em torno da educação?
Embora longo e tortuoso, o processo de chegar à Base Comum Curricular foi produtivo. Tivemos um impeachment, que é uma ruptura, e a discussão da base se manteve, porque não era político-partidária, era uma discussão de Estado.
Dava para ter feito isso antes?
Dava. Esse debate ficou interditado por anos pelo preconceito que a esquerda brasileira tinha com o tema. Outra oportunidade que o país perdeu foi na definição do piso salarial para os professores entre 2007 e 2008. Aquele era o momento para repensar a profissão, definir qual profissional queremos, com qual carreira. Perdemos a oportunidade de rediscutir a única profissão que não segue a lei trabalhista de 40 horas semanais no país. O docente pode acumular 65 horas em São Paulo e 71 horas no Rio de Janeiro.
Que tipo de reforma a senhora enxerga como possível hoje no Brasil?
Tem algumas coisas importantes acontecendo: o Plano Nacional de Educação, a Base Nacional Comum Curricular, a Reforma do Ensino Médio. Como eu já citei, implementação é 75% do jogo. Agora, se quiser mudar o jogo mesmo, precisa mexer com o professor: formação, remuneração, avaliação. Mas eu não consigo ver isso ainda no horizonte do Brasil, infelizmente.