Revista Exame

Avanço na segurança foi conjunto, diz prefeito de Medellín

A colombiana Medellín superou o passado de violência e hoje é um polo de inovação. Por trás está a parceria entre governo e empresários locais.

Gutiérrez: “Estamos tendo a maturidade política de continuar os programas que funcionam”  (Federico Ruiz/Exame)

Gutiérrez: “Estamos tendo a maturidade política de continuar os programas que funcionam” (Federico Ruiz/Exame)

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Leo Branco

Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 08h51.

engenheiro civil colombiano Federico Gutiérrez, de 43 anos, é um entusiasta da participação de empresários na vida pública. Em 2015, Gutiérrez venceu a eleição para a prefeitura de Medellín, segunda maior cidade da Colômbia e, no passado, palco de uma epidemia de violência causada pelo narcotráfico. No pior momento, em 1991, houve 380 homicídios por 100 000 habitantes em Medellín, quase três vezes a média da cidade mais violenta do mundo hoje, a salvadorenha San Salvador. Desde então, os homicídios em Medellín caíram 90%, resultado de políticas nacionais de combate ao narcotráfico e de iniciativas locais para o aumento de investimentos na cidade.

Para Gutiérrez, um dos méritos no combate à criminalidade foi o engajamento de diversos segmentos da sociedade. Em 2003, foi criada uma coalizão de empresários, universidades e gestores públicos, os quais se reúnem periodicamente para discutir o futuro da cidade. Na entrevista a seguir, concedida durante a visita a São Paulo para falar num evento da organização social Comunitas, que desenvolve parcerias público-privadas em municípios brasileiros, Gutiérrez explica por que sua gestão não apenas manteve a coalizão como também presta atenção nos conselhos do empresariado sobre uma gama variada de desafios locais — desde a gestão da empresa pública municipal EPM, que fornece serviços como abastecimento de água, luz e gás, coleta de lixo e telefonia celular, até a atração de investimentos inovadores. 

Como Medellín venceu a violência?

O mais importante foi entender que a segurança não era uma agenda de partidos da esquerda nem da direita. Era um direito do cidadão. Foram tomadas medidas duras contra as estruturas criminais junto com ações sociais relevantes nas regiões dominadas pelo crime. Para vencê-lo, foi necessário um entendimento forte entre o setor público, o setor privado, as universidades e a sociedade civil organizada. 

Como os empresários e a sociedade civil fizeram parte da guinada de Medellín?

Em vez de ir embora por causa da violência, boa parte dos empresários permaneceu mesmo nos piores momentos. Hoje, seis das dez maiores empresas listadas na bolsa colombiana têm sede em Medellín. A iniciativa privada é parte importante de um comitê que funciona há 14 anos. Toda primeira sexta-feira do mês, o prefeito em exercício se reúne com o comitê e com reitores de universidades para tomar decisões sobre temas que interessam ao futuro da cidade. Discutimos como gastar o orçamento municipal, criar programas de qualificação da mão de obra, e por aí vai.

Por que os encontros são importantes?

O debate com o empresariado dá clareza sobre desafios e prioridades da cidade. Um exemplo: há alguns anos, chegamos à conclusão no comitê de que o crescimento econômico futuro viria de indústrias inovadoras. Por isso, em 2010 criamos a Ruta N, uma incubadora de startups 100% pública. O resultado é a ampliação dos investimentos públicos e privados em inovação. Em 2013, gastávamos pouco mais de 1% do PIB local. Atualmente, perto de 2%. Até 2021 a meta é aportar 3% da riqueza produzida em Medellín.

Como uma prefeitura pode engajar o empresariado a ser mais inovador?

Fazendo com que o investimento público ande de mãos dadas com as necessidades do setor privado. Não basta o governo criar instituições de apoio à ciência e à tecnologia. Para funcionar, o investimento precisa estar articulado com o empresariado. Exemplo: em breve, numa área degradada ao redor da sede da Ruta N, vamos inaugurar um distrito para empresas inovadoras — locais ou de fora da cidade —, o que deve abrir mercado para as startups hoje sediadas na incubadora. Outra medida é incentivar parcerias na educação. Há dois meses, firmamos alianças com empresas para que apadrinhem escolas públicas de pior desempenho. Colégios privados serão contratados pela prefeitura e pelos empresários para ajudar as piores escolas a reduzir a evasão e a melhorar as notas dos alunos. É uma parceria que interessa a todos: a empresa que não inova perde mercado. E, para atrair esse tipo de negócio, a cidade precisa de mão de obra qualificada.   

O diálogo com empresários não abre margem para conflitos de interesses?

É claro que o empresário sempre levará adiante os interesses econômicos de sua empresa. Mas, quando nos sentamos, a regra é que eles nunca falem de seus negócios. Nunca. Do mesmo modo, não entro em detalhes sobre meu governo. Para a prefeitura, o relacionamento com a comunidade empresarial não está pautado em obras e contratos, mas numa agenda de futuro. Isso faz transcender o nível mais particular das discussões. Sindicatos e universidades participam das discussões também, o que dá transparência. Se houver divórcio entre o setor público e o privado, os mais afetados serão os cidadãos.

Como evitar que a corrupção não acabe minando iniciativas na gestão pública?

Vale olhar a estatal EPM, que fornece serviços públicos, como água, luz e coleta de lixo, um exemplo de governança para quem acredita que empresas públicas são sempre ineficientes. A EPM está presente não apenas em Medellín mas também em países como Chile e México. Combatemos a ineficiência com um código de boas práticas que vem sendo melhorado ao longo dos 60 anos da empresa. O presidente do conselho de administração é o prefeito, mas ele não manda sozinho: ali estão também ex-prefeitos, as lideranças empresariais e outros setores da sociedade, como os sindicatos.

Na prática, esse modelo de governança compartilhada funciona?

Sim, porque o conselho da EPM atua com independência do Executivo municipal. Além disso, há bases técnicas muito fortes. Caso ocorram mudanças no conselho, a estrutura continua a mesma. Além de prestar bons serviços, a EPM dá dinheiro. Atualmente, 25% do orçamento da prefeitura vem de transferências da empresa [o equivalente a 300 milhões de dólares por ano]. Os recursos estão permitindo que a cidade leve adiante a obra da maior usina hidrelétrica em construção na América Latina, que deve operar já em 2018.

A incubadora Ruta N: investimento público para atrair o privado | Paul Morigi

Como foi possível assegurar os avanços da cidade em meio a mudanças políticas?

Tivemos de chegar ao fundo do poço da violência em 1991 para entendermos a necessidade de trabalhar juntos pelo desenvolvimento da cidade. Desde então, estamos tendo a maturidade política de continuar os programas que funcionam, independentemente do partido que esteja no comando da prefeitura. A relação direta entre empresas, universidades e o Estado garante essa continuidade. Eu, por exemplo, ganhei a eleição devido a um movimento cívico de oposição a todos os partidos. Mesmo assim, mantive políticas de segurança e ações sociais bem-sucedidas criadas por meus opositores. Independentemente de quem for o prefeito nos próximos anos, a cidade vai seguir nesse rumo. Além de manter uma convergência política, sucessivos governos trabalharam com austeridade fiscal. Atualmente, de cada 100 pesos arrecadados com impostos, 14 bastam para o custeio da prefeitura. O que resta, 86 pesos, vai para investimentos sociais. Só avançamos porque houve prudência na expansão da máquina pública.

O que ainda falta ser feito para a segurança em Medellín?

Hoje temos uma taxa de 21 homicídios por grupo de 100 000 habitantes [em São Paulo é de sete]. Precisamos baixar mais essa taxa. Um desafio da cidade e da América Latina é passar de uma cultura de ilegalidade para outra de legalidade. Por esse motivo, mantivemos uma luta tão forte contra os criminosos. Mas isso não foi o suficiente. Atualmente, embora a violência esteja em baixa, o maior criminoso da história da cidade, o narcotraficante Pablo Escobar [morto em 1993], um personagem que fez tanto dano à cidade, virou um ícone mundial por causa da minissérie Narcos, exibida pela Netflix. É um retrocesso.

Por quê?

O legado do Escobar parece ser reverenciado. A antiga residência dele, hoje em ruínas, virou um ponto turístico. O maior desafio da cidade hoje é mostrar para quem é de fora, seja investidor, seja turista, que a Medellín real não é a Medellín da Netflix. Nos próximos meses, espero poder finalizar um projeto de lei para demolir essa residência. Quero enviar uma mensagem sobre como podemos derrubar os símbolos da ilegalidade. Nesse espaço, vamos erguer um memorial para as vítimas dos narcotraficantes. Chega de engrandecer o outro lado. 

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