Revista Exame

O Brasil na visão de um dos maiores especialistas em mercados emergentes

O investidor Mark Mobius, um veterano em mercados emergentes, diz por que as ações brasileiras estão entre as principais apostas de seu novo fundo

 (Foto/Divulgação)

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GN

Giuliana Napolitano

Publicado em 6 de dezembro de 2018 às 05h56.

Última atualização em 6 de dezembro de 2018 às 07h22.

Aos 82 anos, o investidor americano Mark Mobius, um dos maiores especialistas em mercados emergentes do mundo, teve uma aposentadoria relâmpago. Ele anunciou que deixaria em janeiro de 2018 a gestora americana Franklin Templeton, onde trabalhou por 30 anos e chegou a administrar mais de 40 bilhões de dólares aplicados em ações de países como Brasil, China, Índia, Argentina e Turquia.

Em maio, fundou a própria gestora, a Mobius Capital. Sua rotina continua parecida: ele passa em torno de dois terços do ano viajando pelos países em que investe, ou pretende investir, visitando empresas e conversando com especialistas. Mas a quantidade de recursos que tem para aplicar é bem mais modesta: até agora, seu fundo captou cerca de 160 milhões de dólares, quase tudo na Europa. “Acabamos de começar e estamos naquela situação do ovo e da galinha: precisamos de um histórico de retorno para captar, só que precisamos captar para dar retorno. Mas estou confiante que vamos crescer”, diz Mobius, bem-humorado.

Seu fundo, cuja estratégia é investir em ações de empresas socialmente responsáveis e com elevada governança corporativa, deve começar a ser distribuído no Brasil por meio de um acordo de distribuição já fechado com o banco BTG Pactual. Por telefone, de Dubai, Mobius disse a EXAME por que sua experiência indica que os investidores estrangeiros não deveriam estar tão pessimistas com os países emergentes — e por que o Brasil é uma de suas principais apostas atualmente.

Muitos fundos estrangeiros têm sacado recursos de países emergentes. É um bom momento para investir nesses mercados?

Sem dúvida. O bear market [período de baixa] que tomou conta das bolsas de valores de países emergentes, com exceção do Brasil, nos últimos meses, está perto do fim. O aumento dos juros nos Estados Unidos, o que levou muitos investidores a tirar recursos desses mercados ao longo de 2018, já está no preço das ações — e acredito que elas caíram mais do que deveriam. Acho que os investidores estão começando a ver isso, e devem voltar a aplicar nos países emergentes. Da mesma forma que desvalorizam subitamente, os mercados emergentes podem se recuperar muito depressa. Foi o que aconteceu com a bolsa brasileira recentemente. É preciso estar posicionado para beneficiar-se dessa alta quando ela ocorrer. 

Mas a expectativa de desaceleração da economia da China, destino das exportações de muitos países emergentes, não prejudica o cenário?

As previsões indicam que, em 2019, a economia chinesa deverá crescer entre 5%, numa visão bem pessimista, e 7%. Ainda é uma expansão significativa. A tensão comercial com os Estados Unidos pode ser uma oportunidade. Se a China passar a vender menos para os Estados Unidos, esse espaço poderá ser ocupado por outros países e empresas — depende de quais conseguirão negociar melhor com o governo americano. O Brasil deveria se preparar para aproveitar essa brecha se ela surgir. 

Quais são os mercados emergentes mais promissores atualmente, na sua opinião?

Brasil e Índia estão no topo da lista, em razão das perspectivas de crescimento da economia. Mas também vemos oportunidades em mercados combalidos, como Argentina e Turquia. A situação econômica é problemática, porém é justamente nesses momentos que aparecem as verdadeiras pechinchas na bolsa. É possível pagar barato para comprar ações de boas empresas, e é isso que buscamos ao investir.

Por que o Brasil está no topo de sua lista de investimentos?

Primeiro porque o novo presidente tem uma mentalidade pró-negócios e tem se mostrado preocupado com o respeito às leis e aos contratos. Como investidores, precisamos acreditar que nossos direitos serão respeitados no país. Além disso, a evolução da Operação Lava-Jato indica que haverá mais fiscalização sobre as empresas e sobre o governo, e isso favorece os investimentos. As perspectivas são muito boas.

Protesto contra o governo na Argentina: um dos mercados em que Mark Mobius investe hoje, em busca de pechinchas na bolsa de valores | Juan Mabromata/AFP Photo

Sem adotar medidas que mostrem que vão resolver o problema fiscal, o Brasil tem como avançar?

O maior risco é o Brasil retroceder e parar com a agenda de reformas. Não estamos iludidos: sabemos que haverá muita resistência às mudanças. Mas um ponto me deixa esperançoso: até o presidente Michel Temer, que faz parte da velha guarda da política brasileira, tentou fazer o que é certo e aprovar reformas que são boas para o país.

Por que outros investidores estrangeiros não têm se mostrado tão otimistas?

Acho que eles têm medo, porque estão fora de sua zona de conforto. Mas não acredito que eles continuarão sacando recursos do Brasil, como fizeram nos últimos meses. Os investimentos devem voltar à medida que o governo se estabelecer e começar a trabalhar.

Ao longo das décadas em que fez investimentos no Brasil por meio da Franklin Templeton, o senhor quase sempre teve uma visão positiva do país, e ela continua agora. Por quê?

O motivo é a qualidade das empresas brasileiras, em diferentes setores. A Embraer, fabricante de aeronaves, é um ótimo exemplo, mas é conhecido. Há empresas menores, de capital fechado, que são excelentes. Isso deve continuar fazendo o país crescer, apesar das dificuldades. Perdi dinheiro no Brasil com as ações da Petrobras quando o escândalo de corrupção veio à tona. Mas, ao longo dos anos, os retornos no Brasil foram muito bons. Atualmente, cerca de 10% do patrimônio do fundo está investido em ações de companhias brasileiras. O restante está dividido entre papéis de empresas na China, na Coreia do Sul, na Polônia e na Turquia. 

Há ações baratas na bolsa brasileira ainda, ou elas já subiram bastante?

Claro que há ações baratas. Um dos setores em que vemos mais oportunidades é o varejo. O uso de tecnologia e a expansão das vendas online devem melhorar os resultados das empresas que souberem explorar esses movimentos. Também voltamos a investir em ações de bancos, mas, desta vez, preferimos os de médio porte que estão mudando a maneira de interagir com os clientes. A evolução das fintechs [startups financeiras] deve beneficiar as instituições envolvidas nisso. Investimos ainda em companhias industriais que atendem o mercado doméstico e o externo. Aos poucos, o Brasil deve se tornar mais aberto ao comércio internacional, e essas empresas tendem a ganhar com isso.

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