Revista Exame

Do Carrefour à Natura, empresas atendem ao apelo das galinhas

Mais empresas se mostram preocupadas com o bem-estar dos animais usados em produtos de consumo. Pretendem, assim, conquistar os defensores dos bichos

Carrefour, em São Paulo:  a meta da rede é vender apenas ovos de galinhas criadas fora de gaiolas (Germano Lüders/Exame)

Carrefour, em São Paulo: a meta da rede é vender apenas ovos de galinhas criadas fora de gaiolas (Germano Lüders/Exame)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 30 de agosto de 2018 às 05h44.

Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 09h11.

modo de vida das galinhas passou a fazer parte das reuniões de alguns dos principais executivos da rede de varejo Carrefour no Brasil. Em agosto deste ano, a empresa estabeleceu uma meta para que, até 2025, todos os ovos de marca própria vendidos em suas lojas no Brasil sejam produzidos por galinhas que não ficam em gaiolas. O mesmo deve passar a valer até 2028 para os produtos de fornecedores. Para alcançar a meta, a varejista se prontificou a treinar a rede de fornecedores. O início do projeto se dará em setembro, num evento de dois dias na sede global do Carrefour, em Paris. Participarão representantes de empresas e governos de outros países em que o grupo francês atua, e que também assumem o compromisso de melhorar a vida das galinhas.

O Carrefour pode estar mais preocupado com as galinhas do que a maioria das empresas, mas não está sozinho na decisão de eleger a qualidade de vida dos animais como uma prioridade — e de divulgar isso amplamente. Ainda que os exemplos sejam poucos, outras companhias que atuam no Brasil estão mudando, ou estudando como mudar, a maneira como tratam os animais. Seis empresas, entre elas as multinacionais do setor de alimentos Nestlé e Unilever, fundaram em agosto a Coalizão Global para o Bem-Estar Animal. Desde então, executivos das companhias se reúnem para traçar um plano de melhoria da qualidade de vida dos bichos em seus processos produtivos. A agenda com os detalhes das práticas recomendáveis deverá ser divulgada no primeiro semestre de 2019.

A fabricante de cosméticos Natura parou de fazer testes em animais em 2006. Recentemente, em parceria com a rede britânica The Body Shop, que nunca fez testes em animais e foi comprada pela Natura em 2017, passou a fazer campanhas públicas para incentivar o cuidado. Em julho, os funcionários da companhia foram voluntariamente a um ato na Avenida Paulista, em São Paulo, que fez parte da campanha Para Sempre Contra Testes em Animais, lançada pela The Body Shop. “Falamos há muito tempo que somos uma empresa vegetariana, e a chegada da nova marca reforça esse posicionamento”, diz Janice Rodrigues, gerente de marketing da Natura.

O que levou a maioria dessas empresas a se mexer foi uma combinação de uma legislação mais dura no exterior — movendo as multinacionais a replicar novas práticas nos países em que atuam — e pressão de ONGs de defesa dos animais. Uma das organizações mais atuantes é a americana Mercy For Animals, que faz campanhas pelo fim do consumo de alimentos dessa origem. Para quem insiste em comer carnes e ovos, a ONG defende que haja cuidados que reduzam o sofrimento dos animais. Desde 2015, ela monitora no Brasil as empresas que se comprometeram a parar de usar ovos de galinhas confinadas nos próximos anos.

Hoje, 69 companhias participam do programa, como as redes de restaurantes Arcos Dourados — franquia da marca McDonald’s — e Habib’s, além do Carrefour. “A questão do bem-estar animal é ampla e vem ganhando espaço, em razão da demanda da sociedade por produtos sustentáveis”, diz Lucas Alvarenga, vice-presidente da Mercy for Animals no Brasil. Em alguns casos, a legislação acompanhou a demanda. Os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo têm leis que proíbem testes em animais por empresas de cosméticos e higiene pessoal. E, no âmbito federal, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) entregou em maio à Comissão de Assuntos Econômicos um projeto, que ainda não foi analisado.

De forma geral, porém, são as próprias empresas que decidem como devem atuar no Brasil, e muitas têm resolvido mudar quando acreditam que isso trará benefícios a sua imagem — ou quando não fazer nada começa a prejudicar as vendas. Foi o que ocorreu com a anglo-holandesa Unilever depois de comprar a fabricante de produtos naturais Mãe Terra no Brasil, em outubro de 2017. Os clientes da Mãe Terra passaram a protestar contra a venda da empresa nas redes sociais e em ligações às centrais de atendimento das duas empresas. Em alguns casos, afirmavam que iam parar de comprar os produtos da Mãe Terra. O motivo da revolta era o fato de alguns fornecedores da Unilever fazerem testes em animais (apesar de a multinacional ter abolido a prática). “Não esperávamos um impacto desse tamanho”, afirma Marcela Scavone, gerente da cadeia de suprimentos e sustentabilidade da Mãe Terra, cujo presidente acabou divulgando uma carta aberta em que explicava os motivos da fusão e dizia acreditar no plano de sustentabilidade das duas empresas.

Meses depois, a Unilever fundou a Coalizão Global para o Bem-Estar Animal, algo que ajudou a acalmar os ânimos. O aumento da preocupação com o bem-estar animal tem beneficiado empresas dedicadas a isso. É o caso da Beraca, fabricante brasileira de ingredientes naturais e sustentáveis para as indústrias de cosméticos. A Beraca foi fundada em 1956, mas recentemente passou a crescer 10% ao ano — um dos negócios do grupo Sabará, que faturou 213 milhões de reais em 2017. “Os consumidores ganham mais consciência ao mesmo tempo que as empresas estruturam e comunicam boas práticas”, diz Marianna Cyrillo, diretora de marketing da Beraca.

Passeata em São Paulo: funcionários de Natura e The Body Shop contra testes em animais | Divulgação

Uma pesquisa do Instituto Akatu, dedicado a promover o consumo consciente, mostra que 80% dos consumidores brasileiros têm planejado as compras de alimentos avaliando os ingredientes usados nos produtos e também a postura das empresas em relação aos bichos. Olhar para o bem-estar animal na seara da alimentação é também uma forma de competir com o aumento do número de vegetarianos e veganos. Entre os habitantes das regiões metropolitanas de São Paulo, Curitiba, Recife e Rio de Janeiro, 16% se declaram vegetarianos — o dobro da parcela registrada há cinco anos. Na população em geral, 65% dos entrevistados pelo Ibope em 102 cidades declararam que consumiriam mais produtos veganos se esse tipo de informação estivesse indicada de forma mais clara na embalagem ou se tivessem o mesmo preço dos produtos que estão acostumados a consumir. “O acesso à informação e o preço são fatores decisivos na compra também quando se trata de bem-estar animal”, diz Virginia Antonioli, coordenadora de conteúdo do Instituto Akatu.

Do ponto de vista financeiro, mudar a produção em prol do bem-estar animal é um desafio. No Carrefour, os ovos caipiras de galinhas “livres” custam em torno de 1 real cada, duas vezes o preço dos produzidos por galinhas confinadas (que vivem num espaço de uma folha de papel A4). O preço pode baixar quando houver escala. Enquanto isso não ocorre, o que convence o cliente a pagar o dobro é a comunicação. Desde junho, o Carrefour se apoia na nova marca Sabor e Qualidade para divulgar as iniciativas sustentáveis em 13 tipos de produtos de origem animal e vegetal (como pescados sem pigmentação artificial e bovinos criados em áreas que respeitam as leis socioambientais). “Por meio de pesquisas e do comportamento do consumidor em loja, percebemos a demanda por esse produto. O desafio agora é chegar ao ponto de não precisar de uma embalagem ou propaganda específica porque todos os ovos da rede serão assim”, diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade do Carrefour. É assim na Europa, onde uma lei aprovada em 2012 proíbe a venda de ovos de galinhas confinadas. Por aqui, parece ser só uma questão de tempo para isso acontecer também.

Acompanhe tudo sobre:AnimaisCarrefourNaturaSustentabilidade

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda