Revista Exame

Kroton, o azarão que chegou ao topo do mundo

Como a rede de ensino Kroton saiu do prejuízo, superou as concorrentes e agora forma, ao associar-se à Anhanguera, a maior empresa desse mercado no mundo

Rodrigo Galindo, presidente da Kroton Anhanguera (Germano Lüders/EXAME.com)

Rodrigo Galindo, presidente da Kroton Anhanguera (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 25 de abril de 2013 às 06h00.

São Paulo - Apenas três dias de negociações intensas selaram a criação do maior negócio de educação do mundo. A jornada começou na quinta-feira 18 de abril, às 2 da tarde, quando uma dúzia de assessores das redes de ensino superior Kroton e Anhanguera se fechou num escritório na zona sul de São Paulo.

De um lado, os executivos da Kroton, maior rede de faculdades do país em valor de mercado, com seu presidente, o executivo Rodrigo Galindo, dois sócios da Advent, fundo de private equity que investe na empresa, e advogados do escritório Barbosa e Müssnich, Aragão.

De outro, o presidente da Anhanguera, o paulista Ricardo Scavazza, os sócios do fundo Pátria, principal acionista da empresa, e a banca Mattos Filho. O time dormiu em média apenas 3 horas por noite até a assinatura do contrato, numa sequência de trabalho quase ininterrupta — com direito a pizza no escritório e cochilos no sofá. “Foi uma das negociações mais velozes e certamente a mais importante da minha vida”, afirma Galindo.

A união entre Kroton e Anhanguera, por meio de uma troca de ações estimada em 5 bilhões de reais, resultou numa empresa de proporções sem precedentes. É a maior do mundo, com valor de mercado próximo a 12 bilhões de reais — o dobro da segunda colocada, a chinesa New Oriental.

Cerca de 1 milhão de estudantes assistem a aulas em 120 campi e 600 operações de ensino a distância numa cobertura que chega a 500 cidades de todos os estados do país. No mercado brasileiro, o negócio projetou a nova companhia — que ainda não tem nome definido — bem à frente das demais concorrentes.

Juntas, Kroton e Anhanguera faturam o dobro da segunda colocada, a Estácio de Sá, controlada pelo fundo de private equity­ GP Investments. A associação entre as duas representa o ápice de um movimento de consolidação iniciado há cerca de cinco anos, período em que Kroton e Anhanguera empreenderam, respectivamente, 25 e 39 aquisições.

“Nenhuma outra fusão seria capaz de gerar uma empresa com o mesmo valor de mercado dessa nova companhia”, diz Ryon Braga, da consultoria especializada em educação Hoper.

Apesar de ter sido tratada como fusão, uma das empresas claramente deverá predominar. Com um valor de mercado maior, a Kroton saiu em diversos aspectos como vencedora no negócio. Ao final, os acionistas originais da rede ficam com mais da metade da nova empresa, terão sete dos 13 assentos do conselho e o presidente executivo será Galindo, que terá carta- branca para formar sua diretoria.

À Anhanguera coube três assentos no conselho e sua presidência, ocupada por Gabriel Rodrigues, parceiro do Pátria no investimento na Anhanguera. 

Virada

A dominância da Kroton, nesse caso, tem um caráter de virada. Três anos atrás, a empresa era uma espécie de lanterninha do mercado. Em 2009, o valor de mercado da Kroton era de apenas 20% do da Anhanguera.

A Kroton faturava menos da metade que sua concorrente e ainda tinha prejuízo. A própria capacidade de recuperação mostrada pela Kroton desde então contou como vantagem na hora de se associar à Anhanguera. De acordo com executivos próximos, a Kroton brigou lado a lado com uma proposta da concorrente Estácio de Sá, que também pretendia ficar com a Anhanguera. 

“Hoje, a Kroton é a empresa mais eficiente do mercado e essa característica contou a favor”, diz o executivo de um fundo que investe em empresas de educação. Os investidores gostaram: as ações da Kroton subiram 8%, as da Anhanguera, 7% — o que adicionou 700 milhões de reais ao valor de mercado das duas empresas no dia do anúncio da associação.


Segundo EXAME apurou, a habilidade política também ajudou na abordagem da Kroton, que soube aproveitar um momento de transição de poder na Anhanguera, até então a maior empresa do país em faturamento e número de alunos. No início deste ano, o fundo Pátria, do investidor Alexandre Saigh, vendeu parte de suas ações e retirou três representantes do conselho de administração.

Com isso, a presidência do conselho iria para as mãos de Gabriel Rodrigues, fundador da faculdade Anhembi Morumbi e um dos principais acionistas da Anhanguera.

Vendo esse rearranjo como uma oportunidade de negócio, a Kroton despachou um interlocutor à altura para tentar uma aproximação. O escolhido foi o empresário Walfrido Mares Guia, fundador da rede de escolas de ensino básico Pitágoras e acionista da Kroton, que partiu de Belo Horizonte para São Paulo a pretexto de parabenizar o amigo Rodrigues.

Era, na verdade, uma tática para iniciar a conversa sobre a associação com a companhia. A viagem aconteceu no dia 17 de abril. No dia seguinte, a tropa de negociadores das duas empresas se fechou para redigir os termos do contrato. 

A associação dá visibilidade inédita ao executivo paulista Rodrigo Galindo, de 36 anos. Seu nome como presidente da nova empresa foi consenso nas negociações. Espera-se que ele repita, em escala ampliada, o que conseguiu cumprir dentro da estrutura da Kroton. Em boa parte, a virada da rede tem a ver com sua chegada ao grupo, há apenas três anos.

Galindo entrou na operação depois que a universidade de seu pai, a Iuni, com operações em Mato Grosso, no Amapá e na Bahia, foi comprada por cerca de 200 milhões de reais. Ele começara a trabalhar na empresa do pai aos 13 anos, tirando cópias para os alunos da faculdade.

Aos poucos, passou por diversas áreas até conhecer a operação em cada detalhe. Seu pai foi um ávido comprador de universidades, e coube a ele o desafio de integrá-las. Foi quando desenvolveu um método de integração das unidades num tempo recorde de 90 dias, metade do que se fazia no setor. Os executivos do Advent, principal acionista da Kroton, logo viram nele um perfil raro no mercado. “Ele reunia experiência técnica e competência para ser um bom gestor”, diz Luiz Kaufmann, consultor que havia sido chamado para reestruturar a Kroton e contratar um executivo para tocá-la. 

À frente da Kroton, Galindo seguiu à risca a mesma receita que criou na Iuni. As faculdades passaram a abrir turmas somente com um número mínimo de alunos que permitisse que cada sala de aula fosse rentável.

Além disso, Galindo impôs um rígido controle de orçamento que obrigava gerentes e diretores a enviar um e-mail ao presidente caso precisasse gastar mais do que o previsto, mesmo em contas tão miúdas quanto a despesa com pizzas para os serões de fechamento dos balanços na área de controladoria. Em 2011, a Kroton já estava no azul, com margens parelhas com o setor.

A empresa deu início a uma nova fase. Em dezembro de 2011, a Kroton fechou a compra da Unopar por 1,3 bilhão de reais. A justificativa para um cheque sem precedentes na história do setor foi a operação de ensino a distância da rede paranaense criada pelo empresário Marco Antonio Laffranchi, hoje sócio da Kroton. Seis meses depois, a empresa fechou a compra da catarinense Uniasselvi e se tornou a líder no país em ensino a distância, uma categoria em que a Kroton não atuava até então. 

Com essas operações, as margens melhoraram e a empresa fechou o ano passado com lucro de 200 milhões de reais — 25% mais que a segunda melhor, a própria Anhanguera, e o dobro da Estácio. O aumento na rentabilidade levou a Kroton a se tornar a rede de ensino superior com maior valor em bolsa do mundo no final de 2012 — posição que se consolida agora com a associação com a Anhanguera. 

Na nova empresa, Galindo já sabe que não poderá dispor dos mesmos recursos que utilizou em ocasiões anteriores. Até então, ele se valia de uma equipe composta de cerca de 30 profissionais que conseguia incorporar as faculdades de médio e pequeno porte adquiridas em apenas três meses. Desta vez ele pretende contratar uma grande consultoria para ajudá-lo no processo.

Caberá a ela fazer a análise preliminar das potenciais sinergias até a aprovação definitiva do Cade, órgão de proteção da concorrência. “Devemos levar mais de um ano para integrar tudo”, diz Galindo.


Um obstáculo deve aumentar a complexidade do que já é por definição uma tarefa difícil — o estado atual da Anhanguera. Embora seja considerada uma boa empresa, ela foi bem menos feliz que a Kroton ao integrar suas aquisições passadas. Estima-se que um quinto do total de alunos ainda estude com currículos diferentes do padrão da empresa, o que deixa sua operação mais cara.

Uma das mais difíceis de digerir é a Uniban, rede paulista adquirida por 510 milhões de reais em 2011. Além de ser uma das menos eficientes do mercado, a empresa era uma das campeãs de reclamação no Procon.

“A Anhanguera fez opções piores e tinha métodos menos eficazes de integrar as empresas compradas. Por isso, ela não manteve o mesmo padrão de ensino em cada unidade”, diz Braga, da consultoria Hoper. “Nivelar a rede é um dos principais desafios da nova companhia.” Em 2011, a Anhanguera chegou a ser notificada pelo Ministério da Educação pela discrepância de qualidade de suas unidades.

Atualmente, segundo a empresa, todas as suas faculdades já integradas têm nota igual ou superior a 3, numa escala de 1 a 5, na avaliação conhecida como IGC, sigla para Índice Geral de Cursos. Desafios à parte, a nova empresa já nasce mais eficiente que as outras empresas do setor com capital aberto. Sua margem operacional, de 23,5%, é 8 pontos percentuais acima da Estácio de Sá, concorrente mais próxima.

Sem controlador

Na nova estrutura de comando da empresa, Galindo terá mais autonomia do que nunca para tocar a operação. O fundo Pátria, que tinha 82% na época da abertura de capital da Anhanguera seis anos atrás, hoje é dono de 10% das ações. O Advent, que chegou a ter 28% da Kroton, vendeu parte de suas ações e hoje é dono de apenas 10% do capital da empresa.

Nenhuma outra empresa do setor terá o capital tão pulverizado — no caso da Estácio, a GP Investments ainda mantém uma participação de 10%.

Na nova empresa, ninguém terá mais de 6% das ações. Essa é uma vantagem e também um risco em potencial. Em outros setores, empresas que perderam um controlador forte — como a incorporadora Gafisa — também viram a eficiência ir embora.

Num primeiro momento, a permanência de Galindo à frente do negócio pode dar confiança aos investidores. Também conta a favor a baixa sobreposição das operações. A Anhanguera está mais presente nos estados do Sul e em São Paulo.

A Kroton se concentra em Minas Gerais, no Centro-Oeste, no Norte e no Nordeste. As operações também se completam nas categorias de ensino. Aulas presenciais são o ponto forte da Anhanguera. Já a Kroton é líder no ensino a distância. “A união das duas criou uma empresa extremamente competitiva. Isso a deixa muito forte”, diz Bruno Giardino, analista do setor de educação do banco Santander.

O negócio entre Kroton e Anhanguera pode dar início a uma onda de consolidação entre as maiores do setor. Grupos americanos, como Laureate, dono da Anhembi Morumbi, e DeVry, que possui operações no Nordeste, escolheram o Brasil para investir nos últimos anos.

A razão é simples:  a formação de grandes grupos privados de ensino ganhou uma nova dimensão no mercado brasileiro. Diferentemente do que acontece na Europa e nos Estados Unidos, há milhões de alunos sem vagas em universidades públicas.

É um público que especialistas chamam de “jovem trabalhador”: uma pessoa de 25 a 35 anos, da classe C, e em geral a primeira geração da família a ingressar num curso superior. Estima-se que 20 milhões de pessoas se encaixem nesse perfil no Brasil hoje, três vezes a população atual matriculada em universidades. Com a formação desse novo gigante do setor, a guerra para recrutá-las só começou.

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