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O bom exemplo chileno

O vizinho foi o primeiro país latino-americano a dar prioridade à adoção de mecanismos para aumentar a confiança nas instituições. Deu certo

Uma tradição de reconhecimento: a presidente Michelle Bachelet premia gestores públicos que se destacam (Divulgação)

Uma tradição de reconhecimento: a presidente Michelle Bachelet premia gestores públicos que se destacam (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 21 de novembro de 2014 às 09h00.

São Paulo - O Chile foi alçado neste ano ao posto de primeiro lugar no ranking de qualidade do corpo de servidores públicos elaborado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento com países da América Latina. O motivo: o país andino promoveu reformas administrativas que podem ser exemplares para outros países da região — e está mesmo sendo copiado por vizinhos como Peru e Uruguai.

Entre 2003 e 2008, o Chile criou um sistema de seleção de cargos de alta gerência no setor público, uma lei de compras públicas considerada modelo pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, e uma lei de transparência na função dos servidores e de acesso à informação que foi pioneira no continente.

O ímpeto de reformar o Estado surgiu durante o governo do ex-presidente Ricardo Lagos, que esteve no poder entre 2000 e 2006. Lagos aproveitou o forte apoio popular de que dispunha para negociar com a oposição reformas que modernizaram o Estado chileno, ao mesmo tempo que avançava em grandes projetos de moradias populares, de ampliação do atendimento médico e em programas de redução da pobreza.

“A América Latina sofre com o risco de políticos populares construírem maiorias circunstanciais e mudarem Constituições para permitir que o aparato partidário capture órgãos do Estado. No Chile, os políticos populares ajudaram a melhorar o Estado”, diz o espanhol Francisco Longo, professor da escola de negócios Esade, de Barcelona, e que já prestou consultoria para o governo do Chile e de outros países da região, inclusive o Brasil.

Um dos mais relevantes avanços chilenos foi a criação do Sistema de Alta Direção Pública, que estabeleceu um conselho de notáveis que selecionam, por capacidade técnica, candidatos aos cargos mais altos em órgãos públicos, como o presidente de um instituto de pesquisa ou o diretor de uma agência reguladora.

Essas posições são a ligação entre os políticos eleitos e os funcionários de carreira da máquina. Não são cargos para os quais se faz concurso, mas também não podem ser ocupados por qualquer indicação política. O primeiro país a criar processos de seleção padronizados para esses cargos foram os Estados Unidos, em 1979.

Aos poucos, o sistema tornou-se comum em países desenvolvidos. Cerca de três quartos dos países da OCDE têm um sistema análogo ao que o Chile implantou em 2003 e vem expandindo desde então. Um dos feitos dos chilenos foi justamente compreender que a ideia não tinha coloração partidária.

O país foi exemplo de alternância de poder nos últimos anos, intercalando governos de esquerda e de direita, mas o processo de melhoria da seleção de cargos de direção pública continuou avançando — o número de cargos escolhidos pelo sistema dobrou em dez anos — e as premiações dos melhores gestores do ano ­ganham cada vez mais destaque. 

O exemplo chileno é especialmente relevante para o Brasil, visto que o critério em que o país presidido por Michelle Bachelet mais avançou no ranking do BID foi o de eficiência da máquina pública. Nesse aspecto, o Chile tinha 65 pontos em 2004 e passou para 85 em 2012.

O Brasil, no mesmo período, caiu de 55 para 50. Não é uma surpresa que a economia do Chile deverá crescer de 2011 a 2014, em média, 3 pontos percentuais a mais do que a nossa.

“O Brasil precisa abandonar sua tradição de manter um Estado burocrático e cheio de normas que dificultam a meritocracia”, diz Longo, que também participou da elaboração do estudo do BID. Um exemplo latino-americano já não falta mais.

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