Revista Exame

O bilionário mais discreto do Brasil colocou as asas de fora

Com a bolsa na lama e investimentos perdendo valor, o discretíssimo José João Abdalla Filho, que controla o banco Clássico, deixou um pouco de lado a cautela.


	Parque Villa-Lobos: Filho de um dos principais empresários do país nos anos 50 e 60, José João Abdalla Filho fundou um banco para investir em empresas de infraestrutura
 (Felipe Borges/Creative Commons/Creative Commons)

Parque Villa-Lobos: Filho de um dos principais empresários do país nos anos 50 e 60, José João Abdalla Filho fundou um banco para investir em empresas de infraestrutura (Felipe Borges/Creative Commons/Creative Commons)

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Da Redação

Publicado em 14 de maio de 2016 às 05h56.

São Paulo — Ninguém dá nada pelo banco clássico. O mais provável, inclusive, é que quase ninguém jamais tenha ouvido falar no banco Clássico. Com apenas dez funcionários, que dão expediente num escritório no centro do Rio de Janeiro, o Clássico não tem agências nem mesmo correntistas. Tem apenas um cliente: o economista José João Abdalla Filho, de 71 anos — que é dono do banco.

A única função do Clássico é servir de veículo para os investimentos de Abdalla, sobretudo na bolsa de valores. O hábito de voar debaixo do radar há tanto tempo fez de Abdalla o bilionário mais anônimo do Brasil. Não há fotos suas nas agências de notícias, ele não dá entrevistas, circula pouco, não participa de leilões de arte nem de grandes causas da filantropia nacional.

Mas seu patrimônio soma quase 5,5 bilhões de reais. Não é que ele seja bilionário, portanto: é multibilionário. Mantendo-se fiel à discrição que o caracteriza, Abdalla transformou-se num dos maiores investidores individuais da bolsa brasileira.

Ele é dono de 1% da Petrobras, de 4% da Eletrobras e de fatias que variam de 6% a 10% das companhias de energia elétrica Cemig e Tractebel, da concessionária de gás CEG e da Kepler Weber. Com a bolsa na lama e seus investimentos perdendo valor, Juca, como é chamado pelos amigos, decidiu deixar um pouco de lado a cautela.

No fim de abril, ele indicou um representante para o conselho de administração da Eletrobras. Ao mesmo tempo, faz uma investida para emplacar um conselheiro na enrolada Petrobras. Parte da fortuna de Juca foi herdada do pai, J.J. Abdalla, um dos maiores empresários do Brasil nas décadas de 50 e 60. Ele foi dono de cerca de 20 empresas de diferentes setores, desde mineração até agropecuária.

A mais conhecida delas era a fabricante de cimento Portland, instalada na zona norte de São Paulo. O pai também foi deputado estadual e federal por São Paulo e secretário do Trabalho no governo Ademar de Barros nos anos 60. Esteve envolvido em polêmicas dos mais diversos tipos.

Fora da elite empresarial e política, enfrentou sucessivas greves por não pagar benefícios trabalhistas, foi processado, ficou um tempo preso e chegou a ter parte de seus bens confiscados pelo Estado (uma das empresas confiscadas foi justamente a Portland, cujas atividades estão paralisadas até hoje). Por tudo isso, era conhecido entre os operários da época como “o mau patrão”, apelido que o acompanhou por anos.

Diferentemente do pai, Juca fez sua carreira no mercado financeiro. Começou, naturalmente, de cima. Criou o banco Clássico em 1989, inicialmente com a herança do pai, que morrera um ano antes. Em 2001, veio um impulso e tanto.

Sua família recebeu uma indenização de 2,5 bilhões de reais da prefeitura de São Paulo pela desapropriação de um terreno de 717 000 metros quadrados usado para criar o Parque Villa-Lobos, na zona oeste da cidade. Foi uma vitória após uma briga arrastada. O terreno foi desapropriado em 1989, mas a família Abdalla entrou na Justiça reclamando do valor recebido.

Juca ficou com 70% do total, que terminou de ser pago em 2009. A partir daí, passou a investir pesadamente em ações, especialmente de empresas do setor de infraestrutura na Bovespa. 

Carnaval

Para atuar nas empresas em que investe, Juca usa José Pais Rangel, ex-funcionário do Banco Central e vice-presidente do Clássico. Ele é conselheiro das empresas Tractebel, Cemig, CEG e Kepler Weber, e Juca sempre entra como suplente. Para integrar o conselho da Eletrobras, o banqueiro se uniu ao empresário Lirio Parisotto, que também é um grande acionista da estatal.

Na assembleia que aconteceu no dia 29 de abril, os nomes de Rangel e de Marcelo Gasparino, advogado de Parisotto, foram aprovados. No caso da Petrobras, EXAME­ apurou que Juca decidiu tardiamente que queria participar do conselho de administração da empresa, quando os dois representantes dos acionistas minoritários já haviam sido escolhidos.

Por isso, resolveu integrar o conselho fiscal, mas não conseguiu votos suficientes para eleger Rangel. Pessoas próximas dizem que ele tentará eleger um representante novamente nas assembleias previstas para 2017.

No ano passado, o banqueiro fez o primeiro investimento polêmico: ampliou para 16% a participação no capital da Eneva, companhia elétrica criada pelo empresário Eike Batista e que, depois de vendida à alemã E.ON e entrar em recuperação judicial, hoje tem como maior acionista o banco BTG Pactual.

O investimento foi feito depois que a empresa entrou em recuperação judicial, em dezembro de 2014, e Juca decidiu brigar. O Clássico questionou na Comissão de Valores Mobiliários o cálculo do preço de um aumento de capital previsto no plano de recuperação. Também queria impedir o voto de Eike Batista na aprovação do plano, o que daria mais peso ao voto do banco sobre o futuro da operação.

Não teve as demandas atendidas e sua participação na Eneva acabou sendo diluída na capitalização. Formado em economia pela Universidade Mackenzie, de São Paulo, Juca nunca se casou nem teve filhos (ele não deu entrevista para esta reportagem).

A personalidade reclusa só fica em segundo plano quando chega o Carnaval. Segundo amigos, ele desfila todos os anos na escola Beija-Flor e curte as duas­ madrugadas de samba na Marquês de Sapucaí. Hoje, seu parente mais conhecido é o primo Antonio Abdalla, sócio da produtora de suco de laranja Citrosuco e dono de uma importadora de automóveis das marcas Bentley e Bugatti.

O primo recebeu cerca de 600 milhões de reais pela venda do terreno do Parque Villa-Lobos. Em 2006, Juca tentou entrar na política. Candidatou-se a suplente de senador na chapa de Teresa Surita, em Roraima. Ela é ex-mulher do presidente do PMDB, Romero Jucá.

O Ministério Público Eleitoral tentou impugnar a candidatura alegando a falta de vínculo do banqueiro com o estado. Teresa não foi eleita. Juca declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de 379 000 reais. Só pode ter sido erro de digitação.

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